O tribunal de Coimbra condenou em pena suspensa por 2 anos e mestre do "Jesus dos Navegantes", por homicídio por negligencia dos 4 pescadores, por não os obrigar a envergar os coletes de segurança.
Não o condenou por negligencia no governo da embarcação, por entretanto o ministério público ter retirado a acusação de não ter cumprido a rota da carta náutica.
Pode haver a interpretação generosa de que os senhores juízes pretendem tornar obrigatório o uso do colete na barra perigosa da Figueira.
Não é de facto obrigatório, tal como não é o uso do cinto de segurança para os motoristas de autocarro. Por isso morreu recentemente um motorista da Carris abalroado por um descontrolado no Campo Pequeno.
Os próprios profissionais são refratários ao seu uso (de facto, o cinto de segurança aumenta os riscos em caso de incendio do veículo, mas estatisticamente é vantajoso).
No caso dos pescadores o colete dificulta o escape do interior de uma embarcação virada. A menos que o colete seja insuflável (portanto mais caro e de revisão periódica). Ignoro se os senhores juízes recomendaram o uso de colete insuflável e a proibição de botas-calça (os pescadores que sobreviveram tiveram de descalçar as botas-calça antes de escaparem do interior da embarcação virada) e a obrigatoriedade de vestuário isotérmico (portanto mais caro).
Custa-me pois aceitar a condenação por negligência.
Estas coisas, nomeadamente a análise da obrigatoriedade do colete, deviam ser tratadas em comissões de técnicos que estejam dentro dos assuntos, mas tenho pouca esperança de que o ministério do mar, a marinha e a autoridade marítima, por esta ordem ou a que quiserem resolva o assunto, em colaboração com associações profissionais, universitárias e seguradoras (sendo certo que estas não devem usar subterfígios jurídicos para se furtarem ao pagamento das indemnizações), possibilidade de participação cidadã e com divulgação pública do andamento dos trabalhos.
No fundo, o que estou a discutir é o valor de um julgamento por quem não pratica o que o acusado vive no seu quotidiano profissional, pese embora terem sido chamadas testemunhas da especialidade (como pode o juiz avaliar a competencia técnica do técnico que testemunha?). O que põe a questão dos relatórios técnicos (o relatório da autoridade marítima sobre este acidente pareceu-me insuficiente) cujo objetivo principal deve ser evitar a repetição dos acidentes e não a condenação de eventuais responsáveis.
Trata-se de uma questão difícil, mas penso que podíamos começar pelo alargamento das comissões de inquérito com a participação acima referida.
Quanto ao ministério público e à sua ingrata tarefa de acusar, ou imputar com base na gravidade dos indícios (como pode avaliar-se o grau de gravidade dos indícios se não se pratica o que imputado exerce e sem reunir uma quantidade de técnicos especialista que garanta a diversidade de opiniões sobre o tema?), interessa-me destacar a precipitação com que imputou ao mestre negligência no governo da embarcação.
Desistiu da acusação depois de ter verificado que se tinha precipitado.
O video seguinte foi feito em dia em que o mar estava relativamente calmo, e apesar de não ser muito claro, pode ver-se que se formam ondas de rebentação junto da extremidade do molhe norte, devido á pouca profundidade. O mestre estava a tentar fugir a essa zona. Não foi negligência. Não pode invocar-se cegamente a carta náutica e a sua rota.
É possível que esta precipitação revele o que me parece uma fragilidade da justiça em Portugal: a inexistencia de orgãos de controle mútuo à semelhança das direções de qualidade das empresas produtoras de sistemas ou serviços envolvendo segurança de pessoas e bens. Os mecanismos de controle da qualidade estão descritos em normas, como a definição do processo de verificação em "V", que me parecem de difícil aceitação pela cultura dominante na justiça portuguesa.
Mas posso estar enganado.
https://youtu.be/Kf6Iyox3Jho
Mais informação sobre o acidente em
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=navegantes
Sem comentários:
Enviar um comentário