São honoráveis os argumentos dum lado e doutro, do lado dos defensores da manutenção na esfera pública e do lado da privatização.
Numa análise simplista, dir-se-ia que era aqui aplicável o princípio de Melo Antunes, de deslocar a linha de delimitação dos setores público e privado até onde mais servisse o interesse público.
Ou assentar que quem deve decidir, a exemplo do que fazem as assembleias de acionistas, são os contribuintes, e, a exemplo do que fazem as cooperativas, serem também os próprios trabalhadores da empresa.
A mim me parece que temos aqui um caso semelhante ao dos estaleiros de Viana do Castelo, em que o então governo manobrou de modo a piorar os resultados da gestão, já de si ineficiente, através da retenção das autorizações de compra de materiais para a conclusão dos patrulheiros, ou através da gestão ruinosa da venda do Atlantida, vendido abaixo do preço razoável.
No caso da TAP, foi gritante a colaboração do então governo na degradação da situação financeira da companhia através dos prejuízos da manutenção brasileira (que aliás só mantém Boeing, marca que não existe na TAP) e da não requisição civil durante a greve decretada por sindicatos independentes.
Outro aspeto interessante é a assinatura final do contrato ser a de um governo já demitido, sabendo-se que os proponentes do governo seguinte defendiam a manutenção na esfera pública de 51% do capital da empresa.
Ocorre-me que há uns anos, dispondo de uns dinheiros por venda de uma casa, pensei comprar um moinho adaptado a habitação de férias, perto da praia da Calada, a seguir à Ericeira. Estive quase a fazer o negócio mas desisti quando soube que a filha da senhora vendedora em cujo nome estava o registo de propriedade, se opunha à venda.
Penso ser elementar da parte de um comprador não precipitar um negócio nestas condições.
Ora não pensou assim o consórcio do senhor Neeleman e do senhor Barraqueiro, beneficiário do aval do próprio vendedor para poder obter os empréstimos necessários ao negócio (coisa estranha).
Por outro lado, já se fala abertamente que, afinal, as regras da união europeia permitem a intervenção estatal, como foi o caso da companhia polaca. Mas à custa de despedimentos, dizem os adeptos da privatização. Ora, no caso da TAP não seria dificil um "spin off" para o mundo das agencias de viagens, além de que a alienação da manutenção brasileira teria peso significativo na reestruturação exigida pelas regras da união europeia.
Mas não fiquemos por aqui, chame-se a atenção para que há diferenças para o caso polaco. Diz o tratado da união europeia no seu artigo 349º que são autorizados auxílios estatais para combater a insularidade de regiões como os Açores e Madeira, o que naturalmente diz respeito às condições de financiamento do transporte. Reproduzo o artigo 349º no final do texto, bem como o artigo 107º que a ele se refere, sobre os auxílios estatais. Como pode ver-se, as regras da união europeia não proibem auxílios estatais, aliás o artigo 107º já foi invocado para fundamentar apoios à Auto-Europa.
Quanto às ideias do senhor Neeleman de alterar a ponta das asas dos aviões para reduzir o consumo de combustível, devo dizer que as regras de prudencia técnica são contra alterações de projeto, por mais que a Airbus garanta a segurança da operação. Há exemplo de modificações que, por razões de fadiga do material, se tornaram catastróficas (caso da reparação certificada pela Boeing do anteparo da cauda do avião da JAL que se despenhou por perda da cauda). Como exemplo ferroviário, dou o caso da queda dos motores do metropolitano de Lisboa por substituição da natureza das tampas das caixas de engrenagem.
Tudo ponderado, parece-me que, como qualquer questão entre nacionalização e privatização, é um caso de boa ou má gestão em função do objetivo pretendido, que é o de servir as necessidades de transporte entre continente e ilhas, entre países lusófonos, entre Portugal e as comunidades de emigrantes, e as do turismo que capta divisas.
Salvo melhor opinião, que sejam os contribuintes e os trabalhadores da empresa a decidir, não os senhores do consórcio.
Artigo 349.o
(ex-segundo, terceiro e quarto parágrafos do n.o 2
do artigo 299.o TCE)
Tendo em conta a situação social e económica estrutural da
Guadalupe, da Guiana Francesa, da Martinica, da Reunião, de Saint-Barthélemy,
de Saint-Martin, dos Açores, da Madeira e das ilhas Canárias, agravada pelo
grande afastamento, pela insularidade, pela pequena superfície, pelo relevo e
clima difíceis e pela sua dependência económica em relação a um pequeno número
de produtos, factores estes cuja persistência e conjugação prejudicam
gravemente o seu desenvolvimento, o Conselho, sob proposta da Comissão e após
consulta ao Parlamento Europeu, adoptará medidas específicas destinadas, em
especial, a estabelecer as condições de aplicação dos Tratados a essas regiões,
incluindo as políticas comuns. Quando as medidas específicas em questão sejam
adoptadas pelo Conselho de acordo com um processo legislativo especial, o
Conselho delibera igualmente sob proposta da Comissão e após consulta ao
Parlamento Europeu.
As medidas a que se refere o primeiro parágrafo incidem
designadamente sobre as políticas aduaneira e comercial, a política fiscal, as
zonas francas, as políticas nos domínios da agricultura e das pescas, as
condições de aprovisionamento em matérias-primas e bens de consumo de primeira
necessidade, os auxílios estatais e as condições de acesso aos fundos
estruturais e aos programas horizontais da União.
OS AUXÍLIOS CONCEDIDOS PELOS ESTADOS
Artigo 107.o
(ex-artigo 87.o TCE)
1.
Salvo disposição em contrário dos Tratados, são
incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afectem as trocas
comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou
provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que
falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou
certas produções.
2.
São compatíveis com o mercado interno:
a) Os
auxílios de natureza social atribuídos a consumidores individuais com a
condição de seremconcedidos sem qualquer discriminação relacionada com a origem
dos produtos;
b) Os
auxílios destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou
por outrosacontecimentos extraordinários;
c) Os
auxílios atribuídos à economia de certas regiões da República Federal da
Alemanha afectadaspela divisão da Alemanha, desde que sejam necessários para
compensar as desvantagens económicas causadas por esta divisão. Cinco anos após
a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Conselho, sob proposta da Comissão,
pode adoptar uma decisão que revogue a presente alínea.
3. Podem
ser considerados compatíveis com o mercado interno:
a) Os
auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o
nível devida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de
subemprego, bem como o desenvolvimento das regiões referidas no artigo 349.o,
tendo em conta a sua situação estrutural, económica e social;
b)
Os auxílios destinados a fomentar a realização
de um projecto importante de interesse europeucomum, ou a sanar uma perturbação
grave da economia de um Estado-Membro;
c) Os
auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou
regiões económicas,quando não alterem as condições das trocas comerciais de
maneira que contrariem o interesse comum;
d) Os
auxílios destinados a promover a cultura e a conservação do património, quando
não alteremas condições das trocas comerciais e da concorrência na União num
sentido contrário ao interesse comum;
e)
As outras categorias de auxílios determinadas
por decisão do Conselho, sob proposta da Comissão.
PS em 4 de janeiro de 2016 - Passado o fim de ano, retomam-se as negociações entre o consórcio Neeleman/Barraqueiro e o ministério do planeamento e infraestruturas para alteração do contrato de modo a 61% do capital ser público. Mais uma vez analistas e comentadores expõem argumentos e opiniões, muitas vezes emotivamente. Uns querem a confirmação da privatização para que o contribuinte não pague os prejuízos da TAP (e contudo, o aval do empréstimo ao consórcio é do Estado, sabendo-se que a Azul de Neeleman teve 56 milhões de euros de prejuízo no primeiro semestre de 2015); outros querem assumir os custos da propriedade por razões de interesse estratégico ("hub" e ligações às regiões e às comunidades emigrantes). Como disse, é um interessante estudo de caso, especialmente a discussão jurídica sobre a viabilidade de alterar o contrato contra a vontade do consórcio. Pela minha parte, noto o seguinte como razões para reverter o contrato:
1 - é estranho o senhor presidente ser mantido pelo consórcio, depois de este ter publicamente justificado a privatização com o estado caótico da companhia; trata-se de um indício de criação artificial de pretextos para a privatização
2 - repito que os sharklet têm contraindicações do ponto de vista de uma análise de riscos, e os planos de reformulação dos interiores são de duvidoso retorno, a menos que as condições de conforto sejam degradadas, de acordo com uma lógica extremada "low cost"
3 - desconfio também da decisão de mudar o tipo de avião a comprar por indiciar uma estratégia diferente do interesse nacional
4 - desconfio da facilidade com que o consórcio já injetou 180 milhões de euros e diz que vai injetar mais 120 milhões para as ações de 2 , quando a Azul teve prejuízos de 56 milhões de euros no primeiro semestre e foi parcialmente vendida à Hainan, empresa chinesa de capitais mistos; sendo o Estado avalista do empréstimo obtido pelo consórcio, a situação é de ameaça
5 - o facto de quem controla a empresa ser o senhor Neeleman pela simples razão da Barraqueiro não ter conhecimentos para gerir uma companhia aérea será fundamento suficiente, de acordo com o normativo da união europeia, juntamente com a exigencia de qualidade aos gestores, para a anulação do contrato (dito de outro modo, o sr Neeleman ignoraria o que os técnicos de transporte portugueses pensam do senhor gestor da venda do Novo Banco Sérgio Monteiro? isto é, acharia que estava a assinar um contrato normal?)
6 - o normativo da UE não obriga nenhum Estado membro a vender as suas empresas de transporte e reconhece que muitas vezes elas podem não ter interesse comercial, e que, nos casos em que concede a exploração a um privado, deve poder decidir as suas estratégias; por outras palavras, a probabilidade da TAP não ser rentável, com gestão privada ou pública, é muito grande, como acontece com qualquer empresa de transporte quando se contabilizam todos os componentes de operação, manutenção e investimento em aviões e infraestruturas
7 - considerando a conclusão de 7, parecerá que o destino da TAP deve ser decidido pelos seus trabalhadores e pelos contribuintes, e não pelo consórcio; os contribuintes podem querer assumir os custos de propriedade, não esquecendo os custos das decisões divergentes da liquidação (custos para a segurança social e para a economia do turismo) e da privatização (aval do Estado); encontrado o processo referendárioi de decisão, não poderemos depois propor outra soluções. Mas por enquanto, salvo melhor opinião, podemos.
PS em 4 de janeiro de 2016 - Passado o fim de ano, retomam-se as negociações entre o consórcio Neeleman/Barraqueiro e o ministério do planeamento e infraestruturas para alteração do contrato de modo a 61% do capital ser público. Mais uma vez analistas e comentadores expõem argumentos e opiniões, muitas vezes emotivamente. Uns querem a confirmação da privatização para que o contribuinte não pague os prejuízos da TAP (e contudo, o aval do empréstimo ao consórcio é do Estado, sabendo-se que a Azul de Neeleman teve 56 milhões de euros de prejuízo no primeiro semestre de 2015); outros querem assumir os custos da propriedade por razões de interesse estratégico ("hub" e ligações às regiões e às comunidades emigrantes). Como disse, é um interessante estudo de caso, especialmente a discussão jurídica sobre a viabilidade de alterar o contrato contra a vontade do consórcio. Pela minha parte, noto o seguinte como razões para reverter o contrato:
1 - é estranho o senhor presidente ser mantido pelo consórcio, depois de este ter publicamente justificado a privatização com o estado caótico da companhia; trata-se de um indício de criação artificial de pretextos para a privatização
2 - repito que os sharklet têm contraindicações do ponto de vista de uma análise de riscos, e os planos de reformulação dos interiores são de duvidoso retorno, a menos que as condições de conforto sejam degradadas, de acordo com uma lógica extremada "low cost"
3 - desconfio também da decisão de mudar o tipo de avião a comprar por indiciar uma estratégia diferente do interesse nacional
4 - desconfio da facilidade com que o consórcio já injetou 180 milhões de euros e diz que vai injetar mais 120 milhões para as ações de 2 , quando a Azul teve prejuízos de 56 milhões de euros no primeiro semestre e foi parcialmente vendida à Hainan, empresa chinesa de capitais mistos; sendo o Estado avalista do empréstimo obtido pelo consórcio, a situação é de ameaça
5 - o facto de quem controla a empresa ser o senhor Neeleman pela simples razão da Barraqueiro não ter conhecimentos para gerir uma companhia aérea será fundamento suficiente, de acordo com o normativo da união europeia, juntamente com a exigencia de qualidade aos gestores, para a anulação do contrato (dito de outro modo, o sr Neeleman ignoraria o que os técnicos de transporte portugueses pensam do senhor gestor da venda do Novo Banco Sérgio Monteiro? isto é, acharia que estava a assinar um contrato normal?)
6 - o normativo da UE não obriga nenhum Estado membro a vender as suas empresas de transporte e reconhece que muitas vezes elas podem não ter interesse comercial, e que, nos casos em que concede a exploração a um privado, deve poder decidir as suas estratégias; por outras palavras, a probabilidade da TAP não ser rentável, com gestão privada ou pública, é muito grande, como acontece com qualquer empresa de transporte quando se contabilizam todos os componentes de operação, manutenção e investimento em aviões e infraestruturas
7 - considerando a conclusão de 7, parecerá que o destino da TAP deve ser decidido pelos seus trabalhadores e pelos contribuintes, e não pelo consórcio; os contribuintes podem querer assumir os custos de propriedade, não esquecendo os custos das decisões divergentes da liquidação (custos para a segurança social e para a economia do turismo) e da privatização (aval do Estado); encontrado o processo referendárioi de decisão, não poderemos depois propor outra soluções. Mas por enquanto, salvo melhor opinião, podemos.
Sem comentários:
Enviar um comentário