quinta-feira, 27 de junho de 2019

Para entender o debate na AR em 5 de julho de 2019 sobre a expansão do metropolitano



Para entender o debate na Assembleia da República sobre o metropolitano
em 5 de julho de 2019

Num momento em que está agendado um debate na Assembleia da Republica para debater o plano de expansão de metropolitano de Lisboa e em que se aguarda a entrega das propostas para a construção dos toscos do túnel entre a estação Rato e Cais do Sodré, tentarei sintetizar as principais razões por que deveria suspender-se este processo e iniciar um debate aberto e informado, com a participação do CSOP – Conselho Superior das Obras Públicas, LNEC, Ordem dos Engenheiros, universidades, instituições e particulares, tendente a, em tempo útil, elaborar um novo plano de expansão e um calendário de execução. Imediatamente depois deverá proceder-se à elaboração dos anteprojetos das novas extensões em condições de obtenção de financiamento comunitário nos quadros de apoio.
1 – O que tencionam fazer o Governo e o metropolitano?
Criar uma linha circular a partir da linha verde e da linha amarela, unindo-as no Campo Grande e fechando o anel ligando a estação Rato ao Cais do Sodré. A linha de Odivelas será ligada à estação de Telheiras
2 – Então quem vem de Odivelas e quer ir para o Saldanha vai ter de mudar no Campo Grande?
Sim, é o que está previsto no caderno de encargos do concurso. O governo e a câmara de Odivelas ainda vieram dizer que a linha de Odivelas podia “partilhar” a operação da linha circular. Isso é possível, mas como demonstra o caso da Circle Line de Londres, é gerador de constantes atrasos e dificuldades de regulação, além de aumentar o intervalo entre comboios para além dos 3 minutos anunciados. Não admira assim a reação espontânea de uma senhora passageira ao ser informada, numa ação contra este projeto à saída da estação Odivelas: “Mas estão  *…”
3 – Como justificam o governo e o metro a linha circular e a linha Odivelas-Telheiras?  
Repetem os resultados de um estudo que nunca foi divulgado que diz que a linha circular vai atrair mais passageiros do que o prolongamento de S.Sebastião para Campo de Ourique, porque a maioria dos passageiros da linha de Cascais e dos barcos que chegam ao Cais do Sodré destinam-se à zona de serviços da Avenida da República. Desvalorizam assim várias circunstâncias:
3.1 – as entradas e saídas de passageiros nas estações entre Odivelas e Quinta das Conchas atingem cerca de 18 milhões por ano, enquanto na estação do Cais do Sodré são cerca de 16 milhões
3.2 – o acréscimo previsto devido à atratividade da linha circular é da ordem de grandeza que o metro tem vindo a ter anualmente, sem quaisquer obras e com as limitações operacionais conhecidas
3.3 – se o critério de comparação é o serviço da zona da Avenida da República em intenção dos passageiros da linha de Cascais, então a comparação correta deveria ter sido com o prolongamento a Alcântara Mar que encurtaria o tempo de viagem
3.4 – a operação de uma linha circular tem graves condicionamentos, como mostra a transformação da Circle Line de Londres, de circular para espiral ou laço, em 2009, precisamente no mesmo ano em que foi apresentado o plano de expansão do metro que incluía a linha circular. Como dizem os ingleses, “continuous circulating  compounds delays, terminating trains absorb delays”. Ou como diriam os portugueses parafraseando Ronaldo (no campeonato da África do Sul: “Carlos, assim não ganhamos o jogo”) “Assim não servimos os passageiros da área metropolitana”

4 – Como reagem o governo e o metropolitano às críticas?
Não as aceitam. Desvalorizam imediatamente qualquer argumento técnico contra. Nem atenderam os pareceres negativos da maioria dos seus técnicos. Provavelmente  sentir-se-ão inseguros e a negação será uma forma de reforçar a coesão de grupo.
Nem sequer aceitam a sugestão de evitar a obra cara e complexa dos viadutos de Campo Grande e fazer a linha em laço Odivelas-Rato-Cais do Sodré-Campo Grande-Telheiras.

5 – Como chegámos aqui?

A linha circular fazia parte do plano de expansão apresentado pelo XVII governo nas vésperas das eleições de 2009 . O plano foi aprovado pelas câmaras municipais da área metropolitana porque previa ligações às áreas periféricas. Não foi porém sujeito a consulta pública nem era compatível com o PROTAML de 2002, o qual previa explicitamente o prolongamento do metro a Alcântara e a criação de uma grande circular externa em metro de superfície (LRT) Algés-Loures-Sacavém.
A atribuição de prioridade à linha circular desprezando as outras medidas foi uma decisão interna do metropolitano, igualmente não sujeita a consulta pública.
Em fins de 2016 o XXI governo entendeu retomar o plano de 2009 retendo apenas a linha circular, e apesar de várias manifestações públicas com argumentações técnicas contrárias, permaneceu até hoje inamovível na sua opção, com o apoio da câmara municipal de Lisboa

6 – Mas não foi feito um estudo de impacto ambiental que teve parecer favorável?

Sim, foi. Mas é o próprio EIA que explicitamente diz que o que estudou foi a linha circular, sem considerar qualquer outra opção. Isto é, sujeitou-se a consulta popular um projeto que resultou de uma decisão que não foi sujeita a consulta popular, e os validadores do EIA dizem que nada têm a haver com outras opções. Mais reconhece a APA, ao validar o EIA, que os fatores relevantes para emissão do parecer favorável não incluíram as razões técnicas de operação e de manutenção de redes de metropolitano. Por outras palavras, os consumos e custos adicionais de energia, de operação e de manutenção não foram considerados relevantes na apreciação pela APA.

7 - Serão evidentes os inconvenientes da linha circular quando entrar ao serviço?

O que será mais sensível para os passageiros, apesar da melhoria que advirá de termos mais comboios e um sistema de sinalização de maior rendimento (CBTC de cantão móvel), e que também seria patente se se mantivessem as linhas independentes, é que, atualmente, se ocorrer uma avaria ou perturbação na linha amarela, a probabilidade de ocorrer outra na linha verde é pequena. No caso da linha circular, qualquer ocorrência num troço da anterior linha amarela refletir-se-á em toda a linha circular, portanto no troço da anterior linha verde.
Existe outro inconveniente menos sensível, é que o km de construção, dada a complexidade técnica da obra, vai ficar mais de 50% mais caro do que a construção em terrenos normais. Os 210 milhões de euros já autorizados pelo XXI governo, incluindo material circulante e CBTC, são manifestamente insuficientes.

8 - Que complexidade é essa?

Trata-se de aspetos técnicos de construção já identificados no EIA e portanto não é caso para alarmismos, mas é exigível uma monitorização da obra todo o ano, 24 horas por dia, sábados, domingos e feriados incluídos e estado de prontidão para equipas de injeção de cimento e pregagens para estabilização de solos.
No caso do troço da av.24 de julho, o terreno é de aluvião e de aterro e a construção será a céu aberto, com os inconvenientes para o transito evidentes, mas já existe experiência deste tipo de trabalhos como na construção da estação de Cais do Sodré.
No caso da colina da Estrela e na zona adjacente à av.D.Carlos I, o risco é encontrar bolsas de água ou de terreno pouco consistente que possam originar deslizamentos de solos que afetem habitações ou o ISEG. Por isso são necessárias garantias de que a referida monitorização será assegurada.
No caso dos viadutos de Campo Grande, em que se prevê a ligação aos existentes de dois novos viadutos, trata-se de uma agressão arquitetónica, em que por razões de técnica de via férrea será necessário deslocar o cais da estação de Campo Grande para nascente e garantir uma monitorização dos tabuleiros préesforçados mais frequente do que o habitual durante e após a obra , situações pouco recomendáveis.

9 - Que vai acontecer no debate na AR?

É sempre melhor falar como historiador do que como profeta, mas provavelmente, dado que no Parlamento não existe entre o partido do governo e o BE um acordo específico sobre a expansão do metro como na CML, é provável que do debate saia uma recomendação ao governo para que se abra à contraargumentação técnica e proceda a uma revisão do plano e redefinição das prioridades, até porque existe disponibilidade financeira do fundo ambiental, do POSEUR e possibilidade de empréstimos do BEI e de candidatura a fundos comunitários. Porém, as recomendações da AR não têm efeito vinculativo e pela dificuldade já revelada pelo XXI governo em aceitar argumentos contrários e pela obsessiva defesa do projeto pelos senhores deputados do partido do governo, receia-se que a obra vá mesmo para a frente, com adjudicação dos toscos Rato-Cais do Sodré ainda em 2019, esperando-se que o mesmo ocorra à pobre estação de Arroios.

Fernando  Santos e Silva
Ex-técnico do metropolitano de Lisboa


Textos dos projetos de resolução 1271/XIII e 2124/XIII e da petição:

Mais informação:

PS em 28 de junho de 2019 -  Graças à recordatória por amável comentador, junto a ligação para o projeto de resolução 1974/ XIII que resume muito bem a situação, chamando a atenção para a não inclusão no PNI32030 de um plano de expansão do metro, e propõe a reconsideração da decisão pela linha circular e a prioridade aos prolongamentos a Alcântara e a Loures . Tendo dado entrada em 6 de fevereiro de 2019, julgo que ainda não estará agendada, e possivelmente não o será nesta legislatura, amenos que, a exemplo da 2124/XIII seja anexada à agenda do debate de 5 de julho:
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43399  

2 comentários:

  1. Está esquecida este projecto de resolução: https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43399

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado pela informação. Acrescentei em PS a referência. De facto, tal como o pjr 2124/XIII, poderia ser incluido na agenda do debate de dia 5 de julho, porque os três podem ser fundidos.

      Eliminar