Como se costuma dizer, todos nós temos um pouco de poeta, de louco e de médico.
Mas o provérbio é muito antigo, e acho que podemos acrescentar que todos temos também um pouco de crítico de cinema.
O filme sobre Margaret Thatcher utiliza técnicas eficazes para atrair os espetadores e apesar de não esconder os aspetos negativos acabará por dar uma imagem simpática, até pela iterpretação de Merryl Streep.
Nisso segue a tendencia de branda tolerancia e de abertura para concessões, coisa que não era com ela, que Clint Eastwood manifestou no seu J.Edgar, humanizando o grande inquisidor do FBI Edgar Hoover.
Talvez humanizar a dama de ferro seja perigoso nos tempos que correm, por sugerir a aplicação das suas receitas de "capitalismo de casino", responsáveis pela desindustrialização do país e pelo predomínio da especulação financeira mais ou menos declaradamente "off-shore", que com grande probabilidade conduziram à crise financeira atual.
Pareceu-me um filme pesado e cansativo, com recurso obssessivo ao diálogo com o fantasma do marido e a constantes "flash-backs".
Mas a senhora era obssessiva, na sua ansia de aplicar as ideias de Hayeck (minimização do Estado, privatizações, fé bíblica na iniciativa privada), não há que admirar o filme ser obssessivo e deprimente quando retrata o maior desemprego na Inglaterra depois de 1930.
Só ao fim de 11 anos o mecanismo democrático do próprio partido conseguiu acabar com o seu autoritarismo.
Pena o filme não incluir a frase célebre da senhora, que quem aos 30 anos tem de andar de transportes públicos é um falhado.
Pena não referir o falhanço reconhecido que foi a privatização dos transportes em Inglaterra, com graves falhas de segurança e acidentes como consequencia dos cortes.
Nem a parcial nacionalização a contragosto da BP e da Chrysler inglesa.
Nem o envio de mensagens de mentira aos passageiros de um voo bloqueado num país do golfo pérsico.
Mas o filme não esconde a frieza do crime de guerra cometido com o afundamento do cruzador Belgrano fora da zona de exclusão e com a proa virada ao continente, não esconde a intolerancia e a incapacidade de aplanar o caminho para a intermediação no conflito com a Irlanda do Norte (ficou provado que a mediação resulta), não esconde a insensibilidade perante o desemprego.
E contudo, assim como muitos votaram nela e lhe deram a maioria apesar das suas medidas, também no momento do nosso descontentamento muitos apoiam o seu dedicado e inflexível seguidor contra todas as evidencias, o primeiro ministro portugues, dela e de Hayeck.
Contra, por exemplo, o próprio continuador de Thatcher, primeiro ministro inglês Cameron, ao dinamizar com Mario Monti o manifesto "Um plano para o crescimento da Europa", com medidas privilegiando o emprego e o crescimento, ao arrepio das ideias de Hayeck e da estratégia do BCE (lei de Philips: conter os preços e as taxas de juro através de um desemprego elevado e uma procura contida).
O primeiro ministro português, pelo menos até agora, não quis assinar o manifesto, já assinado por 11 primeiros ministros europeus.
Deve ser contra as ideias dele.
Escreveu Cameron: "As garantias implícitas de sempre resgatar os bancos, que distorcem o mercado único, devem ser reduzidas. São os bancos, e não os contribuintes, que devem ser responsáveis por suportar os custos dos riscos que correm" (eu acrescentaria, os bancos e as holdings que os detinham, como a SLN).
Como é diferente o neo-liberalismo na Inglaterra, ou como dizia Julio Dantas, como é diferente o amor em Portugal.
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