O anjo ancorado, novela de 1958 de José Cardoso Pires.
É um dos primeiros livros do escritor e não é muito falado no meio literário.
Como não sou grande leitor nem conhecedor de literatura, não devia comentar o Anjo ancorado.
Mas faço-o porque a leitura me impressionou e os leitores, mesmo ignorantes como eu, devem exprimir o que sentiram ao ler um livro.
E o que me pareceu é que, escondido numa história de um dia só, está o retrato da impotencia nacional. Porque os principais atores representam a classe intelectual e possidente como habitualmente se manifesta em Portugal.
Neste caso numa reunião numa casa da Parede, com intelectuais mais ou menos fúteis, mais ou menos analistas da realidade politica, com muito pouca humildade, incapazes de reconhecerem as próprias limitações e de procurar pistas para resoluçáo das questões.
O retrato da pobreza do meio intelectual e plutocrático do país.
Depois é uma deslocação num desportivo caro a uma povoação costeira, para uma tarde de pesca submarina, enquanto a heroina, jovem intelectual convencida (sabe-se lá quem José Cardoso Pires estaria a retratar), aguarda a execução de uma renda de bilros que encomendou a uma das representantes das classes menos favorecidas da terra que juntava uns dinheiritos a vender a sua arte aos turistas.
Mais de 50 anos depois desta novela, olhando os senhores politicos decisores e os seus parceiros banqueiros e advogados, que já perceberam que por mais que os juizes aticem os mercados eles agora não se enervam e já é mais barato pedir emprestado aos mercados de que aceitar a ultima fatia do empréstimo da troika (vão continuar a ameaçar os meninos que se portam mal com os mercados, quando os mercados seguem o seu caminho internacional sem ligar aos nossos pormenores?), a querela bizantina da luta pelo poder no maior partido da oposição enquanto os turcos destroem tudo à volta de Bizancio, o afã com que se desequilibra a balança de pagamentos com a importação de automóveis e as viagens turisticas da moda, a incapacidade dos analistas nos meios de comunicação social e das personalidades de "reconhecido mérito" (reconhecido por quem?) em identificar as necessidades de investimento dos fundos comunitários (recordo um administrador do metropolitano, comissário politico do partido mais votado, ignorante do negócio, no inicio de uma reunião: "vamos lá resolver esta questão, mas não me venham com argumentos técnicos"), volto ao Anjo ancorado e tristemente avalio as pobres elites que atrofiam este país e bloqueiam as soluções.
Tão incapazes, tão convencidas, tão ciosas do seu poder, tão incultas (ou pelo menos, tendenciosas na sua cultura), tão gananciosas, tão prepotentes.
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