domingo, 13 de maio de 2012

A crise explicada às crianças




Fico um bocadinho de pé atrás com os livros que explicam às criancinhas as coisas económicas.
Não gosto do livro de João César das Neves quando dá o exemplo do egoísmo do padeiro como resposta à necessidade do pai da criancinha encontrar pão para ela, esquecendo a outra parte da ideia de Adam Smith, que o padeiro deve ter uma responsabilidade social.
Com o novo livro ilustrado de João Miguel Tavares, "A crise explicada às crianças", continuamos a discutir se se deve ser de esquerda ou de direita. Mas reconheço que não era possível apresentar no livro cálculos fundamentadores de medidas a tomar para atenuar a crise e que a ideia do livro, apresentando duas perspetivas opostas, é interessante (problema: vai induzir as criancinhas a perguntar qual o lado dos bons e o dos maus; quando se devia retirar de ambos os lados aquilo que pudesse contribuir para a solução).
O défice é o urso guloso que se endivida, o mel é o capital e os mercados são as abelhas laboriosas.
O senhor ministro das finanças teve a simpatia de apresentar o livro e, obviamente, disse que a culpa tinha sido do urso.
Isto de andar à procura de culpados também não me parece saudável para as criancinhas, bem basta a inserção no subconsciente da culpa do pecado original, que porque ninhuem o viu tem mesmo de ser subconsciente.
E questionado sobre a questão do desemprego, nada disse.
Mas digo eu.
O desemprego foi aquela doença inexplicável e inesperada (do ponto de vista da direita, claro) que atacou as abelhas e arruinou a maioria das colmeias dos apicultores norte-americanos e levou a que houvesse mel insuficiente para repor aquele que tinha sido consumido. Ou dito de outra forma, a toxicidade do mel acabou com a saúde dos mercados.
Quanto à inexplicabilidade da doença, os especialistas estudaram o assunto e concluíram: alguns pesticidas tinham um componente que provocava degeneração das abelhas, tornando-as incapazes de produzir o mel necessário.
É isso, os mercados não podem ser deixados entregues a eles próprios, que se arriscam a criar produtos tóxicos para eles próprios. Só precisam de uma pequena ajuda do urso imprudente para completar o quadro da tragédia.

Mas pode ser que urso e abelhas ganhem juízo.

http://sicnoticias.sapo.pt/economia/2012/05/12/vitor-gaspar-explicou-crise-as-criancas-mas-esquivou-se-a-perguntas-para-adultos

PS em 21 de maio de 2012 - Fiquei chocado quando recentemente li a notícia de que a produção de mel em Portugal cairá muito este ano devido ao período de seca (falta de água , florescimento fora de tempo e crescimento excessivo e não sustentável dos enxames). Depois de há tempos se ter verificado uma corrida à compra de enxames e ao seu roubo por incapacidade de responder à procura, estamos agora na situação de ter de importar mel.
É possível que o autor do livro da crise explicada às crianças pondere que afinal não é bonito estar a atirar com as culpas para cima do urso, que não tem culpa nenhuma da seca. Tampouco as abelhas têm culpa da seca. Isto de causas externas é assim.
Algures, onde pelos vistos autor, ilustrador, apresentador, leitores e comentadores ainda não vislumbram, haverá um ponto de equilíbrio entre o urso, as abelhas  e o mel.
PS em 5 de junho de 2012 - dada a proximidade do tema, convirá ver este "post" em conjunto com o de Victoria Grant, uma criança a discursar sobre a crise:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2012/06/victoria-grant-public-banking-institute.html
Imaginemos a contrariedade do autor e do seu ministro das finanças se a menina Victoria tivesse intervindo na sessão de lançamento, a criticar o aumento dos impostos que o urso tem de pgar para os juros do mel poderem subir...




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