ministério da Finanças, sem abrigo |
Não encontro na internet a reportagem nem o seu resumo, pelo
que vou resumi-la adiante.
Apenas as fotografias que vejo no facebook do Noticias
Magazine, a revista dominical do DN e JN:
A reportagem é um trabalho jornalístico do mais alto nível
pela sua ligação à realidade e por abarcar vários dos seus aspetos.
Mereceria a publicação em separado.
Estabelece um paralelismo entre as 14 estações da via sacra
da tradição cristã e 14 situações dolorosas ou indignas de parte da sociedade
portuguesa.
Infelizmente a situação atual de parte significativa da
população portuguesa e a aparente incompreensão dos governantes pela
problemática associada justifica este tipo de reportagem.
A reportagem sobressai pelo contraste positivo numa revista
recheada de anúncios a automóveis, relógios e perfumes caros (eu sei, como
dizia Grandela nos anos 20 do século passado, que o comércio de artigos de luxo
dá emprego a muita gente) e que privilegia histórias de sucesso, por vezes
estereotipadas, fúteis, estouvadas e frívolas.
Tal como na estética neo realista do pós guerra, o
tratamento de situações trágicas deixa de ser um exagero para ser uma tomada de
consciência pela outra parte da população, que felizmente não sofre as
consequências da crise e da resposta que os governantes estão a dar.
Não são apresentadas soluções, que infelizmente são cada vez
mais difíceis de apresentar dado o
agravamento da complexidade das questões, mas a divulgação da realidade e a
tomada de consciência destas situações já é um passo, pequeno mas efetivo, para
a resolução.
1ª estação – Jesus é
condenado à morte – a loja Anzolmar de artigos de pesca, em Belém, vai
fechar, juntando-se às 12 lojas vizinhas da Rua da Junqueira que já fecharam.
Incomportável a nova máquina registadora exigida pela autoridade
tributária.”Não sobra quase nada das lojas… a exigência da nova máquina foi
apenas mais um prego para o caixão…vou fechar e entregar a chave à senhoria…se me
custa? Não, já custou o que tinha a custar…acabou-se”. Disse o lojista à
senhora reporter
2ªestação – Jesus
carrega a cruz às costas – o filho de 3 anos tem paralisia cerebral de grau
5 devido a um parto anormal e exige atenção constante, com uma vida
quase vegetativa. Os pais são heróicos, conseguem trabalhar e não querem ser subsidiodependentes. Vale o
apoio da Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa, Odivelas. Segurança Social
devia ser também para estes casos, sendo certo que não se pretende que os pais
fiquem em casa porque a natureza humana
requer uma atividade profissional; mas o país é pobre, pelo menos parte do
país. Haverá correlação entre o parto mal realizado e o ambiente cada vez mais
restritivo vivido nos últimos anos na Maternidade Alfredo da Costa? E entre os
condicionalismos morais e religiosos e a criminalização de uma eutanásia
piedosa no momento do parto?
3ªestação – Jesus cai
pela primeira vez – é licenciada em História moderna e contemporânea e é
operadora de caixa e chefe de caixas no Pingo Doce. Ordenado base 500 euros (não
estou a criticar o Pingo Doce por este ordenado; as criticas que faço ao Pingo
Doce, tal como se pode ver noutros locais deste blogue, são a outro nível). Não
deram em nada as candidaturas a concursos em muitas camaras municipais. Acabou
por gostar do que faz. Mas não tem ainda 30 anos e, por razões económicas, não pode constituir família. Seria tão bom
que os governantes compreendessem que as economias que fazem contendo os
salários são menores do que o prejuízo de se cortar a liberdade a quem quer constituir família? E para a sociedade essas economias são menores do
que os prejuízos da diminuição constante da natalidade? Não querem ver isso, é?
4ªestação – Jesus
encontra a sua mãe – São uma família com duas crianças de menos de 2 anos. Iniciaram
obras de remodelação na sua moradia
térrea e o crédito bancário falhou. Realojaram-se em casa dos sogros do pai de
família, que sorteou a moradia para pagar as dívidas. É discutível, a opinião
seguinte, mas parece-me que o grande problema da habitação em Portugal é a
dificuldade de acesso a obras ou arrendamento e seu financiamento a custo
controlado e garantido, através de gabinetes oficiais das autarquias, organizados
para ajudar e não para exigir.
5ªestação – Simão de
Cirene ajuda Jesus – é a história de um homem, administrativo numa escola
pública nas Caldas da Rainha, que se dedica a promover a recolha e a distribuir
alimentação e agasalhos a sem abrigo da cidade. É impressionante a sua
solidariedade e a das pessoas que o ajudam, mas recordo sempre a afirmação duma
manifestante: “se houvesse justiça social não era preciso caridade”. Sendo
certo que já Adam Smith falava da necessidade de redistribuição social.
6ªestação – Verónica
limpa o rosto de Jesus – Graças à junta de freguesia de Alcântara, o
balneário público de Alcântara funciona,
e os seus dois funcionários ajudam a recuperar alguma dignidade a quem não tem
onde tomar banho.
7ªestação – Jesus cai
pela segunda vez – o Brevet OP da Oficina de Psicologia na rua Pinheiro
Chagas, em Lisboa, desenvolve uma terapia para desempregados trabalhando , em
sessões ao longo de 4 meses, “a
desmotivação, a desesperança e a desorganização” de desempregados. De facto, a
necessidade de trabalhar faz parte da natureza humana, e estar desempregado
reduz a auto estima e aumenta a depressão. Claro que os governantes deveriam
querer compreender isto, até porque são cláusulas da Declaração universal dos
direitos humanos e da Constituição; deveriam estimular o tratamento do desemprego em termos de psicologia e,
especialmente, atuar preventivamente criando emprego (o artigo 58º até fala em
pleno emprego).
8ªestação – Jesus
encontra as mulheres de Jerusalém – é
o testemunho de três grávidas sem emprego, com formação universitária. Já
trabalharam no estrangeiro, já tiveram empregos em Portugal mais ou menos
certos. Agora estão no desemprego. Uma sociedade que trata assim as grávidas
soma problemas aos problemas que já tem.
9ªestação – Jesus cai
pela terceira vez – é a história do dono de uma fábrica têxtil que fechou
por falta de trabalho em março de 2012. Deixou em Portugal a família, mulher e dois filhos. Trabalha no
bar de um grande restaurante em Hamburgo. “Tenho medo se a minha família vier
ter comigo porque a minha filha é adolescente e o corte pode não ser bom. Mas
que futuro podem os meus filhos ter em Portugal? Como posso pensar em voltar se
não há lá nada para mim?” . Dir-se á que as economias dos cortes no apoio às
famílias portuguesas emigrantes, nomeadamente na parte escolar, são menores do
que são os prejuízos que resultam dos cortes.
10ªestação – Jesus é
despojado das suas vestes – é a história do estímulo do crédito fácil e do
endividamento familiar para alem do suportável e do garantido. Foi contraído um
crédito há 4 anos para a compra de um apartamento na Moita com mais uma divisão
do que a casa em que viviam. O casal com dois filhos trabalhava na mesma
empresa. Não conseguiram vender a casa antiga e foram ambos despedidos num processo
de redução de pessoal. A casa nova foi entregue ao banco. “No inicio custou-me
muito, mas agora já não doi. Quero recomeçar, arranjar um emprego para pagar as dívidas e dormir
descansado”.
Será que, se somarmos as economias conseguidas por todas as
empresas que reduzem pessoal obteremos um número sequer igual à soma dos
prejuízos a que as reduções dão origem, desde os encargos com os subsídios de
desemprego à queda da produção e pioria de qualidade de serviço ou do produto,
por falta de pessoal?
11ªestação – Jesus é
pregado na cruz – quando se fala em reformas elevadas superiores à expetativa
dos descontos, normalmente obtidas em meio bancários ou em atividades ligadas
ao poder político ou ao poder judicial, deve-se também falar nas carências da
assistência social a quem trabalhou por conta de outrem durante toda a sua via
e por uma razão ou outra têm reformas baixas. A situação agrava-se na fase
terminal. O casal de antigos mordomo (84 anos) e empregada doméstica (83 anos )
duma casa rica do Estoril, vive agora com um neto num apartamento do bairro
social do Rego, num prédio municipal degradado. As duas reformas somam menos do
que 500 euros. O neto, de vez em quando, ganha a recibos verdes, “com
computadores”, diz o antigo mordomo porque a senhora sofre de Alzheimer. “A
neta dos nossos patrões ajuda-nos muito. Tomara que morrêssemos os dois no mesmo dia”. Não quero responsabilizar o atual governo
pela falta de uma politica de velhice em Portugal, mas há muito a fazer neste
campo, e nem tudo exige muito dinheiro.
12ªestação – Jesus
morre na cruz – Porto, bairro da Boavista. Um grupo de voluntários
distribui, à noite, comida quente e agasalhos. O fotógrafo captou a imagem de
Leninha, 19 anos, que chama”mamã” a uma das voluntárias. “Com a crise, a
Segurança Social deixou de pagar as casas de hóspedes que albergavam os sem
abrigo. Cada vez há mais”. Existe uma correlação forte entre desemprego e sem
abrigo, entre falta de assistencia social e psicológica e degradação de
condições de vida. Por isso deveriam ser limitadas as politicas que estimulam o
desemprego. Embora essas politicas se fundamentem na correlação forte entre
desemprego e contenção de preços. Se isto é contenção de preços, então não
deveríamos querer contenção de preços.
13ªestação – Jesus
morto nos braços de sua mãe – Tem 60 anos, é enfermeira da Santa Casa da
Misericórdia e acompanha funerais de solitários. Também aqui não podemos
responsabilizar a crise atual, mas verificar a carência da assistência social a
nível nacional. Não há também uma politica eficaz contra a solidão, e o
desemprego de jovens técnicos de serviço social é também significativo.
14ªestação – Jesus é
sepultado – Fé na ressureição? Questão
posta ao próprio país e à sua população, sendo certo que esta reportagem pode e
deve ser um elemento de apreciação durante a próxima campanha eleitoral. A
reportagem reconhece que muitos dos portugueses descritos já nem sequer têm
esperança. Mas a questão mantem-se, quer o atual governo tenha razão ou não na
politica de ruína que executa, a tentar convencer os cidadãos a, resignados,
acreditarem que não há opção.
E contudo, não se propôs já ao governo a operacionalização
de uma taxa sobre as transações financeiras e de outra taxa sobre as operações
no multibanco sem reflexo nos clientes e a urgência na negociação com os
poderes centrais da UE de uma verdadeira politica federal, financeira e fiscal
sem os bancos a servirem de intermediários para a divida dos Estados?
Já se operacionalizou a auditoria completa à divida pública
e à privada para se saber onde atuar?
Não se diga pois que não há alternativa à via sacra.
Ou, como pergunta finalmente a reportagem: “depois da via
sacra que muitos portugueses estão a percorrer, haverá também lugar para a
ressureição?”
Notícias Magazine, revista semanal
do Diário de Noticias e do Jornal
de Noticias, 31 de Março de 2013
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