Discordando da senhora ministra da Cultura, que anunciou a demissão do diretor do S.Carlos, expresso aqui o meu reconhecimento ao diretor pelo magnífico espetáculo Niobe, rainha de Tebas.
É um exemplo esplendoroso do barroco do fim do século XVII, de um compositor italiano sediado em Munique, Agostino Steffani.
Desconhecia a obra e o seu autor. Aliás, foi estreia em Portugal.
Os intérpretes são de bom nível, incluindo um barítono português. Este diretor tem a preocupação de pôr cantores portugueses a cantar (tive muita pena de faltar ao “Trouble in Tahiti”, de Lenard Bernstein, com cantores de ópera portugueses finalistas do Conservatório). Na orquestra foram incluídos instrumentos da época, como um alaúde, uma viola de gamba e um cravo. O maestro evidenciou entusiasmo. O público aplaudiu. Enfim, o contrário do que a senhora ministra disse, que o público estava muito desagradado com o diretor.
Mas a senhora ministra é pianista. Não tem que ser uma “expert” em ópera. Ainda por cima ópera barroca.
É verdade que o espetáculo anterior, com o “Morcego” de Johannan Strauss, desagradou; mas, primeiro, não se demite um diretor a quem faltam 2 anos de contrato como é hábito no futebol quando a equipa perde um jogo importante (a programação de um teatro de ópera é feita com 2 anos de antecedência). E depois, o “Morcego” é uma opereta para ter “buchas” do anedotário da atualidade. Pelo menos, quando foi composto era assim. Se desagradou, isso significa que retratou corretamente uma sociedade decadente e com péssimo gosto cultural. Terá sido um espetáculo adaptado à realidade portuguesa que se vive (justifico: a encenação girava a volta da moda dos vampiros e das piadas “stand up comedy”). E isso custa a aceitar por quem achará que a realidade portuguesa não é tão medíocre.
A tendência de exercer o poder apesar de não se ser especialista daquilo sobre que se está a decidir faz-me lembrar, por contraste, o tempo em que estive no exército, na arma de Transmissões. Assisti à substituição, por antiguidade, dos oficiais generais que eram engenheiros civis por engenheiros de telecomunicações. Foi uma evolução natural.
No caso do S.Carlos não parece ser assim. Temos a senhora ministra pianista a decidir sobre ópera. Faz-me lembrar também algumas empresas de transporte ferroviário. Gostam de pôr técnicos da especialidade de construção civil nos lugares de decisão. Mas nos tempos que correm, com a evolução da informática, das telecomunicações, da eletrónica de potência, soa a alguma confusão. As empresas de transporte não são empresas de construção civil, têm como objetivo transportar pessoas em condições de segurança, rapidez e conforto. Quem as gere não deve reduzir a partitura à do piano…nem aplicar cortes orçamentais indiscriminados aos planos de atividades. Não devem decidir sozinhos, sem ouvir os técnicos da especialidade… aumentam as probabilidades de decidir mal…
A ópera, baseada nas Metamorfoses de Ovídio, conta a história da rainha de Tebas, Niobe, que ousa combater os deuses e que acaba vencida.
Imaginemos o que o compositor e o seu libretista quereriam dizer com a sua ópera, no fim do século XVII, numa Alemanha em que os principes eleitores dominavam:
"Desordenadas potencias, acordai.
A mente enganada por falsas aparencias,
já vencida e presa,
não mais desfaleça
... ... ... ... ... ...
Que fazeis, impios tebanos?
por que furores insanos
loucamente agitados,
os falsos dogmas de loucos seguis?
Ousais assim preferir
imagens vãs e objetos inexistentes?"
Aplausos pela sua visão para Agostino Steffani e o seu libretista, Luigi Orlandi.
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