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A última sessão da série de debates sobre transportes e mobilidade promovida pela Assembleia Municipal de Lisboa, dedicada às soluções europeias, teve a intervenção do presidente da CML, do secretário de estado dos transportes e de vários membros da assistência.
Destaco a clareza das informações sobre as experiencias negativas das privatizações, sobre a natureza pública dos operadores das principais cidades (diretiva 1370/2007 da CE) e sobre a necessdade de um comparador público no caderno de encargos das anunciadas concessões, fornecidas por trabalhadores do metro e da Carris e por deputados municipais.
Sobre a intervenção do presidente da CML fica a sensação de que há negociações que permitirão à CML vencer o concurso da concessão ficando com a gestão da Carris-Metro, enquanto o Estado assegurará o serviço da dívida dos investimentos. O presidente da CML tem a noção de que algumas formas de financiamento da exploração poderão vir do estacionamento, da taxação das emissões poluentes e do IMI. Igualmente compreende que a situação de predominio e privilégio do transporte individual tem de se reverter.
Da parte do secretário de estado assinalo a convicção ideológica de que os privados têm uma eficiencia de gestão superior ao público e que os critérios são, em nome dos contribuintes, os de concessionar à solução mais barata mantendo a qualidade. E escrevo convicção ideológica porque qualquer entidade privada tem de privilegiar o lucro relativamente à qualidade, em condições de elevada gravidade se a atividade não tiver efeito de escala e não cumprir com a normalização internacional.
Observo que o senhor secretário de estado, e provavelmente a sua equipa de consultores mais preocupada com indicadores do tipo EBITDA do que em aprofundar conhecimentos técnicos sobre o funcionamento de metropolitanos, não terão conhecimentos técnicos suficientes para avaliarem se o concessionário pode garantir a qualidade da sua solução barata (por exemplo, se reduzir os quadros de pessoal e a poupar na manutenção e em equipamentos, até que ponto não está a comprometer a segurança).
Foi pena a organização não ter apresentado dados concretos sobre a organização dos transportes em outras cidades europeias e respetivas formas de financiamento.
Reproduzo a comunicação que enviei:
Assunto: Debater Lisboa, transportes, 24 de junho de 2014
Exmos Senhores
Não podendo participar através de comunicação oral na última
sessão, agradeço mais uma vez a oportunidade de livre expressão das ideias
sobre os transportes em Lisboa e felicito a Câmara pela iniciativa.
Depois destas 4 sessões, é desejável que se siga uma fase de
aprofundamento das conclusões e se desenvolvam os estudos e as ações de
concretização, pesem embora as ameaças de concessão e a falta de divulgação dos
respetivos modelos e da definição de cadernos de encargos com os níveis de
serviço e qualidade.
Dada a complexidade técnica e, simultaneamente, a
especificidade e a partilha transversal de disciplinas de muitas das questões,
penso ser do interesse da Câmara e dos munícipes que nessa segunda fase
participem especialistas de entidades ligadas ao tema, de que cito
universidades, a ordem dos engenheiros, associações da especialidade como a
ADFERSIT, revistas especializadas e, naturalmente, os técnicos das empresas do
setor.
Das sessões realizadas e das contribuições havidas, retenho
fundamentalmente:
1 – o planeamento de uma rede urbana de transportes é
indissociável da organização do
território e do urbanismo da área metropolitana, transcendendo os limites do
município de Lisboa, para que se tire o máximo rendimento da exploração das
linhas e se minimize o consumo energético dessa área, fornecendo condições para
o crescimento do PIB da área.
2 – a parte mais importante do financiamento, considerando a
descapitalização pública e privada do país, terá de vir da comparticipação de
fundos europeus, o que exige desde já uma cuidada elaboração dos projetos a
submeter ao quadro estratégico de 2021-2027, sem prejuízo da concretização de
outras medidas de financiamento, de que se destacam:
·
multas por estacionamento indevido
·
portagens nos acesso ao cento da cidade em
paralelo com parques “park and ride”
·
mais valias de urbanizações e imposto municipal
·
imposto extraordinário sobre os combustíveis
·
taxa do tipo do “versement” francês
3 – julgo que devem ser atentamente estudadas as posições da
comissão europeia sobre as formas de financiamento, nomeadamente através de
análises de custos-benefícios alargados à problemática da energia e ambiente, e
da análise da sua sugestão de cobertura integral das despesas pelas receitas,
com pagamento pelo utilizador, pelo poluidor ou pelos beneficiários (empresas
privadas, entidades públicas, cidadãos e beneficiários da redução das
externalidades)
4 – alerta-se para os riscos de uma decisão cega de privatização
ou concessão de empresas de transporte públicas em que existem conhecimentos
técnicos e experiencia que anulam, juntamente com a analise de empresas
homólogas estrangeiras, o argumento usado pela troika e pelo atual governo de
que uma gestão privada seria mais eficiente, sendo certo que os economistas da
troika não são especialistas de transportes.
Relativamente ao ponto 1, destaco a necessidade de medidas
contra a desertificação da cidade que contribuam para o aumento da população
dentro dos limites do município e da fixação de empresas do setor secundário, o
que naturalmente terá de passar por:
·
financiamento comunitário de ações de
reabilitação urbana (incluindo reforço estrutural e estacionamento)
desejavelmente com controle de custos, simplificação burocrática e
emparcelamento de artigos matriciais
·
benefícios fiscais para a fixação urbana e
penalizações fiscais para o seu abandono (por exemplo da deslocalização de
sedes de empresas)
·
revisão dos equipamentos e infraestruturas
sociais
Olhando a história
recente, critica-se:
·
a inexplicável omissão de uma linha de metro de
superfície no planeamento da Av.Santos e Castro de ligação da Alta de Lisboa à
rede do metro
·
o erro de não se ter feito em viaduto para linha
de metro ligeiro de ligação do aeroporto à gare do Oriente
·
a falta de um parque “park and ride” nas
Amoreiras (prioritário relativamente ao túnel rodoviário do Marquês) com
correspondência com o metro, com prolongamento deste à linha de Cascais
·
a não consideração de uma linha de metro em
viaduto integrada na urbanização das Comendadeiras (Santos o Novo)
·
a não consideração de linhas de transporte
guiado automatizado do tipo on demand na reurbanização da colina de Santana
·
a lentidão do recurso a frotas de autocarros,
táxis e veículos de serviço de tração elétrica nas zonas urbanas, incluindo
redes de aluguer de pequenos automóveis e bicicletas elétricos em modos
combinados
·
a omissão sistemática da adaptação de estações
principais do metropolitano a pessoas com mobilidade reduzida
·
a reposição de linhas de elétrico nalgumas ruas
da cidade, com limitação do transito automóvel
Relativamente ao ponto 2, como identificação do principal
obstáculo ao desenvolvimento do transporte coletivo (o estímulo do transporte
individual como complemento do conceito de urbanização suburbana, beneficiando
do menor preço das rendas de habitação, e fonte de receita fiscal, beneficiando
da elevada procura) e como sugestão de estratégia de redução dos desperdícios
energéticos, apresento em anexo cálculos de eficiência energética dos vários
modos de transporte e sugestão de estratégia de transferência de 10% de
deslocações diárias do TI para o TC, nomeadamente para a melhoria da balança de
pagamentos por economia de importação de combustíveis fósseis. Para conseguir essa
transferência, que provavelmente será imposta pela subida do preço dos
combustíveis fósseis, mas de forma lenta, é necessário compensar a penalização
do transporte individual com a oferta de alternativas de transporte coletivo e
de redes de aluguer partilhado que complementem esta oferta (exemplos de
diversidade de modos combinados de transporte em série nas deslocações
casa-emprego: automóvel privado+comboio+aluguer de automóvel elétrico ou
bicicleta elétrica).
Relativamente ao ponto 3 desejo sublinhar a importância da
análise de custos-benefícos para determinação dos beneficiários de uma rede
eficiente de transportes públicos, que não são, necessariamente, apenas os seus
utilizadores. Assim como é importante que os causadores das externalidades que afetam
os passageiros das redes que não contribuiram para elas (por exemplo, poluição
pelos combustíveis fósseis), participem de forma significativa no financiamento
das redes públicas.
As orientações europeias no sentido da cobertura integral
das despesas operacionias pelas receitas operacionais deverão ser estudadas com
cuidado, sugerindo-se a definição de um comparador internacional para um nível
admissível dessa cobertura, sem prejuízo do desenvolvimento dos esquemas de
financiamento suscetíveis de a melhorar
(embora o nível de investimentos em infraestruturas ferroviárias de transporte
urbano limite cobertura).
Relativamente ao ponto 4, apresento em anexo argumentação
contra a privatização ou concessão de um serviço público de transportes em que
ainda existe experiencia e conhecimentos, duvidando-se, com base nestes, nos
indicadores de gestão das empresas públicas e no comparador internacional das
empresas homólogas, que a melhoria hipotética da eficiencia de uma gestão
privada seja maior do que o lucro exigido pelos acionistas da gestora privada,
incluindo a exportação de royalties, dada a presença de capitais externos (isto é, não há vantagem para o Estado se o
lucro da gestão privada exceder a melhoria da eficiência privada). Duvida-se
ainda que a gestão privada contribuísse para a redução do desemprego,
subsistindo sempre o receio de que à redução dos quadros de pessoal corresponda
uma diminuição dos níveis de segurança.
Isto não quer dizer que a gestão pública esteja imune a
erros graves. O melhor exemplo é o da nomeação de comissários políticos sem
conhecimentos sobre o negócio, mas isso apenas quer dizer que se conhecem os
erros a corrigir.
Nestas condições, a privatização ou concessão só terá
interesse para a gestão privada se despojada do serviço da dívida
correspondente aos investimentos de longa duração. Isto é, para cumprir as
exigências da troika selecionam-se as componentes rentáveis que se privatizam
(manutenção, guarnecimento de pessoal) e mantem-se na esfera pública as que
geram prejuízo. Trata-se de uma aplicação da teoria do “bad bank”, mas em que,
contrariamente á teoria, o dono do “bad bank” arrisca-se a perder direitos e a
não receber benefícios da parte rentável. No fundo, trata-se de uma parceria,
equivalente às famosas PPP, em que o Estado vai pagando anualmente o serviço e
amortização da dívida dos investimentos de longa duração, enquanto o privado
“extrai” as rendas das receitas (relativamente fáceis de conseguir na
manutenção ou no guarnecimento das estações e na condução dos comboios) e das
indemnizações compensatórias por vender o passe social abaixo do preço de custo
(de forma análoga à garantia de tráfego disponível nas autoestradas).
O Estado continuaria a investir na expansão das redes,
selecionando obviamente soluções menos caras como em viaduto ou aproveitando
troços em superfície sem colisão com o tráfego rodoviário, beneficiando de fundos comunitários, e
entregando a exploração a privados.
Para o Estado, a concessão só se justificaria se recebesse
dividendos da parte do concessionário que lhe atenuasse a dívida. Esta
circunstância é remota, dado que qualquer exploração de um sistema ferroviário
urbano exige investimentos próprios (grande manutenção, renovação ou melhorias
de equipamentos ou veículos) e investimentos de longa duração para melhorar a
qualidade do serviço e estimular a procura.
Convirá recordar que a definição de concessão é o ato ou
efeito de dar ou de ceder. E que quem dá ou cede naturalmente espera ganhar
alguma coisa. No caso das concessões urbanas, o mais provável é a renda a pagar
pelo concessionário ser negativa (isto é, ser necessário subsidiar a exploração
privada por carência dos utilizadores para suportar as despesas operacionais e,
muito menos, os investimentos).
Há ainda a considerar os graves inconvenientes do ponto de
vista de gestão estratégica da área
metropolitana, de atribuição parcelar de concessões. Nos últimos anos
verificaram-se vários acidentes em áreas metropolitanas como as de Bruxelas, Viena
e Amsterdão com colisões em vias férreas entre comboios de operadores
diferentes. Igualmente a concessão a operadores diferentes do modo rodoviário e
do modo ferroviário urbanos pode conduzir à manutenção de sobreposição de
carreiras e desperdício de combustível (o objetivo deve ser o de maximizar a
taxa de ocupação do modo de transporte energeticamente mais eficiente) .
Com os
melhores cumprimentos
Anexos:
- comparação energética rodas de ferro – rodas de borracha, e
desperdício de energia por não se fazer uma transferência de 10% das
deslocações do TI para o TC ferroviário:
e
- condições de interesse nas concessões:
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