Concerto na Fundação Gulbenkian, em 10 de fevereiro de 2012, com a orquestra Gulbenkian, o maestro Tom Koopman e o baixo Klaus Mertens
A cultura alemã no século XVIII desenvolveu-se no sentido do classicismo.
A urbanização de Berlim foi um sucesso e a pureza das linhas de arquitetura clássica atingiram um nível elevado na avenida Unter den Linen. Sob a expansão prussiana através do exército e da organização estrutural da sociedade germinava a centralização do século seguinte e o desenvolvimento industrial, no meio da pulverização feudal sobrevivente. Na música, Bach fazia a transição do barroco para o clássico e transformava a matematica em música. De cultura luterana, as suas cantatas e paixões são a sua expressão dramática.
A cantata Ich habe genung é um bom exemplo da música ao serviço da mensagem cristã de resignação com a miséria da vida terrena, com a esperança de uma vida triunfal pós morte.
As condições de vida na Alemanha no tempo de Bach não eram confortáveis. Havia guerra demasiadas vezes e havia a necessidade de fazer crescer a economia.
Todos os domingos a música nas igrejas ajudava os burgueses, os camponeses e os manufatureiros a conviver com as dificuldades do quotidiano na esperança de um futuro de felicidade.
Três séculos passados, apesar de todo o progresso tecnológico que se pensava colocaria o conforto ao alcance de todos, continua a ser excessivo o número de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza, mesmo na Europa. Em Portugal, por exemplo, em que o salário mínimo líquido é de 432 euros e é recebido por 400.000 trabalhadores, o limiar de pobreza está convencionado em 434 euros.
Por isso a cantata Ich habe genug, eu tenho o suficiente, é uma metáfora atual para quem não tem o suficiente.
Pese embora parecer encerrar uma contradição que me parece herdada da mensagem judaico-cristã de resignação: as condições sociais de miséria exigem o crescimento económico para a sua resolução, mas a cantata aspira a que a morte chegue depressa e portanto, antes de serem resolvidas as questões sociais?
A tradição ateísta parecerá mais próxima da resolução do paradoxo; existem problemas de miséria? então devem atacar-se as causas e aplicar as soluções, sem promessas de miragens.
Ich habe genug eu tenho o suficiente
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Ach! möchte mich von meines Leibes Ketten Ah, que o Senhor me redima
Der Herr erreten! dos grilhões do meu corpo!
Ach! wäre doch mein Abschied hier Ah, se a hora de partir já tivesse chegado,
Mit Freuden sagt'ich, Welt, zu dir: com alegria te diria, ó mundo,
Ich habe genug! eu tenho o suficiente!
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Hier muss ich das Elend bauen, Aqui vivo na miséria,
Aber dort, dort werd'ich schauen mas lá, já poderei ver
Süssen Friede, stille Ruh. a doce paz, o suave repouso
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Ich freue mich auf meinen Tod, Com alegria eu antecipo a minha morte,
Ach! hätt er sich schon eingefunden, Ah, se já tivesse chegado,
Da entkomm ich aller Not então, escaparia a toda a miséria
Die mich noch auf der Welt gebunden que me liga ainda ao mundo
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