segunda-feira, 9 de junho de 2014

O relatório do descarrilamento em Santiago

Recebi de um colega atento o relatório do acidente de Santiago, em julho de 2013:
http://www.fomento.gob.es/NR/rdonlyres/0ADE7F17-84BB-4CBD-9451-C750EDE06170/125127/IF240713200514CIAF.pdf

Apesar de circunstanciado e rigoroso na descrição do acidente, lamento que não tenha explicitado de forma claro algumas recomendações e críticas do modo de exploração da linha.
Embora a divulgação do relatório marque a diferença para o caso português, em que se mantem o secretismo sobre os relatórios finais do acidente de Alfarelos de fevereiro de 2013 e dos descarrilamentos na linha de Cascais, o relatório espanhol deixa a opinião pública culpar, simplesmente, o maquinista.
Não associa a um risco intolerável (até porque houve antecedentes de descarrilamento por excesso de velocidade em curvas) a decisão da ADIF e RENFE de explorar uma linha de 200 km/h sem controle de velocidade continuo, do tipo ERTMS, nem os atrasos do fornecedor Bombardier em resolver as questões de software que levaram à inibição do ERTMS.
Não faz parte das boas práticas fazer depender a segurança do maquinista e da sua capacidade visual de ver sinalização lateral a velocidades elevadas. O controle pontual ASFA de velocidade não cobria a zona sinistrada (foi uma das medidas rapidamente executadas depois do acidente, a instalação de balizas de controle de velocidade pontual).
Não é aceitável explorar uma linha destas sem controle de velocidade continuo.
Embora o relatório recomende uma revisão do comportamento dos equipamentos embarcados a desacelerações bruscas, não foi criticado no relatório o excessivamente alto centro de gravidade do vagão técnico com o alternador para alimentação em linhas não eletrificadas. Aliás, o material circulante foi alterado relativamente ao projeto original para poder circular em bitola europeia e ibérica, em linhas eletrificadas e não eletrificidas, com tensão de 25kV e de 3kV, o que contraria o principio de para cada linha um material específico ao longo de toda a linha.
Igualmente o relatório recomenda a revisão de mecanismos de análise de acidentes e monitorização da exploração, mas não tenho grande fé na sua implementação quando se referem de forma tão pouco clara as questões exteriores ao  maquinista que potenciaram o acidente.

Em resumo, considero inaceitável atribuir apenas ao maquinista a responsabilidade do acidente, que é inegável, evidentemente, por erro de atenção, sem propor mecanismos rigorosos que envolvam a ADIF, a RENFE e a Talgo-Bombardier na resolução das questões que potenciaram o acidente (inexistencia de controle automático continuo de velocidade, rebaixamento do centro de gravidade ou circuação em alta velocidade apenas em linhas eletrificadas)

Tal como inaceitável é continuar por divulgar o relatório de Alfarelos, sendo certo que tambem deveriam envolver-se a Siemens (autómatos de controle de tração e travagem) e a Bombardier (CONVEL, controle automático pontual de velocidade) no esclarecimento do acidente, admitindo-se como hipóteses a investigar que tenha havido deslocalização dos respetivos sistemas e que seja necessário reposicionar ou acrescentar sinais.

Mas como se sabe, os fazedores de opinião e os decisores politicos e empresariais, do alto da sua sabedoria e humildade, pensarão de outro modo.






3 comentários:

  1. Julgo que sabem o que e como se passou...!! Mas em termos de responsabilidade pública dá jeito ter um "bode" expiatório...!! e indefeso..!!

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    1. Dá de facto muito jeito, até porque estava a tentar vender-se o AVE ao Brasil. Penso que não seria um AVE como o 730, hibrido, com os alternadores montados no segundo vagão, com um bogie apenas e partilhando o rodado Talgo com a primeira carruagem de passageiros, mas estas coisas são dificeis de explicar no período de propaganda do material a vender. Quanto ao indefeso, espero que o sindicato respetivo defenda o maquinista.

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  2. Pela lista de recomendações feita, verifica-se que as causas técnicas são importantes e não estavam instalados todos os equipamentos necessários para evitar o acidente. Referir que a distracção provocada por um telefonema pode provocar tal acidente é no mínimo anedótico. Depois, é sabido que o homem não está "produzido" para ter uma acuidade visual capaz a uma velocidade superior a que ele pode aceder com os seus próprios meios locomotores.
    Não se deve confiar unicamente na sinalização instalada lateralmente na via para controlar a marcha de uma composição, ainda por cima com a velocidade que aquela pode atingir.
    Concluiu-se que o maquinista foi o culpado....
    Quando o mar bate na rocha...

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