o texto seguinte faz parte de umas memórias do metropolitano
Quando Carmo Alberico, administrador principal, recebeu o
pedido do diretor do departamento de investigação ótica do IST, Instituto Superior Técnico, já Tânia
Moleiro me tinha pedido para a acompanhar a uma reunião com um grupo de
professores e investigadores, preocupados com o anuncio do inicio das obras da
extensão da linha vermelha, da Alameda a S.Sebastião.
Pelas vias institucionais, o IST já nos tinha feito chegar
um estudo da universidade complutense com a estimativa das perturbações
eletromagneticas e de vibrações mecânicas devidas à passagem dos comboios a
menos de 30 metros
dos laboratórios de ressonância magnética nuclear, de metrologia do magnetismo,
de ensaio dos microcircuitos, dos microscópios eletrónicos de transmissão e
varrimento, do espetrómetro de massa de 600 MHz para líquidos, dos líquidos criogénicos, e dos lasers
intensos.
A grande taxa de variação da corrente de tração dos
comboios e dos circuitos de retorno, podendo atingir 5.000 A em picos de 20
segundos na fase de recuperação, induz
campos eletromagnéticos variáveis que por sua vez induzem forças eletromotrizes
que falseiam as medições de equipamentos laboratoriais.
O grupo recebeu-nos pouco amistosamente e com algumas
intervenções pouco contidas, reivindicando indemnizações para deslocalização
dos laboratórios.
Ficaram porém surpreendidos quando apresentámos cálculos e
medições dos campos eletromagnéticos produzidos pela circulação dos comboios
que já tínhamos realizado nas imediações do túnel em outros locais, igualmente
por reclamações de moradores na vizinhança.
Confirmei-lhes que os campos eletromagnéticos podiam
interferir a menos de 30
metros mas que a partir dessa distancia a solução mais
correta seria blindar os gabinetes de ensaio com gaiolas de Faraday, pela razão
simples de que a intensidade dos sinais perturbadores era da mesma ordem de
grandeza das perturbações causadas por máquinas elétricas como motores de
compressores de frigoríficos ou de emissores de radiotelefones.
Os valores medidos a 15 metros da circulação
dos comboios eram de 0,05 mT (mili Tesla) para o campo magnético em DC e de 20
nT (nano Tesla) para 250 Hz.
Para o campo elétrico os valores eram de 12 V/m a 50 Hz e
de 60 dB μV/m a 463 MHz, portanto valores
suportáveis com a referida blindagem.
Quanto às vibrações mecânicas, informei que o nível que se
poderia esperar do tipo de via férrea que iria ser instalada, com manta
absorsora de elastómero, da ordem de 66 dB ou 0,1 mm/s de valor pico a pico, era
inferior ao intervalo de tolerancia dos equipamentos laboratoriais.
Porém, o investigador dos lasers e o diretor do seu
departamento não concordaram, acharam que as molas sobre que se apoiava o
tabuleiro dos lasers, repleto de lentes, alvos e percursos dos feixes concentrados emitidos
pelas junções de semicondutores, não absorveriam as vibrações, além de que, por definição de ótica, eram perfeitamente insensíveis às interferencias eletromagnéticas.
Propus à administração do metropolitano uma
comparticipação na blindagem dos aparelhos sensíveis às interferências
eletromagnéticas e dei o meu parecer de que as vibrações mecânicas não
justificavam nenhuma intervenção.
Alberico não deu andamento à proposta de comparticipação e
tive de acalmar a investigadora da ressonância magnética que já tinha
encomendado a blindagem.
Os outros investigadores resolveram a questão de uma forma
mais prosaica, mudando os seus laboratórios para o outro lado do IST.
Todos, menos o laboratório dos lasers intensos.
Uns meses depois fui surpreendido pela assinatura de um
protocolo, sem que nada me tivesse sido perguntado, entre a administração do
metro e o IST, em que o metro pagava o projeto e a construção de um edifício
para o laboratório de lasers no campus do IST de Oeiras até a um montante de
650.000 euros, esquecendo todos os outros.
Alberico, apesar de engenheiro, não se interessava muito
pelos pormenores técnicos dos problemas, muito menos pelos valores admissíveis
das interferências eletromagnéticas ou de vibrações mecânicas, preferindo
deixar-se levar pela fé em caixas negras que não se sabe como funcionam, a
apoiar os técnicos que tentavam estudar as questões em profundidade e a
fundamentar o seu trabalho em dados resultantes de medições.
Felizmente para a contabilidade do metro, a inércia
estrutural que nos atinge em demasiadas áreas impediu que o projeto do novo
laboratório se realizasse, que não por causas imputáveis ao metro.
Por meu lado, consegui depois uma pequena verba para apoio
da investigadora da ressonância magnética.
O laboratório de lasers lá continua, no mesmo local, numa
cave na esquina da Sidónio Pais para a Alves Redol, insensível às trepidações
dos camiões que descarregam as botijas de butano à superfície, e do
metropolitano que passa, a 18
metros , no subterrâneo.
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