quarta-feira, 3 de abril de 2013

Alberto Pimenta e a revolução francesa


A história da Revolução Francesa contada em Poesia, por Alberto Pimenta:




o rei Henrique IV
de França
mandou eliminar
para todo o sempre
o registo
das sangrentas lutas religiosas
entre católicos e protestantes

quase duzentos anos depois
em 1789
havia em Paris
para cima de 7.000
fabricantes de perucas
para a cabeça do alto clero e
da aristocracia
da e do capital

40 anos antes
sem tufados nem perucas
o Estado tinha pedido
um empréstimo de
240 milhões de libras
que no ano em causa
eram já 810 milhões

nos 12 anos de miséria geral
que tinham antecedido
o dito ano
a coroa tinha pago
a essas princesas e a esses príncipes
empoados e emproados
para cima de 200 milhões de libras

o empréstimo
gastava-se aí
e claro na defesa
porque
dum orçamento de defesa
de 270 milhões
metade
mal chegava para as pensões
de um milhar de generais
e oficiais da aristocracia

os lavradores
mecânicos e artesãos
pagavam de imposto
mais de meio salário
e não havia fuga
e acrescia um terço do restante
que era em partes iguais
para a Igreja e
para o dono da terra

viviam em pardieiros
que fazianm jus ao nome
pardos fora e pardos dentro
porque o luxo da janela
pagava imposto
e além doutros
havia ainda mais um assalto
o imposto sobre o sal
por cada quilo de sal
o trabalhador
pagava o equivalente
ao seu salário médio diário
e o consumo era obrigatório
no mínimo uns 4 quilos anuais

era um iva
parcial antecipado
sobre a vida
é a estratégia da mente parasita
eterna mente
sempre o mesmo
sempre os mesmos

e eram 200.000
os cobradores de impostos
que corriam o país
a recolher e multar
e um dos principais
era o temido Foulon

no mesmo ano de 1789
o abade Sieyès
escreveu “é o povo
que constrói as estradas
as pontes os canais os tribunais
as creches os manicómios
as escolas de esgrima e
de equitação”

pois constrói é claro
com as mãos
e com os impostos que paga
e vive
nas proximidades
dos castelos
e das abadias
que construiu
e que hoje
turistas de shorts
rotos na elegância do cu
e óculos ray-ban
postos para cima da testa estreita
mascando pastilhas
contemplam como bois
enquanto ouvem aos guias declarar

que maravilha
era a vida naquela época
comparada com a nossa

os camponeses
e os pedreiros de ofício
não os intitulados livres
os parasitas bem falantes
da época e de sempre
pensaram

nós até aqui sobrevivemos
daqui em diante vamos viver
e assim foi
ou pelo menos
assim começou por ser

Foulon o cobrador
anunciou a sua  morte
e o seu funeral
travestiu-se
encheu as malas de dinheiro
preparava-se
para fugir
decerto para a Suíça
mas foi apanhado

enforcaram-no
teve de ser à terceira
porque ele era tão gordo
que a corda rebentou
duas vezes

cortaram-lhe a cabeça
encheram-lhe a boca
de palha

e seguiu-se Berthier
o genro
tudo família como sempre

esse depois de morto
foi posto
a enfeitar
um lampião
um belo ciclope

“admirável
este lampião
faz mais em dois dias
que todos os heróis
em cem anos”
disse Camille Desmoulins
percebe-se agora
por que estão a ser retirados
de praças e ruas
de toda a Europa
os antigos lampiões
que eram bonitos
davam aquela luz suave
do vapor de sódio

estão a ser substituídos
por leds rios de luz cega
que vêm do alto das paredes
olhos de pedra
como a Boca da Verdade de Veneza

quer dizer
a gota de água
deve estar quase outra vez
a transbordar
os saqueadores do costume
tal como Maria Antonieta
estão a cheirá-la
bola de Berlim
brioche churro
pastel de nata
um docinho qualquer
a substituir
o pão
porque alem do mais
as colheitas de trigo
dos próximos dois anos
já estão compradas
e açambarcadas

há uma gravura que mostra
o grande Luís XVI reclinado
numa poltrona
a observar o modelo em  miniatura
da guilhotina
a primeira sentença
calhou
no dia 25 de Abril de 1792

vai fazer
não tarda muito para lá chegar
222 anos
número fatídico

mas a história
é uma série de interrogações
não de respostas

                                em
                               “ De nada”, de Alberto Pimenta, áudio livro da editora Boca;
                               visto em
                              “Resumo – a poesia de 2012”, antologia de poesia    
                                                       publicada em 2012, ed. Documenta



Se o leitor teve a persistência de chegar até aqui, com elevado grau de probabilidade concordará comigo que é extraordinário escrever-se poesia assim, interventiva e real, incomodativa para o poder que se sente deste modo retratado, porque o poder não é estúpido e compreende que os impostos que lançou são exagerados e fazem encolher a economia, que os empréstimos do Estado estão ao serviço dos grandes grupos , que a compra por futuros das colheitas de trigo dos próximos anos é uma ameaça de fome, etc, etc..
Levantar-se-ão talvez vozes, receosas de que se esteja propagandeando a função executiva dos candeeiros (é que até já há iluminação led de cores suaves, tão quente como a do vapor de sódio; que perigo para quem sente ameaças). Mas talvez não. O poder é suficientemente inteligente para limitar a miséria em bolsas, enquanto faz os possíveis por que a outra parte da população, que ainda tem emprego, se distraia, ou se comova em caridades para com a outra parte. Talvez que a gota de água não esteja prestes a transbordar, que a tecnologia é fecunda em recursos, que os poucos que têm emprego mantém a parca economia a funcionar.
Mas que a poesia é preclara, é; isto assim não pode continuar.



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