Comentário que enviei:
Exmo Senhor Prof. Ricardo Reis
Assunto: vosso artigo no dinheiro vivo sobre “greves nos
transportes públicos”
Em primeiro lugar cumprimento-o
pelo aspeto didático que confere aos seus artigos.
Em segundo lugar, a propósito do
tema em assunto, manifesto igualmente a minha discordância sobre o tipo de
greves que decorrem nos transportes públicos.
No entanto, gostaria de fazer
algumas observações relativamente à argumentação que utilizou, seguindo as suas
referencias, aplicadas ao caso do metropolitano de Lisboa.
1 – Prejuízos das empresas públicas de transportes – a taxa de
cobertura dos gastos operacionais pelas receitas, da ordem de 60%, está em
linha com os melhores resultados de
metropolitanos de referencia, conforme estudos comparativos do Imperial
College de Londres, destacando-se o metro de Lisboa nos primeiros lugares em
eficiencia energética. Relativamente à reivindicação de um “aumento da fatia”
da riqueza produzida que apresenta como fundamentação das greves, cumpre dizer
que as reivindicações dos trabalhadores têm sido fundamentalmente, não em
aumentos, mas na manutenção do estabelecido nos acordos de contratação coletiva,
na segurança laboral, no cumprimento dos contratos de reforma (oportunamente no
artigo anterior esclareceu que existem constituições que garantem o estatuto de
credores aos pensionistas), na oposição à política de privatizações/concessões
(cumpre referir as experiencias desastrosas com privatizações parciais, no
metro de Londres, por exemplo), na redestribuição equitativa do esforço
contributivo entre os rendimentos do trabalho e do capital, até com propostas
de reequilíbrio financeiro.
Os resultados operacionais
obtidos provam que, se no momento atual são necessários aumentos de impostos,
não foram os trabalhadores do metro os responsáveis por isso e seria nessa base
que deveriam decorrer as negociações
2 - Enormes
recursos em investimentos – Plenamente de acordo, o metro não deve parar
para não baixar a rentabilidade dos investimentos, para além de dever ser uma
alternativa permanentemente disponível para quem não tem transporte próprio. No
entanto, mais importante do que isso, devíamos debater publicamente o
desperdício que representa não utilizar o metro em grau mais elevado da sua
capacidade, isto é, poderiam circular mais comboios com intervalos mais
curtos. E isso não acontece porque, para
além da diminuição da procura devida ao arrefecimento da economia, é estimulada
a utilização do transporte individual através da permissividade do
estacionamento urbano (em passeios, por exemplo) e da ausência de taxas de
entrada no centro das cidades (não confundir com portagens de auto-estradas).
Quanto ao “fardo da dívida pública”, convem mais uma vez lembrar que o serviço
da dívida não deve fazer parte das contas da empresa que explora a rede de
transportes, sendo efetivamente despesa pública em investimentos destinados a
economizar nas deslocações por maior eficiencia energética do transporte
ferroviário quando comparado com o transporte individual e menor dependência da
importação de combustíveis fósseis por passageiro.km
3 – “não é verdade que a existência de transportes públicos diminua o
tráfego” – Confesso que desconhecia a lei fundamental do tráfego e que me
obrigou, o que agradeço, a consultar a internet. Quem me ensinou, já há muitos
anos, ensinou-me a sua versão mais aplicável ao metro: que no diagrama diário
de procura os picos da hora de ponta, cortados por se ter atingido o limite da
capacidade, descomprimem assim que a capacidade oferecida aumentar (segundo a
informação que recolhi, a lei pode exprimir-se desta forma: nas deslocações na
hora de ponta nas áreas urbanas, o tráfego cresce até atingir a saturação da
capacidade disponível). Quando escreve que “os investimentos em autocarros ou
metros não têm quase efeito nos veículos.km percorridos numa zona
metropolitana” está a escrever uma
evidencia em contextos de economias mais fortes e em crescimento, em que a
procura de transporte, individual ou coletivo “descomprime” se a capacidade dos
canais aumenta, contrariamente à nossa, em que o aumento da capacidade de
transporte do metro não se traduz por aumento da procura (penso que não existem
dados fiáveis que permitam afirmar, no nosso caso, que os veículoskm do
transporte individual também baixaram, embora isso seja indiciado pelo
decréscimo de consumo de combustíveis fósseis).
Ora, no atual momento crítico,
essa afirmação pode sugerir que não vale a pena investir em transportes
públicos porque as pessoas sempre preferirão o transporte individual. O
problema está em que a situação atual é de desperdício energético devido ao
menor rendimento do transporte automóvel quando comparado com o ferroviário.
Estudos na internet sugerem que no caso da área metropolitana de Lisboa o
desperdício anual por não se fazer uma transferência de 10% das deslocações em
transporte individual para o ferroviário (estimando 10 mil milhões de
passageiros.km anuais, sendo 60% em TI e 40% em TC e 10 km de viagem média) é da
ordem de 15 milhões de euros em combustível importado (como se sabe, os
comboios consomem energia elétrica que pode ser obtida de fontes eólicas, tão
acusadas de terem sido instaladas em excesso, mas que poderiam ter nos comboios
os consumidores de base). O que nos reconduz à lei fundamental do tráfego: as
pessoas preferirão beneficiar da libertação das vias rápidas graças à expansão
da rede ferroviária voltando a sobrecarregar as vias rápidas, se, e só se, não
tiverem de pagar por voltar a elas. Como referido acima, a solução já
experimentada em Londres, Estocolmo, Hong Kong, é taxar as entradas nos centros
e fiscalizar com rigor os estacionamentos.
4 – aumento do tempo
de viagem com a greve – evidentemente de acordo que as greves têm este
custo, com a observação de que a duração longa da viagem em TI não deverá ser o
único argumento (aliás contabilizável em função do salário médio/hora) para a
escolha do modo de transporte em dias normais, uma vez que a eficiencia
energética também é importante (mais um custo em dia de greve)
5 – “são as classes
média e baixa que mais dependem dos transportes públicos … e provavelmente não
terão carro disponível nos dias de greve” - evidentemente muita gente não
tem condições materiais para ter
transporte próprio, outros por opção não têm, mas penso que aqui continuamos a
não ter dados fiáveis por inexistência de investigação sociológica e
dificuldade de aplicação de modelos de áreas metropolitanas estrangeiras. A
politica de desertificação da cidade de Lisboa conduziu a que nos concelhos de
Cascais, Sintra e Oeiras o nível de vida seja superior. As grandes empresas
também não ajudaram deslocalizando-se para a periferia. Mas penso que é
irrelevante apurar se as greves prejudicam mais os 150.000 automobilistas que
entram diariamente em Lisboa e os 250.000 que a atravessam ou os que têm de
procurar transporte alternativo. A situação revelada é que a urbanística da
área metropolitana está desestruturada,
a precisar de uma politica integrada de transportes e de reurbanização.
Conclusão – “em troca
destes custos sociais, o que ganharam os trabalhadores dos transportes públicos
com todas estas greves, … quando os eleitores não culparão o governo mas antes
os funcionários em greve pelos transtornos causados?” - parece evidente que o governo pode aproveitar
os transtornos para “virar” a população contra os trabalhadores em greve, mas a
verdade é que nas entrevistas em dias de greve ouve-se cada vez mais utentes
prejudicados manifestar a sua incomodidade mas também a compreensão pelas
razões dos grevistas. No fundo, uma das principais razões das greves é a
oposição à politica de privatizações /concessões e aqui há uma identidade entre
grevistas e uma parte da população prejudicada que não se revê no memorando com
a troika. As empresas públicas podem dar
prejuízo (para não falar nas que não davam e foram privatizadas) mas são dos
contribuintes, e a sua privatização deveria ter sido sujeita a referendo, ou,
no mínimo, à aprovação por 2/3 dos deputados. É o mesmo que vender uma empresa
sem convocar a assembleia dos acionistas.
E no caso do metropolitano, considerando a experiencia
alheia e a constatação de que não é possivel uma melhoria da gestão privada superior
ao lucro desejado, parecerá que os trabalhadores têm razão (há anos, durante um
contencioso, circularam autocarros de um grande grupo com um cartaz nas traseiras:
“sem subsídios não há serviço público”).
Igualmente terão razão se considerarmos, por exemplo, que um
maquinista do metro do nivel anterior ao mais elevado da carreira tem um
vencimento base mensal um pouco inferior a 1400 euros (brutos). Com complementos
recebe 2800 euros (brutos). Feitas as contas, são cerca de 28.000 euros
líquidos por ano (incluindo os complementos) se não houvesse cortes e se
recebesse os 14 salários.
É verdade que é mais do que a média. Mas é uma profissão de
desgaste sujeita a rigorosos testes periódicos por razões de segurança (há
casos de maquinistas reconvertidos com idade inferior a 30 anos). Por outro
lado os seus profissionais têm de ser qualificados e é normal que o vencimento
de um qualificado esteja acima da média e que garanta a exclusividade e a
estabilidade laboral para evitar acidentes como o do Metro North em Nova Iorque.
Mas concordo, tendo em consideração os custos sociais e a
vantagem de “marketing” para o governo, o tipo de greves a desenvolver deveria
evitar os transtornos aos utentes.
Cumprimentos
Sem comentários:
Enviar um comentário