sábado, 27 de agosto de 2011

Microensaio de teoria económica



É intrigante como as pessoas altamente qualificadas nos lugares decisórios da política e da economia, apesar das suas altas qualidades, não conseguiram evitar a situação de crise que se vive.
Podemos interrogar-nos quão pior seria se essas pessoas não fossem tão qualificadas.
Mas a verdade é que também se pode pôr a hipótese dos seus conhecimentos serem limitados em várias áreas de tal modo que o desconhecimento de princípios ou leis fundamentais vai condicionar os resultados das suas ações.
Por exemplo, um dos principais argumentos da teoria económica neo-liberal (os neo-liberais não gostam nada que lhes chamem neo-liberais, mas se associarmos a designação liberal a Adam Smith, que condicionava o interesse egoísta ao interesse coletivo, vemos que a teoria atual, que privilegia apenas o interesse egoísta, deverá levar mesmo o prefixo neo) é o de que as variáveis económicas são em tal número e as relações entre elas são tão complexas, que é impossível controlá-las ou orientá-las (a elas e ao mercado) num sentido que se pense ser útil à comunidade.
A conclusão é, então, expressa pela fórmula “deixar funcionar o mercado”.
Isto é erigido de uma forma religiosa e fundamentalista em dogma indiscutível, demitindo-se estes economistas da tarefa de transformar o que for possivel.
Como exemplos, temos:
- a resposta de Greenspan às sugestões de regulação do mercado financeiro quando da aproximação da crise de Setembro de 2008: “Não podemos intervir, porque isso seria regular o mercado e não devemos regular o mercado” (fonte: Inside Job).
Só o fundamentalismo poderá justificar que pessoas inteligentes digam uma redundância e uma petição de principio destas (o fundamentalismo funcionará assim como uma indulgência que justifica a generosidade do sistema financeiro para com o seu servidor na reserva federal norte-americana)   
- a justificação de Ângela Merkel contra as eurobonds: “Não devemos emitir eurobonds porque não é solução”).
- a decisão do atual primeiro ministro português de cortar na despesa pública interrompendo obras em curso, decisão essa anunciada ainda como candidato, sem ter conhecimento das contas de cada obra e dos prejuízos da sua interrupção,  insistindo continuamente na mesma petição de principio, de que as obras “serão reavaliadas” (costuma-se parodiar esta atitude dizendo: “faça-me aí um relatório e uma reavaliação para provar aquilo que eu quero”)
A teoria económica não neo-liberal tem o cuidado de esclarecer que o mercado não funciona convenientemente, obrigando a mexer na linha divisória da área privada e da área pública, sempre que:
- há escassez (por exemplo, de fontes de energia primária ou de bens essenciais)
- há assimetria de informação (por exemplo, ligações preferenciais de um concorrente à aquisição de um banco relativamente a outros concorrentes)
- há externalidades que afetam a coletividade (por exemplo, a emissão de gases com efeito de estufa)
A estes três argumentos, são os economistas neo-liberais surdos e insensíveis aos sacrifícios que as suas politicas possam causar aos seres humanos.
Por exemplo, as medidas ditas de racionalização que impõem, conduzem ao aumento do desemprego e ao insucesso escolar, contrariando assim frontalmente a declaração universal dos direitos humanos.
Mas voltando ao conjunto numeroso de variáveis económicas de elevada complexidade no seu inter-relacionamento, há uma analogia interessante com a física.
Perante sistemas físicos de complexidade semelhante, os físicos e os engenheiros adotam técnicas de resolução de problemas como a decomposição em estados simples, fixando um conjunto de variáveis e simulando a variação das outras, ou o recurso a métodos probabilísticos, estatísticos e co-relacionais.
A hipótese justificativa para o comportamento dos economistas que ignoram estas técnicas é a de que elas são posteriores a Adam Smith, pelo que terão parado no tempo.
No tempo de Adam Smith não se construíam arranha-ceus porque não se dispunha da tecnologia de materiais resistentes. Na verdade, é impossível reproduzir com rigor absoluto o comportamento de todas as variáveis aerodinâmicas sobre um arranha-ceus e de todas as variáveis da resistência dos seus materiais. E contudo, como dizia Galileu em frente de outros fundamentalistas, os arranha-ceus constroem-se, compensando a lei da gravidade e as leis aerodinâmicas dos efeitos dos ventos sobre os obstáculos.
É uma pena estarmos dependentes de economistas tão altamente qualificados na sua teoria económica, mas tão temerosos nas politicas do emprego e do aproveitamento do material humano.


Trichet e Bernanke na reunião de Jackson Hole (que sitio para fazer uma reunião destas!)



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