quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Carta enviada à CEIOPH a propósito da cimeira hispano-portuguesa de Trujillo em 28out2021

 

Caro Deputado Hugo Costa

Caros Deputados da CEIOPH

 

 

Tomámos conhecimento com satisfação da realização do fórum parlamentar hispano-português em 4 de outubro.

Os temas tratados vêm ao encontro das preocupações de muitos de nós e a tomada de medidas concretas e não contemporizadoras é indispensável para o crescimento económico e o bem estar dos cidadãos.

 

No domínio das interligações ferroviárias com a Europa vimos novamente (foi-nos concedida uma audiência em abril de 2021), agora no contexto da próxima cimeira de 28 de outubro, solicitar os esforços da CEIOPH  no sentido da alteração da estratégia de exclusividade da bitola ibérica e promoção do cumprimento dos objetivos da rede única europeia TEN-T conforme expresso nos regulamentos 1315 e 1316/2013 segundo os padrões totais da interoperabilidade, que envolvem, entre outros, a bitola e o ERTMS.

 

Tais objetivos obrigam a uma intensa coordenação com os nossos vizinhos espanhóis e a uma posição firme nas negociações para que Espanha não constitua um obstáculo às trocas comerciais com o resto da Europa, imperativo partilhado com as interligações energéticas de eletricidade e gás, e na gestão da água.

 

Como justificação da nossa pretensão enumeramos:

  1. A natureza vinculativa dos regulamentos da UE, isto é, são lei. Embora o ECA (Court of European Auditors, o Tribunal de Contas Europeu) sublinhe a competência dos Estados Membros em definir as datas de execução, não deixa de referir que os regulamentos são linhas de orientação vinculativas. Verificando-se contemporização por parte da CE, da DG MOVE e do próprio coordenador do corredor atlântico, o qual reconhece com displicência que em 2030 Portugal e parte significativa de Espanha não estarão ligados em bitola UIC ao resto da Europa, cabe-nos denunciar esta situação ilegal que não pode ser ultrapassada com lisura apenas alterando a letra no processo de revisão dos regulamentos.                                                                                                                                                   

 Não se contesta a maior parte das meritórias ações em curso de recuperação da rede e do material circulante existentes, mas não podemos aceitar a obstrução por omissão, quer em Portugal quer em Espanha, à introdução da bitola UIC e do ERTMS no corredor atlântico, que permitiriam aumentar as exportações.     
Compreendemos a estratégia concertada pela IP com os operadores privados de transporte de mercadorias (cuja competência não se põe em causa) e defendida pela IP nos agrupamentos europeus de interesse económico AVEP (Alta velocidade Espanha Portugal) e RFC4 (corredor atlântico anterior ao regulamento 1315) de que fazem também parte a ADIF, a SNCF e a DB.

Os constrangimentos financeiros convidam a adiar os investimentos e paliativos como travessas polivalentes ou eixos variáveis ajudam a esconder o problema, mas o objetivo 2030 é uma lei da UE que deve ser cumprida, beneficiando do financiamento comunitário e, se necessário, da aplicação da regra vinculativa da subsidiariedade quando localmente não há recursos ou capacidade para a execução.

  1. As exportações portuguesas por todos os modos para a Europa além Pirineus ultrapassam já, segundo as estatísticas do INE, o valor das exportações para Espanha (o facto de em tonelagem isso não acontecer mostra que os produtos para Espanha têm menor valor acrescentado).   

 O valor das exportações por todos os modos para a União Europeia em 2020  (em milhões de euros: 15,3 com origem na região norte, 8 na região centro, 13,3 na região sul) justifica a proposta dos dois corredores norte e sul do corredor atlântico , juntamente com o imperativo do regulamento 1316 de transferência do modo rodoviário de mais de 300 km para o modo ferroviário. Para este objetivo considera-se essencial, a exemplo de Espanha, promover o transporte de camiões ou de semirreboques em vagões de caminho de ferro.

O porto de Sines, se ligado à Europa segundo os padrões da interoperabilidade poderá também desempenhar um papel importante no crescimento da economia nacional, considerando as perspetivas de industrialização da região e que a viagem de barco até Hamburgo, Roterdão ou Antuérpia pode ultrapassar dois dias enquanto uma ligação ferroviária a Mannheim, segundo aqueles padrões, poderá ser cerca de um dia e meio.       

Recordamos o projeto Poceirão-Caia em bitola UIC cujo valor negociado foi inferior a 1500 milhões de euros e com garantia de um financiamento comunitário de 60% . A aquisição pelo Estado dos direitos do projeto de execução do consórcio ELOS para a ligação Poceirão-Caia, em vez do pagamento da indemnização por anulação do contrato, poderia ser um momento decisivo no arranque de uma nova política, conducente à viabilização numa primeira fase da ligação em alta velocidade Pinhal Novo-Madrid e de mercadorias Sines/Setúbal-Madrid em bitola UIC e ERTMS .

  1. A construção de linhas novas, em que a diferença de custos de instalar bitola ibérica ou bitola UIC é irrelevante, permite, por redução das pendentes e das curvas, ganhos energéticos e redução de emissões de gases com efeito de estufa significativos, como aliás estudos da IP confirmam, bem como uma superior competitividade tanto no transporte de passageiros como de mercadorias.                                                                                                           

Compreende-se a atribuição por Espanha de um menor grau de prioridade em garantir um percurso em bitola UIC para os comboios de passageiros ou de mercadorias de Portugal para a Europa (ou de garantir uma ligação ferroviária Lisboa-Madrid competitiva com o avião) dado que Portugal não oferece continuidade dessas linhas em bitola UIC no território português. Esta razão e a necessidade em Espanha de priorizar investimentos  gerou o interesse em investir primeiro no corredor mediterrânico e no Y basco (este integrado no atlântico). No entanto, por razões de coesão nacional nenhuma região de Espanha será marginalizada, prevendo-se posteriormente a extensão da rede de bitola UIC a todas as regiões de Espanha. É assim inaceitável a manutenção da natureza periférica da ferrovia nacional, por mais cordatas, mas contemporizadoras, que possam ser as declarações da comissária europeia dos transportes ou do coordenador do corredor atlântico em eventos como os do 2021 Year of the Rail. 

 

Ainda contra o argumento por demais utilizado de que Espanha nada faz para melhorar a sua ligação em UIC ao resto da Europa, permitimo-nos enviar duas ligações em que se pode ver o entusiasmo e a mobilização com que é tratado o desenvolvimento do corredor mediterrânico, em contraste com o atlântico:

 

https://youtu.be/-LeTLs9T7hQ 

https://elcorredormediterraneo.com/estado-de-las-obras/   

 

Recordamos ainda os pareceres críticos do ECA sobre a ineficiência da Comissão Europeia nos trabalhos de implementação da rede única europeia ferroviária nos relatórios de 2016 e de 2020 (ver neste último a página 8 com o mapa das redes TEN-T incluindo o corredor atlântico a amarelo, e a página 19 relativa à Península Ibérica):

 

https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/SR16_08/SR_RAIL_FREIGHT_PT.pdf 

https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/SR20_10/SR_Transport_Flagship_Infrastructures_EN.pdf 



Caso os deputados da CEIOPH queiram aprofundar ou encarregar assessores de o fazer, poderão encontrar mais informação em:

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweviVamDcu4_uspt3j?e=BdjXbe

 

 

V.Exas perdoarão a assertividade do que afirmamos, mas a estratégia seguida pelo XXII Governo não serve o interesse público e compromete, dado o prazo longo de execução de grandes investimentos, o cumprimento dos objetivos dos regulamentos 1315 e 1316 de integração na rede única europeia e de redução das emissões de gases com efeito de estufa.  

A construção dos 2 ramos nacionais/internacionais do Corredor Atlântico (Aveiro-Salamanca e Sines/Lisboa-Badajoz) é urgente, dada a melhoria tanto da nossa competitividade externa daí resultante como da acessibilidade internacional que é um dos fatores essenciais para a atração de investimento industrial internacional e de fixação e crescimento económico.        


A Assembleia da República, com competências definidas na Constituição no ordenamento do território e na apreciação da construção da União Europeia, constitui assim, através da CEIOPH, uma esperança de mudança favorável ao crescimento económico.



Estamos ao vosso dispor para esclarecimentos adicionais

 

Lisboa 20 de outubro de 2021

 

 

Arménio Matias     engenheiro. ex presidente da CP

Eugénio Sequeira   engenheiro, ex presidente da Liga de Proteção da Natureza

Fernando Mendes  engenheiro, empresário

Fernando Santos e Silva  engenheiro, ex técnico do metropolitano de Lisboa

Henrique Neto   empresário

Luis Cabral da Silva engenheiro, ex técnico da REFER

Manuel Ferreira dos Santos  engenheiro

Mario Lopes   engenheiro, professor universitário do IST

Mario Ribeiro   engenheiro, ex técnico da TAP

Rui Rodrigues   consultor de transportes

 

 

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Enquanto a obra da linha circular prossegue, alguns aspetos jurídicos

Extratos de uma correspondencia em que se fala do que fazer enquanto a obra da linha circular avança, incluindo um relato dos procedimentos que o governo e o metro utilizaram. 

I )
Caros amigo(a)s
Junto o parecer que enviei à APA no ambito da consulta pública do RECAPE (relatório de conformidade ambiental do projeto de execução) do lote 2 (construção dos toscos da estação de Santos inclusivé ao Cais do Sodré). https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/12/parecer-sobre-o-recape-relatorio-de.html.
A consulta termina em 3 de janeiro de 2022 e pelos vistos até agora teve 1 participação, a minha, logo 100% dos participantes até agora são contra, só que a resposta que vai ter é "está fora do âmbito do RECAPE".
Gostaria ainda de saber a vossa opinião sobre a hipótese de um referendo local , previsto no art 240 da CRP mas com uma lei orgânica 4/2000 que pode ter uma interpretação limitativa apesar do art 235 da CRP ser claro ao dizer que o poder local é para defender os interesses dos seus habitantes. No caso da freguesia do Lumiar, seria necessário que pelo menos 19.600 eleitores votassem e que houvesse 9.801 votos sim. No caso da iniciativa ser da CML, seriam precisos 238.400 votantes e 119.201 votos sim. Difícil...
Sugestão para o referendo local: 

1 – concorda com a proibição definitiva da construção de dois novos viadutos junto da estação de metro de Campo Grande e da ampliação de 16m para nascente dos cais sul ? 

2 - se for construído o troço Rato-Cais do Sodré concorda com a exploração em laço da linha Odivelas-Cais do Sodré-Telheiras? 

3 – concorda com a suspensão da construção da linha circular conforme a lei 2/2020 de 2020-03-31 e lançamento de um concurso  público internacional para elaboração do plano de mobilidade da AML, com prazo de execução de um ano, e do qual dependerá a construção das futuras linhas?  

Votos de saúde e bom Ano Novo
2)
Caro Engro
Remeti agora ao meu colega do departamento do contencioso do Estado o documento que se encontra anexo à mensagem que me enviou (parecer sobre o RECAPE do lote 2). 
Quanto à proposta que faz, sem querer decepcioná-lo eu penso que não se deve promover mais nada porque aquilo que a lei prevê já foi feito:
  1. assinadas as petições públicas a AR manifestou-se por duas vezes, sendo que uma delas com força de lei.
  2. a Assembleia da CML manifestou-se também por duas vezes a última das quais em Novembro último
  3. foi instaurado processo administrativo com vista à instauração de Acção pelo departamento do contencioso do Estado.
  4. Ou seja em termos de intervenção pública foi feito tudo o que havia para fazer, o que se fizesse depois disto nunca teria a mesma força pública e legal, sob pena de se banalizar a contestação com isso se reforçando a posição do partido do governo.
  5. Não quero dizer com isto que se abandone a contestação, entendo apenas que agora cabe-nos fazer pressão sobre quem tem que promover a ação - a AML e o MP
  6. Por isso convém pressionar o presidente Carlos Moedas. Aliás ele nem sairá bem na fotografia se não fizer cumprir o decidido pela Assembleia da câmara e porque com este governo não existe lugar para conversações, só uma acção terá força para travar o que  está em curso.
  7.   
Com os melhores cumprimentos e votos de um Feliz Ano novo


3)
Cara Doutora
Creio que pode ter razão, como aliás a sua formação e experiência jurídica o justificam.  Concordo inteiramente que é um caso de Ministério Público, mas terão disponibilidade ou sensibilidade para dar andamento em tempo útil?  
É que em termos formais o procedimento do governo, da câmara Medina e do metro está conforme, formalmente correto. 
A senhora então secretária de Estado dos Transportes emite um despacho em setembro de 2009, depois de uma passagem pela FERCONSULT e em sintonia com a administração e direção de coordenação do metro (formando um grupo coeso em sintonia também com a corrente dominante na altura no PS) e sai da sala de desenho da FERCONSULT o mapa de expansão da rede de metro de 2009 que é apresentado como o plano de expansão do metro 2010-2020 e levado às câmaras adjacentes a Lisboa como peça fundamental da campanha para as autárquicas de então. O mapa tem erros de palmatória, que bastava terem perguntado aos técnicos do metro que trabalhavam em manutenção, na operação ou nos estudos para perceberem (excesso  de bifurcações ainda na malha urbana numa ótica de serviço de bairros intramuros, novas estações nos troços mais longos como Roma-Areeiro e T.Paço-S.Apolónia encarecendo a operação, paralelismo de linhas a 300m, e a famosa linha circular circunscrita ao centro abusando de declives elevados e curvas de raio pequeno geradores de desgaste rápido). 
As câmaras gostaram de ver os ramais prometidos e a de Lisboa contratou o gabinete de engenharia do Porto, a Trenmó, que recomendou a linha circular (sem fazer ideia da complexidade dos terrenos da Estrela e da Av.24 de julho).
A crise que já vinha de 2007/2008 não deixa avançar e o governo de 2011-2015 parou os investimentos. Bem cedo em 2016 o secretário de Estado Adjunto do ministério do Ambiente, oriundo, como eles gostam de se autodesignar, da região estrela e da universidade do Minho,  repristinou o mapa de 2009 e pediu à sua colega (tambem da região estrela e da universidade do Minho) administradora do metro que promovesse a escolha da prioridade para poucos quilómetros e para mostrar algum  serviço do jovem governo. Os técnicos do metro propuseram uma série de alternativas para comparar com as do mapa de 2009, o que faz parte das boas regras da profissão, mas a senhora administradora  mandou fazer o concurso para escolha de consultores para fazerem o estudo de viabilidade e de tráfego comparando a linha circular com o prolongamento de S.Sebastião a Campo de Ourique. Justificação do senhor ministro do Ambiente (que por acaso também vem do Porto, onde ganhou experiência em transportes, mas não no modo ferroviário metropolitano), só havia dinheiro para 2 km. 
Entregue o estudo da VTM (o tal sistematicamente pedido e de divulgação sistematicamente recusada, e que terá ficado por um valor anormalmente baixo, 50 mil euros o que, a não ser verdade, facilmente poderá ser demonstrado pelo metro através das suas contas), seguiu para estudo de impacto ambiental, o qual divulgado em julho rapidamente patenteou incorreções e falsidades, desde o aumento da frequencia por ser circular a linha, a necessidade de 2 transbordos para  ir na linha atual de C.Sodré para Saldanha (basta 1) até à convergencia com o PROTAML (mentira redonda, o PROTAML tinha o prolongamento para Alcantara Mar,  não tinha circular interna nenhuma, tal como o PDM e o PAMUS de Lisboa não tinham, até fins de 2016, qualquer linha circular interna, ao contrário do que dizia o senhor presidente Medina, também oriundo do Porto). 
Ora, o EIA não foi corrigido, manteve as incorreções e falsidades, tal como a DIA e o TUA. E quando vem o RECAPE,  a APA tem esta saída, os fatores negativos estão "fora do âmbito do RECAPE", logo aprova-se.
Em resumo, cozinha-se um mapa de expansão para exibir numas autárquicas, encomenda-se a uns consultores uma comparação prédefinida e desequilibrada i.é enviesada, encomenda-se um EIA com erros e deficiências, faz-se uma consulta pública em que o que não convem se põe fora do RECAPE  por postulado e rasgam-se as vestes quando se diz publicamente que a competencia do governo não é decidir traçados, é a Assembleia da Republica que decide, e obtêm-se finalmente vistos do TdC para começar a obra. 
O lote 1 já vai significativamente adiantado, o lote 3 (viadutos) está em consignação (mas então a CML autoriza a instalação do estaleiro? isso contraria a moção 40/2021 aprovada na reunião da Câmara de 17nov2021!) e o lote 2 já tem um RECAPE  bem encaminhado, com os documentos da consulta pública apresentados de uma maneira que só deveria poder envergonhar quem os apresenta daquela maneira, sem índice descritivo.
Perante este histórico, formalmente correto mas manipulador e enganador, concordo que só a Câmara de Lisboa, com base nas resoluções aprovadas, poderá atenuar os prejuízos insistindo na linha em laço, mas parece que a consignação e os estaleiros estáo a avançar.
Os referendos, pela junta do Lumiar ou pela CML são de dificil implementação e dificilmente reuniriam os participantes necessários (cerca de 240 mil participantes exigindo 120 mil votos para a iniciativa pela câmara, e 20 mil participantes exigindo 10 mil votos) alem de que juridicamente diriam que não está nas competencias dos orgãos locais (pese embora a CRP defender os direitos de intervenção e defesa dos orgãos e cidadãos locais).
Quanto à AML, encontrando-se no seguimento das últimas autárquicas nas mãos do partido do governo, estando aparentemente adormecidas as competencias  das CCDR, e presidindo à AMT (autoridade de mobilidade e transportes) a mesma senhora que desencadeou o processo em 2009, não parece possível esperar algo de positivo.
Quanto ao MP, que mais poderemos fazer?
Quanto à CML, talvez insistir junto do presidente Moedas sobre a promessa eleitoral-linha em laço, mas o estaleiro está na calha.
Enfim, espero que para além disto tudo tenham saúde e um bom Ano Novo

4)
Por sugestão de outro correspondente, a realizar-se, o referendo local seria reduzido a duas perguntas:

1 – concorda com a proibição definitiva da construção de dois novos viadutos junto da estação de metro de Campo Grande e da ampliação de 16m para nascente dos cais sul ? 

2 - Se for construído o troço Rato-Cais do Sodré, concorda que a exploração mantenha a continuidade das linhas de Odivelas e de Telheiras, sem obrigar os passageiros a fazer transbordo no Campo Grande?


Nota:
moções aprovadas pelas Câmaras Municipais  de Lisboa :
e de Odivelas:
assinatura do auto de consignação do lote 3 em 23dez2021:
moção nº2 aprovada pela junta de freguesia do Lumiar para conversão de circular em laço:

Um caso de geoestratégia político-militar

 Chamou-me a atenção e causou-me alguma surpresa dado o alinhamento explícito com a política norte-americana o editorial do Público de 27 de dezembro de 2021

https://www.publico.pt/2021/12/27/opiniao/editorial/nao-olhem-cima-1989948

Por isso enviei ao seu autor o seguinte comentário:



Caro David Pontes

Não sou especialista de geoestratégia político-militar nem tenho de dar conselhos a ninguém, mas como tenho há alguns anos muitos cabelos brancos venho transmitir-lhe a minha surpresa pelo editorial de dia 27 de dezembro.

Se bem percebi a referência ao “Não olhem para cima”, não são só as alterações climáticas que nos ameaçam e não queremos ver, é também a ameaça da guerra enquanto conflito armado que não nos deixará espaço para olhar para cima. Esperemos que não, que não seja preciso um Robert Duvall e seus heróis companheiros virem salvar-nos, como noutro filme americano “Deep Impact”, agora que a NASA está a tratar do assunto.

Dirá que nos compete a nós também, não só à NASA  ou ao Robert Duvall, evitar o cometa, perdão, o conflito armado, e olhar bem para cima.

A alternativa que propõe para evitar isso será outro tipo de guerra, “como o melhor caminho continua a ser o da paz, é nas sanções económicas e no apoio à Ucrânia que a Europa deve ir à guerra”.

Sanções económicas? Que vão agravar as condições socio-económicas dos mais fracos enquanto outros se unem em torno do chefe, não esquecer que a Russia detém recursos e tecnologia que lhe dão elevado grau de autonomia. Recorda-se daquele senhor professor catedrático que declarou que a Rússia não tinha capacidade tecnológica para enviar satélites para o espaço, na precisa véspera do lançamento com êxito do Sputnik? Ou do apresamento da traineira russa de espionagem que tinha microprocessadores 8085 no próprio ano do lançamento deste? Ou, logo a seguir  à implosão da URSS, do apressado contrato de transferência da tecnologia dos motores de foguetão RD-180 da russa Energomash para a Lockheed Martin fornecedora da NASA? Ou que por esse tempo, já voavam aviões Tupolev alimentados por hidrogénio? Ou que a Toyota plagiou nos seus híbridos o admirável conversor epicicloidal de binário PSD (power split device) que tinha sido desenvolvido por uma empresa russa, tendo os tribunais alemães aspergido o caso com água benta?

Não estou a evocar com nostalgia nenhuma ideologia, a musica de Tchaikowsky, de Rachmaninoff ou de Chostakovitch é boa independentemente do que pensava cada um deles, estou a mostrar respeito pela criatividade e capacidade tecnológica de um povo e a dizer que o melhor caminho não são as sanções mas o reforço do intercâmbio e dos diversos contactos. Até Salazar apoiava as exportações de cortiça para a URSS e Freitas do Amaral, noutro contexto, pregava os torneios sem boicotes de futebol, como deviam ser os jogos olímpicos respeitando a ideia original.

Vem a propósito citar uma notícia recente numa revista técnica de comboios, os operadores ferroviários da Austria, da Hungria e da Rússia assinaram um contrato de cooperação, em complemento da nova rota da seda, para o desenvolvimento do transporte de mercadorias  entre a China, a Rússia e os Balcãs e o resto da Europa.   https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/12/cooperacao-versus-competicao.html

Os técnicos entendem-se melhor do que os políticos e, em homenagem a David Ricardo, preocupam-se que os vagões regressem também cheios (que diria David Ricardo do boicote do Nordstream 2,  numa altura em que os preços sobem por escassez de gás natural e que de Washington soam alarmes, ai de quem não nos comprar gás , de xisto …?).

A minha surpresa resulta ainda de ver neste editorial um alinhamento com as razões do “protetor americano” e uma resignação com o regresso da lógica dos blocos.

Peço-lhe que considere o art.7º.2) da Constituição da República, a nossa, não a dos USA, “Portugal preconiza … a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletivo … “   Objetivo ambicioso, que ingenuamente eu penso que deveria ter sido abraçado pela comunicação social e não parece ter sido.

E que, para avaliar como ficamos na fotografia sob o manto protetor do tio Sam e dos seus parceiros na guerra aos infiéis do Iraque (relembro Carne Ross, deve conhecer), nada como a releitura das Crónicas de Inglaterra, de Eça de Queiroz, com o seu cortejo de bombardeamentos de Alexandria e do Afeganistão, muitos anos antes da promiscuidade entre a CIA e Pinochet, ou da remansosa rotina em horário de expediente, no Wisconsin, numa sala de comando remoto  de drones mortíferos em zonas rurais do Afeganistão, com danos eufemisticamente colaterais (estado terrorista são sempre os outros, nós não, nunca, repitamos muitas vezes); ou a releitura de Amin Maalouf nas “Cruzadas vistas pelos olhos dos outros”.

Anos e anos que nos fazem a cabeça desde criancinhas, “a eles, a eles, por S.Jorge, guerra aos infiéis” (S.Jorge, personagem lendária, sem testemunhos históricos coevos, com origem em lendas do tempo e locais das cruzadas, como Humberto Eco, na sua “História das terras e lugares lendários” desalentadamente desabafa que continuamos como há milénios atrás de ilusões).

Vai ter de continuar a ser assim?

Sinceramente, com amigos e parceiros destes, para que precisamos de inimigos russos e chineses? (atenção que nem de perto nem de longe estou a silenciar os crimes de Estaline, os oligopólios de Putin  ou as falhas de direitos humanos na China de hoje, nem tampouco insinuar que devemos sair da UE, nem pensar nisso).

 

Com votos de saúde, e esperança de maior espírito de conciliação, envio os melhores cumprimentos

 

Fernando Santos e Silva


segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Parecer sobre o RECAPE (relatório de conformidade ambiental do projeto de execução) do lote 2 - Construção dos toscos da estação Santos (inclusivé, a Cais do Sodré)

 

 https://participa.pt/pt/consulta/projeto-e-construcao-dos-toscos-lote-2-execucao-dos-toscos-entre-a-estacao-santos-e-c-sodre

RECAPE Lote 2 - parecer

O presente parecer é uma discordância e uma reclamação pelos mesmos motivos já expressos nos comentários aos RECAPE dos lotes 1 e 3 que não mereceram acolhimento pela APA. É emitido apesar de não esperar que seja considerado, no exercício do direito de liberdade  de expressão consagrado na Constituição da República, reclamando ao mesmo tempo, no exercício do direito à informação e à participação em assuntos públicos, igualmente consagrado na CRP:

- a divulgação pública dos estudos de procura e de viabilidade repetidamente citados pelo Governo e pelo Metropolitano de Lisboa como justificativos da opção pela linha circular e nunca divulgados apesar do pedido explícito da Assembleia Municipal (recomendação 122/04 de novembro de 2020)

- a correção pública dos erros do EIA, sobre o qual se baseia a DIA, o TUA e o RECAPE, com as subsequentes inconsistências, nomeadamente:

- a incompatibilidade clara do plano de 2009 e traçado da linha circular com as diretrizes do PROTAML de 2002 que previam o prolongamento da linha amarela para Alcântara, para correspondência com a linha de Cascais em Alcântara Mar (aliás, o próprio PDM  e o PAMUS em 2016 não previam a linha circular, antes o prolongamento a Alcântara)

- a interpretação abusiva, ardilosa e repetida de que basta um despacho ministerial (MOPTC, 2009-09-11) para legitimar um plano de expansão, quando um plano de mobilidade exige uma consulta pública e não apenas a apresentação de projetos de expansão para câmaras adjacentes a Lisboa sem prioridades definidas, nos termos da CRP relativos à participação dos cidadãos nos assuntos públicos. O referido plano ficou inerte até 2016 quando a Secretaria de Estado Adjunta do Ministério do Ambiente o repristinou incumbindo o metropolitano de estudar comparativamente a ligação Rato-Cais do Sodré com o prolongamento a Campo de Ourique da linha vermelha sem qualquer estudo ou consulta pública para avaliar outras prioridades (curiosamente, a estação Estrela estava integrada na linha vermelha, por razões técnicas ligadas à diminuição da sua profundidade comparativamente com a localização agora prevista). Se o argumento da suficiência de um despacho fosse válido, deveriam repristinar-se os projetos da terceira travessia do Tejo e a alta velocidade Poceirão-Caia, seus contemporâneos

- a falsidade que o aumento da frequência de comboios é assegurado pela linha circular relativamente a linhas independentes, quando os principais fatores são a disponibilidade de maquinistas, material circulante e sistema de controle de circulação

- a falsidade que são atualmente necessários dois transbordos na rede de metro para ir de Cais do Sodré para a zona do Saldanha, quando basta um, pela linha verde e correspondência em Alameda com a linha vermelha

- a omissão de que uma linha circular sem términos intermédios flexíveis, como é o caso, tem maiores dificuldades de recuperação após perturbações do que duas linhas independentes equivalentes, bem como um índice de fiabilidade inferior

- a menorização artificial do volume de passageiros da linha de Odivelas obrigados a fazer o transbordo em Campo Grande, por comparação com o volume de passageiros em Cais do Sodré que atualmente tomam o metro

- desvalorização pelo Governo, APA e Metropolitano de Lisboa das movimentações de  cidadãos que originaram as petições na AR e que se sentem prejudicados pela opção da linha circular.

 

Relativamente à expressão “fora do âmbito do RECAPE” no anterior RECAPE do lote1 relativa a fatores contrários à opção linha circular, observo que as avaliações ambientais pressupõem um conceito abrangente da engenharia ambiental que implica a consideração das outras engenharias, neste caso da engenharia dos transportes incluindo as vertentes de operação e de manutenção, porque a deslocação de elevados volumes de passageiros é um fenómeno de grande impacto ambiental. Daí os fatores negativos da linha circular relativos às dificuldades de operação e, no troço do lote 2, à agravante dos encargos de manutenção devidos às curvas de pequeno raio e ao declive elevado. Não deverão por isso ser considerados “fora do âmbito do RECAPE”; será um precedente para procedimentos abusivos e ardilosos em que basta deixar erros do EIA por corrigir para obter a validação de um projeto. Assinalo ainda neste domínio a maior pegada ecológica na construção do túnel, não referida no EIA, do método de escavação escolhido com alimentação por combustível diesel, quando comparado com o método TBM com alimentação elétrica, por maioria de razão no “âmbito do RECAPE”.

Explicito ainda que não são só as incorreções e omissões do EIA que por si só justificariam pelo menos a suspensão e uma auditoria  à decisão de avançar com a linha circular (a implementar mediante concurso público internacional para evidência dos procedimentos corretos para observância futura, não para apuramento de responsáveis), mas também porque a lei 2/2020 de 2020-03-31 da Assembleia da República expressamente o determinava (negociando evidentemente com os empreiteiros essa suspensão, embora a ignorância de uma lei não seja desculpa para ninguém). Efetivamente, o art.282 determinava que o Governo promovesse as medidas necessárias para o metropolitano suspender a construção da linha circular, para dar prioridade ao prolongamento a Alcântara  e para a elaboração do plano de mobilidade da AML. Seguiu-se a assinatura dos contratos para os 3 lotes e a obtenção dos vistos do TdC em claro desrespeito da lei, que, como o próprio nome indica, não era uma recomendação, era uma lei, por mais respeito que mereça quem disser que é uma recomendação. As verbas comunitárias previstas poderão ser aplicadas noutros investimentos (a concluir até 2023) e a renegociação dos contratos poderá passar pela transferência da adjudicação para a adaptação das estações em falta à acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida conforme o art.283 da lei 2/2020 e, como referido, na sequência de concurso público internacional para auditoria do procedimento e de outro concurso público internacional para elaboração em 12 meses do plano de mobilidade da AML (incluindo avaliação do prolongamento para Alcântara na vertente de correspondência cómoda com a linha de Cascais em viaduto).

Não parece portanto sustentável continuar a justificar a linha circular.

Especificamente sobre o lote 2 refiro:

- a documentação no site “participa” não está identificada na lista documentos pelos conteúdos dos documentos, o que dificulta o acesso (o Vol.III – Interferências e instrumentação, por exemplo, encontra-se na lista em 17º lugar em “anexos” sem qualquer designação ou referência ao seu conteúdo, tal como os outros volumes)

- a executar-se o lote2 como previsto, perde-se a oportunidade de fazer uma ligação pedonal inferior, sob a av.24 de julho, entre o lado norte da avenida, o novo átrio e a zona da margem norte do Tejo, contrariando o desígnio de facilitar o acesso dos cidadãos ao rio

- em relação ao plano de instrumentação para monitorização da estabilidade dos edifícios e terrenos, não se identificam, salvo falha minha, os meios disponíveis em permanência para intervir para estabilização dos terrenos e contenção de danos nos edifícios com injeções de betão e microestacas, sugerindo que seja aumentada pelo menos para de 2 em 2 dias a frequência de leitura dos sensores, e a colocação destes pelo menos até 100 m de distancia da escavação (o que provavelmente conduzirá à reavaliação de edifícios considerados fora da zona de influencia no quadro das medidas de mitigação do vol.III)

- embora encarecendo a obra, será possível manter a circulação dos elétricos 25 entre o largo de Santos e a rua da Boavista, eventualmente em túnel e não a céu aberto (que aliás poderia ser compatível com aquela circulação)  nem que seja em via única, pelo que sugiro a adaptação do projeto

- conviria divulgar publicamente a identificação dos edifícios cujas fundações serão recalçadas e o respetivo calendário para desocupação temporária

- sugiro a indicação da altura mínima de 2 m das tomadas de ar e grelhas de extração dos ventiladores principais de estação e de meio troço, para além dos referidos no RECAPE níveis máximos de ruído (55 dB), medida de natureza especificamente ambiental.

 

Leituras adicionais :

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2018/01/ultima-tentativa-ultima-chamada-da.html

 

 

 


sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Cooperação versus competição

 

Os políticos, por mais puras que estejam as suas mãos, podiam aprender com os técnicos, mesmo sem estudar David Ricardo e as vantagens mútuas nas trocas comerciais, a entenderem-se, em vez de ameaçar com sanções e manobras militares que só prejudicam as pessoas, seja qual for a sua nacionalidade.



CER Cargo Holding of Hungary, ÖBB Rail Cargo Group of Austria and RZD Logistics of Russia established a trilateral joint venture on December 14 to provide ‘competitive and reliable’ freight services between China, the CIS, southern Europe and the Balkans. CEO of Rail Cargo Group Clemens Först said ‘we will transform the route via Ukraine and Hungary into a second, major axis leading to new capacity, fast transport times and efficient onward distribution in Europe.’

(créditos: Railway Gazette)

Ainda a carta ao Diretor de 18dez2021 sobre a alegada ilegalidade da construção da linha circular do metro

 Ainda a carta sobre a alegada ilegalidade da linha circular do metro

Dos dicionários: ilegal - o que contraria as disposições da lei

Art.282 da lei 2/2020 de 2020-03-31: 1 - O Governo promove, durante o ano de 2020, as medidas necessárias junto da empresa Metropolitano de Lisboa, E. P. E., para suspender o processo de construção da Linha Circular entre o Cais Sodré e o Campo Grande, devendo ser dada prioridade à expansão da rede de metropolitano até Loures, bem como para Alcântara e a zona ocidental de Lisboa.

No seguimento desta lei,  o metro adjudicou o contrato do 1ºlote em 2020-05-06 e obteve o visto do TdC em 2020-06-20 .

A Presidência da República não pediu ao TC a verificação da constitucionalidade daquele artigo da lei por considerar ser uma mera recomendação.

Dos dicionários: mero - legítimo; recomendação - advertência, aviso, conselho .

Art.165.1 da CRP:  É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre … z) bases do ordenamento do território e do urbanismo   (Nota: a linha circular contraria o PROTAML)

Art.162.a : Compete à AR no exercício das funções de fiscalização vigiar pelo cumprimento da CRP e das leis e apreciar os actos do Governo  e da Administração

Nota final: compete aos cidadãos ajuizar da ilegalidade ou não da construção da linha circular.


Cartas ao Diretor relacionadas

https://ereader.publico.pt/article/281642488484737 

https://ereader.publico.pt/article/281603833788296