Existe uma incongruencia nesta descrição.
Entra uma turista portuguesa numa ourivesaria em Vila Real de Santo António e pede para ver uns brincos de ouro.
É uma ourivesaria familiar, vocacionada para comercializar a preços razoáveis, especialmente junto dos turistas andaluzes, peças tradicionais da ourivesaria portuguesa.
Mas insisto que há uma incongruencia nesta narrativa.
À pergunta da turista portuguesa responde a dona da loja que deixou de vender ouro, que agora só vende objetos de prata. Que com tantos assaltos não quis correr riscos, e que lamenta que toneladas de ouro tenham sido roubadas, fundidas e saido de Portugal. Não é um estudo de especialistas, é o parecer de uma profissional.
Há uns anos iniciou-se um ciclo de ataques sistemáticos a ourives.
Desde assaltos na estrada a ourives-feirantes, uma das mais antigas profissões tradicionais, até ao assalto de Viana do Castelo, a dois quarteirões de distancia duma cimeira em que o então ministro da administração interna gabava as suas, dele e só dele, soluções de segurança.
Veio depois a moda das lojas que compram ouro usado, mas os assaltos continuaram.
Com a justificação de que a cotação do ouro tem subido.
Sempre com a impávida e sobranceira ignorancia da realidade por parte do senhor ex-ministro.
Queixa-se o atual governo de que em pouco tempo que leva no exercicio do poder ainda não teve tempo para resolver os grandes assuntos.
Mas discutem-se tantos assuntos, que é muito estranho não apresentar o novo ministro da administração interna um plano de intenções para combater os assaltos às ourivesarias.
Então não nos admiremos que a ourivesaria de Vila Real de Santo António tenha deixado de vender ouro.
Ou, voltando ao novo senhor ministro, talvez não se estranhe.
Primeiro porque a ideologia do atual governo não gosta que se denuncie a correlação entre o desemprego e o vandalismo, porque o desemprego não é combatido, num contexto como o atual, pelo mercado livre; logo, o mercado livre estimula o vandalismo, e isso não é compatível com o ar competente que o senhor ministro gosta de aparentar.
Segundo, porque o senso comum, a quem os senhores ministros gostam de agradar, embora o senso comum se deixe enganar com facilidade, que por isso é comum (o senso comum acha que dez quilos de ferro dentro de uma caixa igual a outra em que está um quilo de algodão caem mais depressa do que o algodão), fica mais tranquilo quando se diz que o corpo policial foi reforçado (o senso comum não acha necessário fazer um segundo raciocínio, que é reconhecer que mais vale prevenir que remediar, e tentar estabelecer uma relação entre o desemprego e a criminalidade).
Mas há outra noticia deste verão.
Continuam os assaltos a turistas ingleses em Albufeira, durante a madrugada.
Parecem atos de xenofobia, porque embora haja portugueses assaltados, são em minoria.
Lá veio a declaração de que os policias destacados foram reforçados, mas os senhores que detêm o poder decisório não vêm a público debater as causas e as circunstancias sociológicas que podem explicar isto e tentar atenuar o efeito.
Este blogue, para quem politicas de combate ao desemprego e ao insucesso escolar deveriam sobrepôr-se às politicas de austeridade porque defendem os direitos humanos conforme a respetiva declaração universal, interpreta estes sinais como politica de terra queimada.
De passagem, anota-se que neste momento está presa 0,13% da população do país (isto é, se quisermos dividir a população em grupos de 750 elementos, por cada grupo terá de se mandar buscar uma pessoa à prisão) e o numero de presos aumenta 16% por ano (um dia estará toda a população presa, se a taxa se mantiver?).
Há um deixar andar, um laissez-faire, laissez-passer (outro erro do senso comum quando se pôs a interpretar Colbert; Colbert não defendia a utilização universal do laissez-passer; e o seu laissez-faire só existiu na cabeça de quem veio depois) que já foi experimentado noutros paises.
Os resultados são conhecidos.
São a organização em condominios armados.
Quem não quiser ser assaltado move-se nos locais protegidos, onde a presença de marginais é imediatamente detetada e combatida; mas só pode lá mover-se se tiver rendimentos para isso.
Parafraseando um antigo ministro da saúde da mesma sensibilidade politica do atual governo, quem quer segurança, paga-a.
Evidentemente que este blogue não pode apoiar esta politica, apesar da privatização das prisões ser um negócio apetecível.
Porque esta politica é contra a declaração universal dos direitos do homem.
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