1 - Às 8:30 da manhã de todos os dias de Verão, um pequeno trator passa por todos os pontos de depósito de lixos da praia. Um senhor já de alguma idade pára e recolhe os sacos de lixo. Cada saco terá cerca de 200 litros de volume e ele vai carregando o pequeno trator. Depois segue calmamente. Quando passa por mim, já em terreno firme, são 3 sacos que vão pendurados à frente, sobre a tampa do motor, 2 em cada ilharga e outros 3 atrás. Parece um caracol que se vai arrastando. O pequeno trator terá sido comprado pela câmara de Vila Real de Santo António antes do ditado da troica e das ultimas eleições, mas já revela a vontade de economizar nos meios, pese embora não ter as características ideais para a função. Igualmente a idade do senhor, que parece já ter ultrapassado a idade atualmente legal da reforma, mostra a vontade de aproveitar até à ultima os recursos. Temos portanto aqui um bom exemplo de cumprimento do espírito de austeridade que nos anima.
E, para o ano, pode ser que se pratique o ideal utópico: cada um leva o seu lixo para casa ou para o posto de reciclagem mais próximo (na realidade, a recolha de lixo, tal como a distribuição alimentar a retalho, é um bom exemplo de que a taxa de centralização tem limites);
2 - às 4:00 de uma madrugada deste Verão um utilizador do facebook foi fotografado no interior da discoteca desmontável Manta Beach. Tem um ar feliz. Por isso quando se sentou ao computador colocou a fotografia no facebook com a seguinte legenda: "Eu no Manta Beach. Eu sou alguem". Se não me engano, estamos perante a emanação de um ato coletivo de catarse e de um fenómeno de integração e socialização na normalização. Isto é, a espécie humana no período da juventude, que neste momento se prolonga até aos 40 anos, segundo o psiquiatra Quintino Alves, precisa de se aturdir (quando não precisa de estar no emprego a horas precisas, ou porque está de férias, ou porque está no desemprego, ou porque se dedica a expedientes) para não ter de pensar muito na razão das coisas e nas circunstancias em que elas acontecem.
E sim, estar no Manta Beach é um simbolo de sucesso, do que se deve perseguir, dentro do espírito da normalização dos grupos.
É interessante verificar que são as próprias câmaras municipais que passam as licenças de ruido a este tipo de discotecas. E as licenças são para toda a noite e madrugada. Que é como quem diz, entrega-se o ouro da defesa da lei do ruido aos bandidos que se servem das discotecas para fazer ruido.
Dizem os senhores presidentes que assim animam as povoações (férias não é para descansar? com tantos livros que Almada Negreiros nunca pôde ler, há falta de entretenimento nas férias?). Mais animados ficam os senhores empresários (até porque, se houver endividamento, como em Portimão há dois anos, lá está a Câmara para salvar o empreendimento), apesar do conflito entre os empreendedores das discotecas desmontáveis de Verão e a associação dos empresários das discotecas fixas (questiunculas corporativas possivelmente).
Mas a verdade é que enquanto os jovens até aos quarenta anos estão nas discotecas de verão até às 7:00 e a pôr fotografias no facebook não estão a partir montras e a incendiar lojas como no Agosto londrino.
Dir-se-ia que uma politica de emprego e de sucesso escolar e de formação profissional seria mais vantajosa, mas os senhores economistas que nos governam não são da mesma opinião, e esperam que o mercado resolva isto, depois de se cortarem as despesas do estado, claro.
É pena.
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