terça-feira, 30 de março de 2010

Almoço na esplanada da Gulbenkian – 3 . O funil




















Quando cheguei ao átrio da loja da biblioteca da Gulbenkian vi o meu amigo concentradíssimo, debruçado sobre o seu telemóvel.

Estava a manipular uma série de fotografias que tinha tirado na estação de metro de S.Sebastião.

- Estás a ver –disse-me ele – as pessoas que querem entrar para o comboio espremem-se todas contra as que acabaram de chegar.

E, de facto, o aspeto não era brilhante, de modo que propus-lhe:

- E se fossemos indo para o balcão das vitualhas?

Lá fomos confrontar-nos com o quiche lorraine com espinafres, o tomate recheado com beringelas e atum, e os ovos verdes, enquanto o meu amigo continuava:

- Podes não aceitar, mas isto revolta-me. Esta estação parece que foi amaldiçoada desde o princípio.
Primeiro, teve de se alterar o sentido de escavação do túnel que acabou por ser da Alameda para S.Sebastião, o que atrasou logo toda a construção.
Depois, por causa das complicações do transito à superfície e dos medos da câmara por se estar em eleições, alterou-se o processo construtivo da nova estação de S.Sebastião. Olha, por isso é que as escadas que vês nas fotografias são tão apertadinhas.

E agora, era lógico prolongar a linha que vem da estação do Oriente e atravessar a cidade, ir ao centro comercial das Amoreiras, servir Campo de Ourique junto da encosta Poente e passar para o outro lado do vale de Alcantara.

- É isso que está nos planos, não é?

- Quais planos. Não há visão estratégica nenhuma, nem dentro nem fora da empresa. Prolongou-se a linha que vem do Oriente pela avenida Duque d’Ávila, muito bem. Chegando a S.Sebastião devia continuar em frente para se fazer uma estação no limite norte de Campolide, junto da Avenida Calouste Gulbenkian

- Não estás a gostar dos profiteroles, pois não? Nem estás a apreciar o ar risonho das moças naquela mesa, ao sol.

- Pois não! Estas coisas fazem-me mal. Os senhores da urbanização que lá se fez disseram que precisavam do espaço por baixo para fazer as suas caves de estacionamento e os promotores da urbanização do terreno onde era a tropa, ali ao lado da Valenciana acharam que ficava melhor a estação lá ao pé.

- Ah! Então por isso é que a linha do metro curva tanto na nova estação de S.Sebastião.

- Pois é. E depois sobe que se farta. Por isso é que tu vês os comboios a despejar e meter passageiros no mesmo sítio, o que dá os engarrafamentos das fotografias, para o maquinista não estar a mudar de cabina num plano inclinado.

Foi lá o senhor ministro dos transportes inaugurar a estação numa cerimónia muito bonita, com os cartazes dos quadros da Gulbenkian por trás, mas a verdade é que ainda há muita coisa pendurada naquela estação para além da precariedade da entrada e saída de passageiros. Não foram concluídos os procedimentos de licenciamento dos elevadores, há infiltrações em instalações técnicas, há telecomandos da estação que não funcionam.

- É a nossa sina - obtemperei eu - o que é preciso é a fachada estar bem pintada.

- Os comboios com rodas de ferro têm a mania de não poder subir grandes rampas, não convem mais de 4%, para as rodas não escorregarem. E apesar disso a estação projetada de Campolide ainda fica muito profunda. A dez andares de profundidade.

- Eh pá, isso gasta muita energia, só as escadas mecânicas necessárias, mais a iluminação do poço e a ventilação. O melhor era chegar a estação para o lado, onde a cota da superfície fosse menor.

- Pois era, mas agora, depois de todo o trabalho dos projetos, já todos feitos e negociados com a EPAL por causa do aqueduto e com a câmara por causa das comichices deles… os colegas que fizeram os projetos matavam-te. Poupava-se dinheiro na exploração futura da estação mas matavam-te.

- Complicado. E agora com a falta de dinheiro e o PEC, é complicado…esta linha estava mesmo a precisar de ser ampliada. A correspondência entre linhas é ótimo.

- É mesmo. Vamos ver se sempre sai o tal plano integrado de transportes de que o ministério falou. Vamos ver

E , terminada a refeição, saímos olimpicamente, como Mercúrio, que era o deus dos transportes, depois do hidromel.









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