segunda-feira, 29 de março de 2010

Leitura do DN no domingo, 28 de Março de 2010

Com a devida vénia, leio no DN e na sua revista de domingo:

1 – Eyad Allawi tem a maioria relativa de deputados no parlamento do Iraque: 91 em 325 ; a segunda força é a do anterior primeiro ministro, com 89 lugares.

O que é extremamente importante e é uma vitória para o povo iraquiano, é que a coligação de Eyad Allawi é secular. Isto é, independentemente das culturas dos seus participantes, é o fator laico que determina as suas estratégias. Não é o caso da segunda força, confessional.

Como dizia o primeiro presidente do Paquistão, em 1947, o verdadeiro muçulmano exerce a sua cidadania independentemente da sua religião.

Talvez interprete bem o Corão quando destaco o que lá vem escrito: “Não sejais agressores. Deus não ama os agressores”.

Passado o período guerreiro da pregação de Maomé para a unificação política da península arábica (não estou a justificar, estou a recordar a história), passada a época das cruzadas (que também não tenho a intenção de justificar), faço votos que no Iraque os muçulmanos exerçam os seus direitos de cidadãos independentemente da sua religião, apesar da ameaça das seitas confessionais, e que o novo primeiro ministro não sofra mais atentados.

Pena que alguns meios de comunicação social portugueses e algum pensamento norte-americano não tenham dado destaque à condição laica de Allawi.

2 – Mais uma estatística: em 2009 aumentou o número de fugas das prisões portuguesas. Consta que foi um efeito da redução dos quadros de pessoal (isto contraria aquela ideia de que os gestores tanto se orgulham quando nos seus powerpoint realçam a diminuição dos quadros de pessoal – só que aqui no caso das prisões não parece haver “outsourcing” que valha)

3 – O Alto Comissariado para a Integração e Diálogo Intercultural (deuses, como tenho de dobrar a língua para dizer isto) negou um subsídio de 150.000 euros ao centro de formação profissional do pároco da Bela Vista, o bairro de Setúbal onde no ano passado andaram aos tiros. Pessoalmente não me agradam as atividades da igreja católica. Mas quando são úteis (neste caso, ocupar os jovens com a aprendizagem dum “ofício”, como se dizia antigamente), só posso concordar com a recusa se imediatamente, mas imediatamente mesmo, um organismo oficial retomar esse esforço de formação profissional. Onde está esse organismo e essa ação? Estamos a convidar ao vandalismo e à criminalidade juvenil, não estamos? Claro que há pouco dinheiro, mas os prejuízos do fim da ação de formação podem ser superiores aos 150.000 euros.

4 – Andam a fechar consultórios dentários por falta de licenciamento, especialmente da aparelhagem de raios X - é uma pena sermos, em Portugal, tão perfeitos nas leis e nos regulamentos que fazemos a exigir boas condições, mas depois as dificuldades burocráticas e a falta de iniciativa e de organização na resolução das deficiências e dos problemas concretos deixam as coisas por acabar (já estarão licenciados todos os elevadores das estações Saldanha e S.Sebastião, com tanta pompa e circunstancia inauguradas em Agosto de 2009?)

5 – O senhor diretor nacional da PSP afirmou que “não há qualquer problema em termos de segurança” na realização da missa do papa prevista para 2010-05-11 no Terreiro do Paço - permito-me discordar:
primeiro, se o patriarcado prevê 250.000 assistentes, os caminhos de evacuação são efetivamente limitados;
segundo, recordando a minha sogra, há um problema grave de segurança de ocupação de um espaço público sem perguntar aos cidadãos se o espaço está disponível (salvo melhor opinião, as eleições autárquicas não conferem o poder de gestão dos espaços públicos para fins confessionais) porque deste modo, como ela dizia, ver em        http://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=sogra       , “não parece um país republicano”.

A minha argumentação neste ponto 5 é rigorosamente a mesma do ponto 1: não privilegiar nenhuma confissão religiosa. Privilegiar poderá ser fator de insegurança social.

6 – A tabela das idades da reforma – Poupa-me o DN o esforço de fazer uma pesquisa sobre as idades de reforma na Europa. Eis um resumo, quanto mais não seja para desfazer a ideia de que somos dos mais beneficiados (atenção que é a idade em anos dos homens e em regime geral, não o das profissões de desgaste):

Áustria – 61,5 (aumento para 65 gradualmente até 2017)
Bélgica – 65
R.Checa – 65
Dinamarca – 65 (aumento para 67 até 2027)
Alemanha – 65 (aumento para 67 antes do prazo anterior que era 2029)
Espanha – 65 (aumento em preparação para 67)
França – 60
Itália – 62
Polónia – 65
Finlândia – 68 (com compensações para quem permanecer no ativo após os 63)
UK – 65 (aumento para 68 até 2046)
Suécia – 61 (compensações para quem permanecer no ativo até aos 67).

Seria interessante analisar as restantes condições para os números serem comparáveis: condições de trabalho, segurança social, idade com que se começou a trabalhar e com que qualificação profissional, comodidade do transporte de e para o trabalho.

Seria também interessante analisar o princípio de que são os trabalhadores no ativo que sustentam os reformados. Então os descontos dos reformados, ao longo da sua vida ativa, não serviram para investir em investimentos reprodutivos? Ou terão sido apenas para pagar as reformas dos anteriores reformados?Convinha esclarecer isso, porque, segundo as estatísticas, de momento há 4 ativos para 1 reformado mas as previsões apontam para 1 ativo para 1 reformado dentro de 40 anos.

Entretanto, a sugestão de Eugénio Rosa, um economista de há muito não afeto aos governos , é a de substituir a tributação sobre os rendimentos dos trabalhadores pela tributação sobre o valor acrescentado líquido das empresas (lá vão os adamsmithistas dizer que vão afugentar os investidores; talvez, mas para onde? Para países onde a tributação ainda é mais forte? Sabiam que a Espanha taxa em 25% qualquer transferência para os “off-shores”, a Holanda em 20% e Portugal em 0%?; e olhem que os depósitos registados dos portugueses nos “off-shores” são da mesma ordem de grandeza dos outros dois países: cerca de 16.000 milhões de euros…).

Seria também interessante divulgar com mais visibilidade os casos de pequenas histórias de reformas antecipadas:

- a professora que saiu antes de tempo porque não quis avaliar colegas com base em quotas
- a professora que saiu com uma penalização de 40%
- o médico de 59 anos que vai sair com 18% de penalização
- a metade do quadro de ginecologistas do Hospital Garcia de Orta que saíram com reforma antecipada mas que foram todos contratados pelo Hospital privado de Cascais
- os 300 inspetores de finanças que sairam duma assentada, prejudicando as cobranças fiscais

Tudo isto me parece ser o resultado de decisões anteriormente tomadas… e mal tomadas, sendo que o primeiro passo para corrigir um erro é reconhecê-lo.

7 – Mas falemos de transportes: o DN também me poupou o trabalho de fazer o levantamento do volume de passageiros transportados na área metropolitana de Lisboa em 2009 (parece que o movimento de decréscimo está a inverter-se desde o 4º trimestre de 2009; será o desemprego, a diminuição do poder de compra restringindo as deslocações de lazer, o arrefecimento da economia).
Valores em milhões de passageiros; estimativa minha (aguardo o inquérito prometido pelo IMTT) para os casos dos autocarros suburbanos e do transporte individual:

Carris           -    233            16,1%
ML              -    165             11,4%
CP               -      95              6,6%
Fertagus        -     23              1,6%
Transtejo       -     28              1,9%
Autocarros    -    100             6,9%
TI                 -     800          55,4%

Total             -   1444         100,0%

Não parecem muito saudáveis, estes números. Especialmente pela dependência energética suscitada pela elevada percentagem de transporte individual. Requererão talvez, os números, medidas estratégicas. Por exemplo, integrar os TP numa "régie"...

Assunto a retomar.

Sem comentários:

Enviar um comentário