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Exmo Senhor Secretário de Estado das Finanças
Na qualidade de cidadão da República, peço desculpa por me dirigir a V.Exa, mas relevo em minha defesa o artigo 48 da Constituição da República, que define o direito de qualquer cidadão ser informado de assunto de interesse público ( “1. Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.
2. Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.”).
Ora, nos tempos que correm, dificilmente poderemos encontrar um assunto de maior interesse público do que aqueles que dizem respeito à gestão das finanças de todos nós.
Daí o dirigir-me a V.Exa depois de ter visto na comunicação social os orgulhosos resultados de 3 importantes bancos do nosso País no 1º semestre, mas também a descoroçoada desculpa para o facto de os lucros terem subido e os impostos terem baixado, como se pressurosamente quisessem cumprir o desiderato da escala regressiva de impostos de Milton Friedman e da Reaganomics .
Como V.Exa sabe, graças à formação matemática que tem, as derivadas positivas ou negativas das variáveis podem ser mais significativas do que os valores absolutos dessas variáveis.
Congratulamo-nos todos, em princípio, pelo crescimento dos lucros ( +13% relativamente ao 1º semestre de 2009), dos produtos bancários ( +5%) e das comissões, se indiciassem aumento da matéria coletável ( +14%).
Mas, os impostos devidos baixaram (69% ?!).
Se estivéssemos perante os resultados de análises médicas de um doente, sendo o doente, guardadas as respeitosas distancias, a máquina contributiva, diríamos que estaria a precisar de intervenção urgente.
Se resultados análogos, também mantendo as distancias e as diferenças disciplinares, me fossem apresentados pelos meus colaboradores, nos tempos em que eu desempenhei funções de coordenação técnica de manutenção e de projetos, teriam eles de me ouvir dizer que o seu (deles) comportamento teria de mudar, sem o que haveria incomodidades graves de relacionamento no trabalho.
Mas vamos à já classificada por mim como descoroçoada desculpa para justificar a diminuição dos impostos.
1 – os bancos em causa pagaram impostos no estrangeiro. Terão razões para isso, mas quero recordar a V.Exa o que José Saramago sempre fez: pagava os impostos em Portugal e mandava dar uma volta os cobradores espanhóis. Para isso estamos na União Europeia. Se os bancos pagarem os seus impostos em Portugal não precisarão de pagá-los no estrangeiro. E se o trabalho desses bancos no estrangeiro é útil para a economia das empresas exportadoras ou dos emigrantes portugueses, então os seus gestores compreenderão que se poderá lançar no futuro uma taxa suave, para que os beneficiados não sejam apenas as empresas exportadoras e os emigrantes, mas também quem está em Portugal a trabalhar. Mas podem esses bancos garantir que os impostos pagos no estrangeiro não o foram sobre depósitos em “off-shores”? e que as suas ações não contrariaram as diretivas emanadas de vários governos sobre as “off-shores? Sºao esses esclarecimentos que se pedem.
2 – os bancos venderam participações cujas mais valias não são tributáveis. Muito bem, não são tributáveis, não se fala mais nisso.
Mas pode falar-se em que pode sair uma lei para as tributar, a partir de agora? É mais este um esclarecimento que se pede.
3- os bancos fizeram provisões dedutíveis para efeitos fiscais. É uma situação análoga: estará em preparação uma lei que determine o fim dessas deduções? É também esse um esclarecimento pedido.
4 – os bancos consolidaram contas por equivalência patrimonial de participações financeiras; os bancos fizeram correções por interesses minoritários. Neste campo, confesso a minha incapacidade de compreensão de tão altas engenharias financeiras, de que algumas técnicas terão sido amplamente usadas na preparação da crise especulativa internacional do Outono de 2008. Por isso fico desconfiado, e a ausência de explicações compreensíveis não ajuda a dissipar a desconfiança.
5 – embora sem dados para o afirmar com segurança, a perceção que se tem é que, perante o aumento de lucros, não tem havido em correspondência uma melhoria na disponibilização de empréstimos para empresas investidoras e para as famílias, o que poderia em parte justificar uma dispensa de impostos.
Perdoará V.Exa a crueza com que escrevo, mas, possivelmente por deformação profissional em disciplina diferente da especialidade de V.Exa, estas justificações suscitam-me a imagem da areia atirada para os olhos para distrair as atenções.
Creia porém que gostaria mesmo de ser esclarecido sobre as causas reais da diminuição dos impostos em oposição ao aumento dos lucros e de ser informado sobre a forma de o evitar no futuro, como, no interesse público, julgo ser a intenção de V.Exa.
Com os melhores cumprimentos.
Fernando Santos e Silva, contribuinte 146 552 555, IRS/2009 (trabalho por conta de outrem e 4 meias rendas de casas antigas) 4.567,29 euros.
PS - Curiosissimo ver no DN de hoje, 7 de Agosto, o senhor presidente do Santander Totta dizer que não tem nada a opor a que os bancos paguem mais imposto sobre os lucros enquanto se estiver em crise. Esperemos que o senhor governo não queira contrariar a ideia.
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