A linha do Oriente vai a caminho do Aeroporto
O texto seguinte necessita de um esclarecimento.
Não se trata de uma folha de memórias da minha vida profissional.
É uma ficção construída a partir de alguns factos verídicos, que todavia não aconteceram da forma descrita nem com a cronologia indicada (a descrição rigorosa dos acontecimentos obrigaria a uma pesquisa rigorosa que eu não fiz e tornaria interminável a escrita de um livro de outras memórias), e de outros factos puramente imaginários.
Algumas personagens e empresas são inventadas, assim como as ações, quando verídicas, das personagens ou das empresas, podem não corresponder à personagem ou à empresa que no texto as executou.
Trata-se de uma técnica de escrita de ficção muito utilizada em temática de sociedades religiosas, esotéricas, maçónicas ou mafiosas, com estritos fins de entretenimento.
É pois aplicável a todo o texto a velha expressão: “toda e qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência”.
Verão de 2002.
A questão do tunel do Terreiro do Paço encontrava-se em resolução.
A tuneladora, esforçadamente até empenar o veio principal, furava desde o poço da Ameixoeira, a caminho do Campo Grande.
A posição da estação Ameixoeira era algo excentrica relativamente ao traçado que se pretendia, que era o de uma ligação ferroviária entre Odivelas e o Campo Grande.
Tinha sido o senhor presidente da junta de freguesia que exigira o desvio para a Ameixoeira, uma freguesia esquecida pelos lisboetas, apesar de ter qualidades para ser uma atração turistica, assim como Grisengen está para Viena de Áustria.
Afortunadamente, o desvio pôs o traçado de tal maneira que só poderia atingir-se Odivelas em viaduto.
Construir metropolitanos em viadutos é uma forma mais barata e rápida de o fazer.
Permite tambem nivelar o percurso e assim economizar energia.
Por isso poucas vezes se tem recorrido a este método.
Mas aqui teve de ser.
Entre a Pontinha e a Falagueira executava-se um trabalho em grande parte a céu aberto de grande interesse para os especialistas da geotecnia e construção de tuneis, considerando o grande teor de argila dos terrenos, instáveis sempre que chovia.
Falagueira era um nome demasiado rural e "ancien regime" para uma estação de metro.
Por isso se lhe chamou Amadora Este.
Para ser uma nova centralidade, nas palavras do senhor presidente da câmara.
E para dinamizar um investimento imobiliário em torno de um grande centro comercial a construir sobre a estação.
Era uma ideia inspirada no método seguido em Hong Kong , em que se entrega ao metropolitano a exploração das mais valias imobiliárias decorrentes do serviço de transportes prestado.
Mas com inovações próprias da mentalidade portuguesa.
O investimento imobiliário tinha o inconveniente de ir ocupar dos melhores terrenos agrícolas do país, só comparáveis aos barros vermelhos de Beja, por isso tinha sido ali estabelecida, à estrada dos Salgados, a estação nacional agro-zootécnica.
Mas que era isso comparado com o brilho do senhor presidente da câmara nos comícios das suas eleições autárquicas, e o entusiasmo dos seus apoiantes?
As coisas não correram de feição.
O contrato continha uma cláusula que dizia que o Estado se responsabilizava por eventuais prejuízos do investimento.
Mas se desse lucro, o lucro era do investidor.
Isso se soube quando o primeiro ministro foi apanhado pela comunicação social na casa de férias do investidor, numa ilha que ele, investidor, tinha comprado perto de Angra dos Reis.
O primeiro ministro gostava de férias no mar.
Já no ano anterior tinha vindo nas capas das revistas de atualidades sociais noutra ilha, dessa vez grega, em casa de um rico armador grego.
Por isso, discretamente, foram deixando cair o investimento no esquecimento, explicando o senhor presidente da câmara, pacientemente, que toda a organização do território estava a ser reequacionada numa perspetiva integrada para considerar as questões associadas ao fecho da CRIL que viria da Buraca, às ligações à CREL e às vias rápidas para Sintra, e a uma linha de trolei-bus que ligaria a estação da Reboleira a um novo e megalómano centro comercial, junto do Casal da Perdigueira.
Uma capela do século XVII , na colina de um dos solares da Pontinha, que tinha sobrevivido ao terramoto, ameaçou desconjuntar-se com a escavação tão perto.
Mas foi possível estabilizar os terrenos e compor a capela. Por sinal com uns azulejos muito bonitos.
A administração do metro já tinha assim uma boa carteira de projetos e empreendimentos para apresentar ao governo e justificar a sua existencia.
Porém, o termo do seu mandato só ocorreria daí a um ano, e sabe-se que o sucesso junto da opinião pública de uma empresa como o metropolitano pesa na qualidade dos futuros cargos públicos a atribuir aos militantes que lá tenham cumprido as suas missões.
Foi então pedido ao gabinete de orçamento e financiamento que elegesse um projeto suscetivel de obter fundos europeus e que tivesse visibilidade mediática.
Poderá parecer estranho ser um gabinete de financeiros a escolher os traçados das novas linhas ou expansões da rede do metropolitano.
Os métodos de preenchimento das matrizes habitação-emprego para esboçar os novos traçados estão ao alcance de qualquer pessoa com a escolaridade obrigatória, mas a distorção urbanistica existente na região de Lisboa (com a desertificação galopante), a sobreposição de competencias com, por exemplo, a autoridade metropolitana de transportes e as câmaras, a grande diversidade de disciplinas técnicas que é necessário integrar para construir uma linha nova, são fatores suficientes para recomendar maior tecnicidade ao exercício desta função.
E esta situação já era assim havia largos anos.
As administrações achavam que a tarefa mais importante era a de arranjar financiamentos e para isso não serviam os simples técnicos especializados em construir e operar metropolitanos.
É verdade que o departamento de traçados colaborava com o departamento financeiro, mas também a esses lhes faltavam as competencias de quem tivesse experiencia na exploração ou na manutenção decomboios.
De modo que o colega economista diretor do departamento teve uma amena conversa no ministério dos transportes e de lá veio com a ideia de que uma linha de metro que servisse o aeroporto teria financiamento assegurado, porque em todas as reuniões a que o senhor ministro tinha ido na Europa lhe diziam que as capitais tinham de ter um serviço ferroviário que as ligasse ao aeroporto.
O traçado foi, como de costume, debatido apenas no círculo restrito do departamento financeiro e submetidas ao presidente da administração e ao administrador do pelouro das obras, em cada encruzilhada de decisão, as opções para o desenvolvimento do traçado.
A linha vermelha funcionava então entre a estação Alameda e a estação Oriente.
O objetivo era prolongá-la a partir da estação Oriente, eliminar o término com aparelhos de via, virar para poente numa curva com o raio de 250 metros , fazer uma estação em Moscavide, sob o viaduto, prosseguir para a Encarnação, para uma estação perto da praça da igreja, infletir para sudoeste e aportar à praça do aeroporto, construindo a estação de acesso ao aeroporto e o novo término.
No Verão de 2002 o novo traçado foi apresentado como candidatura aos fundos da União Europeia.
O senhor ministro dos transportes tomou o assunto como pessoal e foi aprovada a candidatura.
O argumento de suporte era fortissimo: tratava-se de servir o aeroporto de Lisboa, mesmo que se ocultasse o facto de que por razões de segurança aérea e de ruido urbano já havia planos para deslocar o aeroporto para fora de Lisboa.
Mas isso não era problema para a capacidade de empreendimento dos planeadores: a estação de metro do aeroporto serviria a nova urbanização emergente.
O facto de os terrenos do aeroporto terem sido expropriados para utilização como serviço público, o que implicaria chamar os herdeiros dos expropriados para negociação do empreendimento, não parecia preocupar os planeadores.
Nestas pequenas coisas se vê a utilidade e a importancia dos grupos fechados com ramificações em todos os organismos.
O facto dos administradores do metropolitano, os titulares do ministério dos transportes e obras públicas e os funcionários da burocracia europeia pertencerem ao mesmo grupo político facilitou a aprovação da candidatura.
No entanto, devemos notar que a afirmação acima, de que são importantes os grupos fechados, é uma violação grosseira dos direitos dos cidadãos à diversidade de associação e à liberdade de participação em trabalhos para o bem comum ou, se não quisermos esta expressão de cariz talvez romântico, em trabalhos de interesse público.
(Artigo 48.º da Constituição da Republica Portuguesa - Participação na vida pública:
1. Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.
2. Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.)
Então, por influencia do artigo 48, ou porque já há uns anos se tinha este procedimento no metropolitano
de Lisboa, o novo traçado circulou por todas as direções do metropolitano para recolha de sugestões e pareceres, baseados nas respetivas experiencias.
O parecer foi simples de dar.
Propus pura e simplesmente a reprovação do projeto, atitude nada conciliatória depois de tão grande sucesso na aprovação da candidatura aos fundos.
Chamei a atenção para que os projetos de traçados de linhas de metro, por razões de economia de energia e de vida útil do material circulante e dos carris e não deveriam ter curvas com um raio tão apertado, não deveriam ter desníveis tão grandes entre as suas estações (porque a energia que se consegue regenerar nos declives pondo os motores a funcionar como geradores é sempre menor do que a energia necessária para vencer os desníveis da rampa correspondente; a estação Oriente encontra-se abaixo do nível do mar e a etação Aeroporto quase à cota 100).
Considerei ainda que os terrenos junto de Oriente são aluvionares, isto é, lodos de rio, que a construção de tuneis neste terrenos é mais dispendiosa, que era preciso suspender (escorar) o viaduto de Moscavide para fazer uma estação por baixo, o que é uma boa maneira de gastar mais dinheiro na construção, quer era preciso fazer o mesmo com os dois adutores de água a Lisboa.
Que passar pela Encarnação era passar por uma zona de moradias, pouco populosa, quando Sacavem, a urbanização da Portela, Prior Velho, carecem de modo ferroviário.
Que, se o objetivo era ligar o aeroporto a Oriente, então a história do aeroporto tinhaa solução.
Isto de se ignorar a história é muitas vezes uma das principais razões de se ecolher uma má solução.
A avenida de Berlim não se chama de Berlim por causa disso, foi uma coincidencia, mas quando o aeroporto foi construido, em 1940, a doca dos Olivais funcionava tambem como aeroporto para hidro-aviões.
Então, supondo que um cidadão precisava de fazer a viagem New-York - Berlim (atendendo à guerra, não podia ser um cidadão qualquer, mas as linhas civis funcionavam, às vezes) , a primeira parte fazia-se de hidro-avião via Açores até aos Olivais. Aqui o passageiro apanhava um autocarro que o deixava no aeroporto da Portela onde apanhava o avião para Berlim.
Que tem isto que ver com o novo traçado da linha do Oriente?
Tem que a estação do Oriente está mesmo ao lado da doca dos Olivais, e que, se o passageiro queria ir de modo ferroviário urbano daí até ao aeroporto, seria simples: em viaduto ao longo da avenida de Berlim, eventualmente enterrando na praça do aeroporto para diminuir o desnível. E prolongando até ao Campo Grande em viaduto adjacente à segunda circular. Claro que nada obrigava a que o serviço do aeroporto fosse feito pela linha pré-existente. A ideia de uma rede de metropolitano é, quando necessário servir dois pontos, fazer como na geometria, definir uma linha. É da correspondencia nos cruzamentos das linhas que se forma uma rede. Com a vantagem de, se houver uma perturbação numa linha, ser possível encontrar um caminho alternativo que não prejudique os compromissos dos passageiros. Infelizmente os planeadores institucionais sempre tiveram tendencia para achar que a rede é um conjunto de linhas serpenteantes com vida autónoma, e que o ideal seria andar com os passageiros às voltas sem eles precisarem de mudar de comboio. Também infelizmente os planeadores foram criando nós de correspondencia com percursos enormes entre uma linha e outra, a pretexto de pôr lojas no caminho dos passageiros.
A construção em viaduto fica mais económica. Numa primeira fase, o material circulante pode ser ligeiro e, portanto, mais barato (por razões de segurança estrutural, os viadutos devem serr dimensionados para material pesado, não tanto mais do que 13 toneladas por eixo). Podem ser utilizados elemento pré-fabricados, o que acelera a execução. Pode evitar-se a propagação do ruido para os moradores através de barreiras acústicas. Entroncando nesta linha poderia desenvolver-se uma rede de modo ferroviário ligeiro em viaduto servindo todo o eixo longitudinal da Alta de Lisboa.
Tudo isto fez parte do parecer que deixou os colegas do departamento financeiro e orçamental muito escandalizados comigo porque mudar agora de projeto seria perder os fundos. Mas bastou-lhes ignorar o parecer e deixar chegar o Outono desse ano de 2002 para considerar aprovado o traçado.
Abençoado país em que se escolhe uma má solução porque há fundos.
Abençoado país em que há fundos para uma má solução.
E assim passámos à fase seguinte, a dos projetos do túnel e das estações para aquele traçado, desenvolvidos pelos colegas da empresa filiada do Metropolitano vocacionada para isso.
Entretanto, a administração terminara o seu mandato e o ministério quis dar um sinal de renovação que apagasse na opinião pública a má impressão do desastre do Terreiro do Paço, nomeando como presidente um técnico de prestígio entre o próprio meio da engenharia civil.
Como se diz nas artes perfirmativas, faz sempre efeito uma tirada de moralização dos procedimentos, de melhoria da gestão dos dinheiros públicos. Complementando a ação do ministério existem por trás as auditorias do Tribunal de Contas, garantindo assim aos cidadãos o escrutínio da aplicação dos dinheiros.
Infelizmente, apesar desta estrutura institucional, estamos mais ou menos ao mesmo nível da teoria do pelourinho medieval. Servia o pelourinho para expôr os prevaricadores aos olhos da população. Mas quem definia quem era prevaricador era o juiz, e o juiz podia ser o bom juiz ou o mau juiz, como se vê no fresco de Monsaraz recebendo umas galinhas como prémio. Donde recuando mais uns séculos caimos no pensamento romano de Juvenal "quem guarda o guarda?". Deixem-me dizer que é necessária a existencia da dualidade de ação e de escrutínio, quem faz o projeto e quem o verifica, quem executa a obra e quem fiscaliza, quem é responsável pela obra, o metropolitano, e quem examina as contas , o Tribunal de contas.
É necessário que o guarda de Juvenal guarde e que tenha outro guarda a guardá-lo. É necessário que existam o juiz e o pelourinho.
Mas não é suficiente, como se verá a seguir.
Não basta haver um orgão institucional para a ação e outro orgão para o escrutínio.
Dezasete séculos depois de Juvenal a humanidade encontrou um método para tentar resolver este dilema. Ficou nos manuais de história conhecido como método científico. Sistematizado por René Descartes mas já aplicado com o nascimento da academia britânica das ciências: tudo o que cada membro descobrisse era obrigado a pôr em comum para que do conhecimento participado e inter-ativo pudesse haver progresso.
Porém, a dificuldade de apreensão e de aplicação dos conceitos e a força passiva da burocracia institucionalizada impedem que se resolvam as questões com a ciência na equação.
De que serve a dualidade se quem decidiu e quem fez o projeto do traçado não quis estudar alternativas, e se quem fiscaliza a aplicação dos dinheiros não sabe como se faz um projeto, como se consideram as disciplinas técnicas que contribuem para ele?
A solução é mesmo científica. As escolas técnicas têm capacidade para dotar os seus licenciados (agora diz-se mestres) com as competências suficientes para resolver os problemas, mas não combate a sua inibição em integrara as disciplinas especializadas E as formas de organização institucionais ainda menos combatem essa inibição.
Fica assim o espaço aberto para quem fez carreira nos grupos de influencia.
Com todos os riscos que isso tem, de afastar as competencias técnicas dos territórios das resoluções.
Volto a dizer: a solução é, para além da dualidade de orgãos que se controlem mutuamente, o exercício das competências técnicas de acordo com o método científico.
Mas como se disse, o critério de escolha do presidente da administração pelo ministério foi o do prestígio junto dos orgãos da classe técnica.
A primeira escolha não aceitou porque se incompatibilizou imediatamente com o indigitado vogal do pelouro das finanças. Estava-se no período de encerramento do inquérito sobre o desastre do Terreiro do Paço e por isso o ministério tinha de harmonizar com todas as forças políticas os elementos da solução.
A segunda escolha formou par com novo indigitado pelo principal partido da oposição para o pelouro das finanças.
O novo presidente iniciou a sua função moralizadora com um discurso duro dirigido aos colegas dos projetos e das obras.
"Esta é uma casa inquinada por uma prosmicuidade entre quem faz os projetos e quem faz a fiscalização. Há leis contra isso. Esta é uma casa cheia de esquemas".
Imagino que estas frases, publicadas em jornais, satisfariam o apetite de pelourinho dos leitores e elevariam o presidente ao pedestal de justiceiro.
Mas para quem estava no interior da casa foi apenas um insulto.
Provavelmente o presidente quereria referir-se a ofertas de alguns grandes empreiteiros a fiscais de obra e até a alguns técnicos. Mas como poderia ele provar fosse o que fosse se ninguem passa um recibo a dizer "declaro que recebi um mercedes por serviços indevidamente prestados para fechar uma receção provisória"? Nem os próprios colegas podiam provar. E os procedimentos formais de conferencia de medições e de faturas eram cumpridos. Ainda aqui, a unica garantia contra qualquer foma de corrupção é a formação moral dos atores.
Mas as grandes empresas são assim. A onda de emoção é absorvida e a estrutura move-se em função dos objetivos. Mal e descoordenadamente mas move-se.
Os projetos da obra do tunel e das estações foram-se desenvolvendo, cm todas as dificuldades geotécnicas da zona, e o presidente introduziu uma inovação no Metro. A verificação dos projetos seria feita por uma empresa do exterior. Era de facto a primeira vez que tal acontecia e a fundamentação foi a mesma: combater a promiscuidade com o empreiteiro e entre projetistas e fiscais.
Foi selecionado um destacado gabinete de engenharia dirigido por um influente membro dos orgãos da classe técnica.
Entretanto, desenrolavam-se, lentamente, os processos de expropriações, desde hortas com poços até campos de futebol e de ténis, cada um pondo mais um atraso na obra.
Dois anos passaram.
O gabinete de verificação fizera as suas revisões. O processo de aprovação ambiental tinha seguido os seus tramites. O concurso publico para a execução da obra foi lançado.
Foi então que o presidente a conheceu. Ela era a principal acionista de uma das empresas que concorria e destacava-se na análise dos pormenores dos projetos. Foi ela que chamou a atenção para o inconveniente do tunel passar demasiado perto das caves das moradias da Encarnação, gerando ruido e vibrações de incomodidade à passagem dos comboios.
Era muito dificil resistir aos seus encantos. Imagine-se uma top-model com o curso de engenharia civil e a capacidade de um guru da Harvard Businness para gerir uma reunião . Aliás, o pai, o fundador da empresa, tinha-a mandado para uma pós-graduação em Harvard plena de sucesso.
O presidente concordou com a argumentação. Muito recentemente tinham sido realizadas medições de vibrações e ruidos em casas próximas da rede em serviço, e os resultados tinham sido desastrosos. Tinham sido ultrapassados os valores normalizados como toleráveis. O presidente não queria novas situações dessas.
Deu instruções para os projetistas rebaixarem 8 metros a posição da estação Encarnação.
Protestei quando soube. Fiz uns pequenos cálculos com os custos adicionais de exploração devido ao maior consumo de energia elétrica na iluminação da futura estação, na ventilação, nas escadas mecânicas e elevadores, por ter mais 8 metros de profundidade. Juntei os consumos adicionais de energia de tração por aumento do desnível com a estação do Aeroporto.
Achei, por ser da competência dos colegas de engenharia civil, que não devia fazer as contas aos gastos adicionais da escavação e da construção, embora fosse uma conta simples multiplicar o volume correspondente aos 8 metros pelas poucas centenas de euros do custo unitário por metro cúbico.
Esforço inútil. A decisão estava tomada e os projetos foram alterados.
A empresa dela não ganhou o concurso, mas as moradias que tinha comprado antes do processo e onde tinha já instalado alguns serviços valorizaram-se. Podem agora ser demolidas e, no seu lugar, erguer blocos de habitação e escritórios com parques de estacionamento subterrâneo de grande profundidade.
A troco de mais umas despesas de exploração do metropolitano de Lisboa.
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