Este comentário é apenas para refletir sobre alguns aspetos destas
greves, sem pretensões de convencer ninguém.
Entre a TAP e o
metropolitano de Lisboa houve vários pontos de contacto.
Por exemplo, um dos
primeiros administradores da TAP foi depois administrador do metro.
Contava-se, que não sou
desse tempo, que os super constellation tiveram de ficar em terra porque o
controle apertado das compras efetuado pelo administrador levou a uma rutura do
stock de velas de ignição.
Contava-se depois no metro
que ele controlava as compras do papel higiénico e das esferográficas (os
consumos intermédios, como se diz agora).
Seria certamente um
excelente administrador de acordo com os padrões atuais.
Houve também casos em que
antigos ministros passaram pelas duas empresas, exibindo a sua ignorancia com
esplendor, quer nos ministérios, quer nas transportadoras.
Malefícios do predomínio dos
critérios políticos.
Evidencia do erro de não se
tomarem as decisões aberta e participadamente.
Talvez, ao longo da sua história, o mal da TAP tenha estado na sua
gestão em círculos fechados, umas vezes mais dependente da vontade dos
governos, mas sempre dependente do círculo restrito dos decisores, desprezando
as capacidades técnicas dos seus trabalhadores de todos os níveis. Recordo, por
exemplo, ainda antes da nacionalização, o pesar de alguns trabalhadores da TAP
por se desperdiçarem as potencialidades do transporte de carga.
Mais recentemente, recordo o
caso da ruinosa compra da VEM, manutenção no Brasil, e do privilégio de rotas
de pouco interesse nacional (menos rotas para locais de emigração, por
exemplo).
Curiosamente, no metro o mesmo sistema de gestão não terá
conduzido aos mesmos resultados, talvez porque o metro assumiu a gestão de
investimentos que competiriam ás contas públicas assumir. E assim, sendo o
serviço da dívida dos investimentos das estruturas do metro mais pesado do que
o leasing dos aviões, reduzindo o peso relativo dos prejuízos operacionais
e do cumprimento das obrigações de serviço público nas contas da empresa, os
indicadores de gestão do metro são comparáveis com os metropolitanos
estrangeiros.
Dito de outro modo, se a
situação das duas empresas não é boa, não se culpem os seus trabalhadores.
Será diferente a posição dos
sindicatos perante a perspetiva obssessiva do governo atual para as
privatizações (entregar uma concessão ou uma subconcessão a empresas privadas
pode considerar-se privatização).
O sindicato dos pilotos reivindica
uma participação de 20% no capital da TAP privatizada, os sindicatos do metro
reivindicam a permanencia da empresa na esfera pública, pelo menos na
manutenção da capacidade decisória.
Em ambos os casos os sindicatos dirão a verdade quando afirmam que
os respetivos trabalhadores são qualificados, e que não é por causa deles que a
dívida das empresas é insustentável (1100 milhões no caso da TAP, 4000 milhões
no caso do metro).
No caso da TAP, pode
invocar-se a solução encontrada para a General Motors depois da crise de 2008:
a participação dos orgãos dos trabalhadores no capital social da empresa, então
intervencionada pelo tesouro público. Penso que é necessária uma grande dose de
falta de imaginação, ou então de simples má vontade, para recusar uma solução
parecida que não inviabilizasse a entrada de capitais privados minoritários na
empresa.
No caso do metro, a proposta dos sindicatos é simples: para
quê privatizar, considerando os meios de que a empresa ainda dispõe, que os indicadores atestam o seu bom nível de
desempenho e as experiencias negativas com a privatização e a subconcessão de
empresas ferroviárias ma Inglaterra de Thatcher? A resposta só parece ser
porque o atual governo quer favorecer empresas privadas, abrir o mercado da
exploração ferroviária a mais empresas.
É curioso verificar que as tendências dos sindicatos das
duas empresas são distintas. Enquanto o sindicato dos pilotos e dos sindicatos
mais ligados ás áreas de serviços são tendencialmente afetos a políticas de
direita e de centro direita, os sindicatos do metro vão da exrema esquerda ao
centro esquerda.
Isto é, se a comunicação social afeta ao atual governo
enche os olhos dos seus leitores com acusações aos sindicatos de esquerda por
estarem a prejudicar a economia do país (pelo impacto nas atividades económicas
de que o serviço do metro é subsidiário, não pelo prejuízo do funcionamento do
metro), não pode dizer o mesmo dos sindicatos de esquerda da TAP, que se
opuseram à greve dos 10 dias e à privatização da empresa.
É também curioso,
para os historiadores económicos, recordar o movimento de concentração das
companhias ferroviárias a partir dos anos trinta do século XX. Os teóricos do
movimento das privatizações acreditarão talvez nas virtudes de um movimento
oscilatório, concentrando e desconcentrando empresas, em contexto coletivista
no primeiro caso, em contexto liberal de submissão dogmática à lei da concorrência,
no segundo. Ou simplesmente ignoram, por manifesta falta de experiencia no dia
a dia de uma empresa, e por evidente ignorância dos condicionalismos energéticos
no setor dos transportes,que, como externalidade que são, impedem o mercado de
funcionar livremente.
Mas voltemos à TAP. Ao ser anunciada a greve durante 10
dias, a empresa e o governo foram buscar a experiencia das greves de 2014 para contabilizar um prejuízo de 10 milhões
de euros por dia apenas para a empresa, sem contabilizar o efeito multiplicador
especialmente no turismo.
Dir-se-ia que, perante tal análise, o atual governo poderia
ler com calma a lei da greve e nomear alguém para o tribunal arbitral que já
tivesse dado provas de que conhecia o negócio e que sabia ponderar os dois
lados do balanço dos custos e dos benefícios.
Mas
não, tal como nos poucos (poucos, porquê? A lei da greve não é clara?) casos em
que foram definidos serviços mínimos para as greves do metro, o nível dos
serviços mínimos arbitrado foi apenas de 10%.
Este
é outro ponto de contacto entre as duas empresas, o
critério que os tribunais arbitrais seguem na definição dos serviços mínimos em
caso de greve, 10%.
Vale que , de acordo com a
lei, os sindicatos que declaram a greve devem apresentar, embora não seja
obrigatório, um plano de serviços mínimos.
O que impede, se é que
o caso não é mesmo de ignorância do negócio ou de secreta vontade de
deixar vir ao de cima os malefícios da greve, arbitrar 80%? Eu sei que os meus
amigos sindicalistas do metro não concordam comigo. Começam por não decretar
serviços mínimos. É verdade que o seu argumento é válido, os serviços mínimos
estão implícitos na sua definição (com a qual não concordo, por a considerar
insuficiente para o cumprimento do meu juramento de Hipócrates, fazer o máximo
para que os comboios andem e transportem passageiros) de garantir através de
piquetes a segurança dos equipamentos e instalações. Que 80% de serviços
mínimos não teria impacto. Ora, permito-me discordar. 2% de redução do
indicador de exploração já tem impacto, já é uma perturbação do serviço (que em
vão eu sugiro ser aproveitada para esclarecer os passageiros sobre os motivos
da greve e solidarizar-se com as suas questões, reforçando os piquetes de
prevenção para minimizar os efeitos eventuais avarias).
Mas este não é o caso da greve dos 10 dias da TAP. Admitindo
que não se consegue a arbitragem de serviços mínimos acima de 10%, o que
impede, depois da leitura tranquila da lei da greve, o governo atual de
decretar a requisição civil em nome do interesse nacional?
Bem, pode ser simples teimosia, ou falta de sensibilidade
para cumprir o objetivo das transportadoras, produzir passageiros.km .
Ou talvez seja apenas uma jogada de estratégia xadrezistica.
Talvez o atual governo tenha perdido a fé em propostas substanciais para a
privatização da TAP (prevista a entrega de propostas para o dia 15 de maio de
2015). E este ruido grevista seria uma boa desculpa.
Não creio que os interessados se deixem intimidar com uma
greve de pilotos, quando há tantos pilotos por esse mundo fora mal pagos e
quando o novo dono da TAP poderia facilmente aplicar uma espécie de requisição
civil á sua maneira no caso da próxima greve.
Mas posso estar a ver mal. Talvez o governo tivesse
adivinhado ou obtido informações de que a adesão à greve seria pequena, da
ordem de 30% como se viu no primeiro dia. Que as transferencias de voos e de
reservas eram viáveis e que, portanto, a força da greve e do sindicato não era
tanta.
É pena, se foi assim, ver uma empresa de interesse estratégico
nacional (quanto mais não fosse pelo serviço das ilhas e pela articulação do
serviço continental de curto curso com o transporte ferroviário de velocidade,
energeticamente mais eficaz) ser tratada como um conjunto de peças de xadrez, à
espera da redentora privatização, mais apoiada, depois do fracasso da greve,
por uma opinião pública.
Seria o caso de cumprimentar o atual governo pela sua
sagacidade, ilustrando mais uma vez o aforismo evangélico, que os filhos das
trevas são muito mais inteligentes que os filhos da luz.
Enfim, aguardemos a evolução durante o período de greve e a
entrega das propostas, já que o atual governo, na sua obsessão privatizadora,
não parece recuar.
O que leva a pensar
na resposta de Carlos Paz no Prós e contras: se concordo com a privatização da TAP? Tecnicamente, do ponto
de vista gestionário, sim; mas não como cidadão.
De facto, depois dos gestores e ministros terem posto a
empresa naquele estado, que resposta querem?
Talvez se pudesse conjugar verbas comunitárias do plano
Juncker e do programa CEF (Connecting Europe Facility) para projetos concretos
que absorvessem a mão de obra dispensada por um plano de reestruturação da TAP
que permitisse injetar verbas públicas de acordo com os dogmas de Bruxelas.
Mas para isso era preciso planificação. E estão a ver este
governo a planificar alguma coisa no setor dos transportes? (querem um exemplo?
A recente afirmação do senhor secretário de Estado dos transportes, de que “Portugal
não pode decidir nada sozinho no setor do transporte ferroviário na peninsula
ibérica”, foram precisos 4 anos de governo para o senhor perceber uma coisa tão
simples; 4 anos sem planificar nem concretizar os planos anteriores… como
classificar esta imobilidade?)
Se for então como eu penso, o primeiro passo para resolver
o problema da TAP era o atual governo cessar funções.
Salvo melhor opinião, claro.
PS em 3 de maio - segundo a estimativa da TAP, no segundo dia do período de greve ter-se-ão realizado 69% dos voos, verificando-se maior adesão à greve na Portugália. Não disponho de informações suficientes, mas isto será indício de que a integração da Portugália na TAP não se concretizou integralmente? Pelo menos a aquisição da VEM/manutenção brasileira parece ter sido ruinosa. Como estará a necessidade de renovação da frota? da Portugália e da TAP? Já que, voltando à comparação com o metro, a frota atual ainda resistirá uns anos, embora se a procura aumentar por subida do preço dos combustíveis, terão de se adquirir novas carruagens.
E quanto às contas da greve, terá havido benefícios para as concorrentes Ryannair e Easyjet? Não será muito dificil às agencias de viagens fazer transferencias de reservas e a solução dos vouchers é interessante, é uma espécie de emissão de moeda. Desta vez não houve telegrama de felicitações enviado pela Ryannair ao sindicato dos pilotos...Seria interessante conhecer estas contas.
Também seria interessante, apesar da natureza privilegiada da remuneração dos pilotos, conhecer os pormenores do corte das diuturnidades que é apresentada como a segunda causa da greve, para alem do "apetite" pelos 20% . É verdade que todos devem contribuir para o bolo dos sacrifícios, mas falta informação para avaliar com isenção.
Por comparação, também o governo atual e os seus serventuários comunicadores gostam de apresentar os trabalhadores do metro e os seus reformados como privilegiados (por acaso os reformados já propuseram ao senhor secretário de Estado dos transportes uma redução dos seus complementos de reforma, para acabar com o seu corte total; até hoje estamos à espera de resposta).
Insisto que seria positiva a cessação de funções pelo atual governo (por favor, não confundam, os pilotos que estão a voar durante o período de greve estão a fazê-lo porque pensam pela sua cabeça, porque respeitam os passageiros e isso não quer dizer que apoiam o governo). Não só por causa das greves, mas pelas políticas de desenvolvimento e de emprego que manifestamente não estão ao seu alcance do ponto de vista de planificação exequível (aguardemos a próxima cimeira ibérica de transportes neste mês de maio de 2015).