quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Gestionarium XIX - A nostalgia da saída, a infiltração de combustível no túnel, o dinamismo de quem não aceita o emprego para toda a vida, e a gestão para totós (managing for dummies)



Agora que se aproxima a saída da empresa, estou sujeito à ameaça de ataques de nostalgia. Porque optei por permanecer na mesma empresa durante a vida ativa.
E agora diz-se que não há empregos para toda a vida.
Já tinha ouvido isso, há muitos anos, quando fizemos a viagem inaugural para o Campo Grande, da estação da Cidade Universitária para o Campo Grande, em 1993. Nas pequenas festas das inaugurações, é da praxe convidar os antigos administradores.
E na inauguração de 1993 encontrei o dinâmico presidente da administração de 1976 a 1979. Pouco tinha mudado de aspeto, mas tinha mudado de empresas, de energia, de transportes, da industria química, quase ao ritmo de uma por ano, passando pelas suas administrações, vendendo serviço de consultadoria, aqui em Portugal e em Macau, sem nunca largar a sua cátedra no IST.
Devia ter gostado de mim quando trabalhou comigo (no tempo em que administradores reuniam com simples técnicos da sua empresa) , porque a primeira coisa que me perguntou foi: “Então ainda está cá?” e depois, como se se desse conta de que acabara de passar um atestado de incompetência a quem nunca mudou de empresa, e respondendo à minha inquirição “o que tem feito?”, foi dizendo que tinha tido de procurar trabalho pelo mundo fora.
Era de facto um técnico de grande capacidade. Talvez que tanto dinamismo deveria estar repartido por outros técnicos, para não se concentrar tanto trabalho num só.
O senhor foi até muito útil na consultoria que prestou quando um depósito de combustível duma garagem perto do cruzamento de S.Sebastião rompeu e originou uma infiltração na galeria. Os índices medidos de explosividade aproximaram-se dos valores-limite e a circulação de comboios esteve suspensa até as medidas tomadas (as técnicas de selagem que os especialistas do petróleo conhecem) terem feito os indices regressar aos valores normais.
Na semana seguinte, do outro lado do mundo, na linha do trans-siberiano, a explosão de uma conduta de gás, numa encosta adjacente à linha do comboio, provocou oito dezenas de mortes.
Foram os deuses a divertir-se com os dados.
No caso de Lisboa, tudo começou quando os maquinistas começaram a queixar-se de cheiro intenso a gasolina.
O que me leva a continuar a pensar, agora que cada vez mais linhas de metropolitano funcionam de modo integralmente automático, isto é, sem maquinista a bordo, que o dinheiro que se poupa nos salários dos maquinistas (diz a experiência que essa economia dificilmente ultrapassará os 20%, uma vez que é necessário ter um grupo de maquinistas que possa ir buscar o comboio no caso dele avariar, e outro grupo de agentes para apoio aos passageiros em caso de emergência) tem de ser investido em sistemas automáticos de deteção linear e contínua, ao longo da linha e nos próprios comboios.
Deteção de fumos, de chama, de gases tóxicos, de descarrilamento ou colisão com objeto na via…
Como custa explicar aos economistas que se põem a gerir empresas de transporte ferroviário que o objetivo principal dos sistemas automáticos que a tecnologia põe ao dispor das comunidades não é poupar nos encargos com o pessoal…
Como custa explicar-lhes que quem transporta pessoas não pode confiar cegamente na eficiência da manutenção dos depósitos de combustível instalados na proximidade das suas linhas (tem de ser mantida atualizada uma lista com a localização desses depósitos).
E para isso, não pode ficar-se numa empresa 2 ou 3 anos, tem de compreender as implicações de tudo isto…
Não me parece mal haver empregos para toda a vida, especialmente se houver questões de segurança pelo meio.
Tudo isto a propósito da nostalgia do fim do emprego para toda a vida (ou da nostalgia do fim da vida depois do fim do emprego?) e do exemplo do antigo administrador que na sua diversificada vida ativa exerceu funções que poderiam ter sido repartidas por outros técnicos se a capacidade de organização da espécie humana não dependesse tanto da capacidade de apropriação de funções de alguns.
Isto também a propósito de um livro de gestão que, há também uns anos, simpáticos colaboradores resolveram oferecer-me: Gestão para totós. Em inglês: Managing for dummies. Autores: Bob Nelson e Peter Economy. Editora: Porto Editora.
Digo simpáticos, talvez por também pertencerem ao clube do emprego para toda a vida e se terem especializado nas suas técnicas, mas principalmente porque acharam que eu merecia uma ajuda dos “gurus” da gestão. Vamos entender aqui “totó” como “dummy”, alguém que está a ocupar transitoriamente um lugar,não direi para alguém, mas para que venham a ser obtidos resultados e atingidos objetivos, sem saber muito bem como fazer para os conseguir.
E vejam o que descobri no capítulo “Delegar, ou como produzir mais sem trabalhar mais”:
“Ocultar informação a um funcionário da empresa é mutilá-la”. Não é bonito, num país em que se quer reservar a informação a quem tem o poder? (tontice, querer guardar a informação; ela escapa-se pela informática…).
E para além de não devermos mutilar as empresas (vá, deleguem, façam broadcasting e disseminação da informação, alarguem o debate, mandem passear os paralizados na evolução que repetem desde o cromagnon que “cada macaco no seu galho”, aproveitem o que as pessoas são capazes de fazer) , também devíamos ter pena dos sobredotados como o ex-administrador da minha empresa, e defendamos a repartição das tarefas, a descentralização, a dinamização das equipas nas empresas e da abertura ao debate externo, para que não sobrecarregarmos tanto os sobredotados, os super-dinamicos, os gestores de eleição.
Seria uma revolução democrática nas empresas, não seria?
Como diz a sabedoria das multidões, “não há ninguém do grupo mais inteligente do que o grupo”.

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