sábado, 5 de maio de 2012

O custo marginal de uma garrafa de whisky

Devo isto ao professor Daniel Barbosa, que dava aulas de economia no IST nos anos 60.

Vamos que uma destiladora produz  500.000 garrafas de whisky por mês (é uma hipótese).
O custo unitário poderá ser de 3 unidades de conta à saida da fábrica (é uma hipótese).
Mas eis que a empresa produtora, beneficiando das potencialidades da sua maquinaria, aumentou a produção para 700.000 garrafas.
As primeiras 500.000 garrafas ficaram-lhe ao custo unitário de 2,8 unidades de conta e as restantes garrafas ao custo de 0,8  unidades de conta.
Vamos também que a destiladora vende as 500.000 garrafas aos distribuidores escoceses ou irlandeses a 3,1 unidades de conta a garrafa, mas vende aos importadores portugueses as 200.000 a 0,9 unidades de conta.
Os distribuidores agravarão com os custos de transporte e as suas margens de lucro.
Poderão por exemplo vender a garrafa a  8 unidades de conta, com um lucro da ordem de 8 - (0,9 + transporte + armazenamento) ~ 6 unidades de conta.
Eis que alguem da distribuidora portuguesa se lembra de "oferecer" um desconto de 50% sobre as garrafas de whisky que vende por 4 unidades de conta.
Reduziu portanto o seu lucro para 2 unidades de conta.
É dumping?
É; porque se tivesse comprado as garrafas pelo seu preço médio à saida de fábrica (2,47 unidades de conta) estaria a vendê-las por preço inferior aos custos de produção.
Mas facilmente apresentará à entidade "reguladora" um papelinho em como as comprou a 0,9 e teve com elas custos de 1,1 de transporte e armazenamento.
E a "reguladora" que não pense em fazer voz grossa ao fabricante escocês ou irlandês, porque este apresentará outro papelinho, à "reguladora" da terra, comprovando que aquelas 200.000 garrafas foram produzidas a 0,9 unidades de conta cada, o chamado custo marginal, fruto da produtividade e rendibilidade devidas à escala da produção.

Isto é, apesar das almas crédulas nas virtudes dos mercados a funcionar livremente, que repetem como a personagem de Armando Cortês num programa de passagem do ano dos tempos da televisão monocanal "o que era bom era que a televisão transmitisse"- o que era bom era que a reguladora regulasse,  "isto", como se diz em linguagem corrente, não vai com "regulações".
Como André Macedo, do DN e Dinheiro Vivo diz hoje, o problema não está nos descontos nem no dumping, o problema está no duopólio Pingo Doce - Continente.
Podem os cidadãos crer firmemente que com a concorrencia ficam a lucrar, mas não ficam; os preços baixos do Pingo Doce devem-se a uma escandalosa predominancia de importações que contribuem para o aumento do endividamento de todos nós.
E vamos todos assistindo à luta dos dois campeões, à espera que um deles caia para o lado, para que o vencedor possa subir os preços à sua vontade (caminho seguido pelos estaleiros sul-coreanos na construção naval).
Pena os nossos decisores não repararem no sistema norte-americano, com as suas leis anti-cartel, fruto da experiencia com o funcionamento dos mercados, em vez de insistirem em taxas que as distribuidoras duma maneira ou outra encaixarão umas vezes nas suas largas margens de lucro, e outras vezes farão subtilmente repercutir nos custos dos consumidores.
Já o profeta do Jordão dizia que os economistas dos grandes grupos, perdão, os filhos das trevas, são muito mais inteligentes que os filhos da luz.
E os consumidores deixam-se alegremente embalar pelo canto da sereia dos descontos e da concorrencia, mas pagando, enquanto comunidade, o predomínio corrosivo das importações.


Sem comentários:

Enviar um comentário