A história é simples de se contar.
O governo anterior encarregou um grupo de trabalho de estudar a taxação do jogo online.
O grupo entregou o seu relatório com propostas quando o governo foi substituido.
O novo governo nomeou outro grupo de trabalho para estudar o assunto.
O novo grupo entregou o seu relatório com propostas pouco tempo depois.
Apesar do numero de governantes ter vindo a aumentar, não foi possível encontrar no seu seio nenhum governante que percebesse as propostas ou que, no pressuposto de que as tivesse entendido e que dispusesse de independencia relativamente a grupos de interesses, pudesse tomar decisões.
Chegou-se assim à preparação do orçamento de Estado para 2014 sem que o governo decidisse.
A propaganda do governo apressou-se a dizer que ia incluir no orçamento uma medida que pouparia 20 milhões de euros aos cortes das pensões e salários através da taxação do jogo online.
Passados uns dias, a mesma propaganda, com os tiques de sobranceria, pesporrencia e complexo de superioridade que assistem aos que estão seguros do seu poder, informava os cidadãos e cidadãs que o assunto era demasiado grave para ser decidido assim à pressa.
Permanecem assim por taxar os fluxos de dinheiro que circulam pela internet em atividades de casino.
Na verdade, os 20 milhões de euros não iriam aliviar os prejuizos dos reformados, funcionários públicos e restantes cidadãos e cidadãs.
Mas como diz Medina Carreira, ajudaria a dar autoridade moral ao governo para fazer alguns cortes.
Assim não, assim dá indícios de que não compreende ou não consegue dominar o assunto, e eu gostaria de retirar esta acusação de incompetencia se em tempo curto a taxação for aprovada, para que não seja só do lado da despesa que se tente o reequilibrio.
E serão apenas 20 milhões o que se poderá cobrar?
A questão está, quanto a mim, na zona do muito grave, não apenas pelo alheamento do governo e pela desigualdade de tratamento dos impostos aplicados aos rendimentos de trabalho e aos rendimentos do capital, mas porque a atividade jogo online está ocupando cada vez mais pessoas, incluindo jovens, com todas as consequencias negativas de uma atividade aditiva, e estendendo-se ao jogo em bolsas internacionais e da variação cambial.
Através de alguns sites na internet, é possivel com o cartão de crédito ou com os meios de pagamento da Western Union, PayPal e outros que tais, jogar em bolsas internacionais segundo as regras que se pensaria terem-se tornado ilegais dada a sua responsabilidade no estoiro de 2008, isto é, em derivados futuros, a pessoa não compra um ativo, joga em cotações futuras e eventualmente receberá um prémio da corretora se tiver tido sorte na aposta. O mesmo para as apostas nos pares de cotações de moedas. Uma espécie de swaps ao alcance de um clique, com informações em letras miudinhas que a rentabilidade não é garantida e que jogar em derivados é perigoso (quanto maior o aviso de perigo maior a tentação de apostar).
Todos os sites das corretoras são legais, e indicam que foram homologados pelos respetivos bancoscentrais ou entidades reguladoras ("reguladoras", que palavra tão doce para os neo-liberais, o lobo de La Fontaine não desdenharia utilizar o termo quando pedisse as apostas ao cordeiro do lado).
Encontrei dois sites de corretoras homologadas pelo banco central de Chipre, outra pelo banco central da Irlanda e ainda outra, com um video promocional apelativo, propagandeando uma aplicação para o smartphone com a informação da evolução dos ganhos das apostas (só ganhos?), do banco de Inglaterra.
Penso que afinal podia obter-se mais do que 20 milhões de euros se houvesse vontade politica (ou capacidade ou autonomia para tomar decisões deste tipo).
Por isso me aprece grave, muito grave, não haver taxação do jogo online.
ajudaria a moderar a sangria do fluxo de capitais que estão sendo transferidos do fator trabalho para o fator capital.
PS em 12 de janeiro de 2014 - segundo o DN de 11 de janeiro, a "regulação do mercado de apostas on line estará concluida provavelmente nospróximos meses", terá dito o senhor primeiro ministro ao senhorpresidente da federação portuguesa de futebol.
Esperando que a "regulação"(não sabem mesmo falar de outra maneira?) ou taxação não se limite apenas às apostas desportivas, mas também ao poker on line, às apostas na variação cambial de pares de moedas e às apostas ou derivados futuros na cotação das ações em bolsas internacionais.
Segundo a mesma noticia, haverá 200.000 portugueses e portuguesas registados em sites de apostas. Se cada um jogar 2 vezes por semana com uma movimentação média de dinheiro de 100 euros, teremos uma movimentação total anual de 2 mil milhões de euros. Uma taxa de 15% daria uma receita fiscal de 300 milhões de euros. Admitindo fugas ou desistencias de 20% teriamos 240 milhões de euros por ano de receita fiscal.
Compreende-se assim as afirmações do presidente da federação de futebol em dezembro de 2013:"andamos a discutir 200 ou 300 milhões de euros a tirar aos pensionistas e não taxamos uma atividade económica que existe e a que fechamos os olhos".
E não contabilizo na estimativa o dinheiro que circula nos sites de corretoras de apostas na variação cambial de pares de moedas e de derivados futuros.
Nem nas vendas porta a porta pela internet, livros e DVDs pela Amazon, por exemplo.
Deviam ter vergonha, os senhores da propaganda oficial, quando dizem que não há dinheiro.
Aguardemos então para ver quantos meses próximos serão necessários para passar do provável para o real, ou se estaremos perante um caso de promiscuidade entre os interesses instalados e as votações da maioria parlamentar que retirou a taxação do jogo on line do orçamento de estado de 2014.
PS em 14 de janeiro - o colaborador do dinheiro vivo, prof.Ricardo Reis, dia 11 faz uma análise muito interessante: que a taxação das drogas leves poderia render 88 milhões de euros. Interessante porque já se identificou muita coisa do lado da receita que poderia poupar os pensionistas. A propósito, qual será a taxa aplicável aos 75 milhões de euros que o Benfica recebeu por 3 transferencias? Ah, é verdade, a divida de IRS de um dos acusados da fraude do BPN é de 12 milhões de euros, já da a, sendo cobrada, para pagar os complementos de reforma dos reformados do metropolitano de Lisboa, embora o senhor doutor Medina Carreira possa achar que não resolveria por não ser uma reforma estrutural. Mas podia ser que a vergonha do perdão de parte do pagamento da contribuição pelos operadores de televisão por subscrição (que amigos que são, os operadores e os reguladores) pudesse ser corrigida de forma estrutural, rendendo cerca de 11 milhões de euros por ano, se em vez de 1,75 euros por subscrição, conforme o plano generoso de transição entre 2014 e 2019, fossem aos 2 ou 3.
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