O sorriso das jovens voluntárias a distribuir sacos de plástico vazios à entrada do grande supermercado e a recolhê-los cheios à saída encantou-me.
Por esse país fora, quase 40.000 voluntários em cerca de 1600 supermercados.
Em Portugal temos um problema de comunicação, que neste blogue já se atribuiu a algum problema genético associado às especificidades da linguagem e da localização geográfica, ambas com carater periférico.
Daí a senhora diretora do banco alimentar , Isabel Jonet, ter dificuldade em expressar-se e os ouvintes de interpretar.
Mas não vou comentar as afirmações, as interpretações e os esclarecimentos.
Vou apenas notar que o banco alimentar utiliza técnicas típicas de situações de emergência que podiam ser úteis para os preclaros técnicos financeiros que detém o poder no governo atual.
São técnicas usadas há muito pelas pessoas que se vêem em situações difíceis.
1 – a ideia de ir a um local onde as pessoas estão a comprar alimentos é eficaz porque, desde que o comprador não seja psicopata, é capaz de sentir compaixão, isto é, imaginar o que sente quem não pode gastar dinheiro no supermercado para se alimentar; logo, é mais fácil convencê-lo a pagar uma pequena contribuição (já se contou neste blogue o episódio de pedir esmola dentro do próprio supermercado). Esta é a técnica usada nas esplanadas dos restaurantes, em que o cliente fica com a digestão perturbada se não der uma moeda ao pedinte. Estes locais serão mais rentáveis do que à saída das igrejas, uma vez que, no entender de António Lobo Antunes, conforme a sua crónica sobre a caridadezinha, as ajudas nesses locais são mais personalizadas, isto é, cada tia de António Lobo Antunes tinha um pobre só dela.
Foi então proposto ajudar a pagar a divida deste país através de uma ideia semelhante. De cada vez que um cidadão fosse ao multibanco, seria canalizada para o Estado uma percentagem do levantamento ou do pagamento efetuado na máquina ATM. A proposta foi feita publicamente mas aconteceu o mesmo que à proposta da taxa sobre as transações financeiras. Não se ouve falar delas, embora os senhores porta-vozes do governo atual insistam até à exaustão que ninguém faz propostas alternativas (mais outro exemplo de dificuldade de comunicação).
Poderia até pôr-se a hipótese de concessionar este sistema de recolha de fundos ao banco alimentar para gerir investimentos reprodutíveis, na perspetiva do “não me dês o peixe, dá-me uma cana e ensina-me a pescar” e assim acabar com a recolha e distribuição de alimentos.
2 – reparei também que nos supermercados havia também uns vales do banco alimentar que podiam comprar-se nas caixas. Com estes vales o banco alimentar pode depois ir aos supermercados comprar alimentos pelo seu valor. Aplausos para a ideia. A senhora diretora do banco alimentar fez o que as população em apuros faziam durante as crises da revolução industrial e de guerra, ou, em épocas de melhor organização social, as grandes fábricas faziam. Na fábrica de cimentos da Maceira, fundada pelo tio de António Champalimaud, as famílias dos operários habitavam casas da empresa e abasteciam-se com cadernetas de senhas na cantina da povoação. Salvo melhor opinião, a transação destes vales equivale à emissão de moeda. A grande vantagem é a obrigatoriedade dela circular, caso contrário perde valor por depreciação convencionada ou por limite de validade. E estamos caídos na velha anedota do turista que reservou o quarto de hotel com uma nota de 50 euros, o gerente saldou a divida que tinha ao canalizador, o canalizador ao fornecedor, o fornecedor à cortesã e a cortesã ao hotel, de modo que, quando o turista voltou ao hotel, desistiu da reserva e recuperou a nota de 50 euros, todos ganharam. Este sistema funciona com a condição de, na zona por onde circula o “vale” (tudo se passaria da mesma forma se o gerente tivesse guardado a nota de 50 euros e tivesse passado um vale de 50 euros cuja validade fosse reconhecida pelo canalizador, pelo fornecedor e pela cortesã) , as importações serem menos do que as exportações (economia auto-suficiente).
Ora aí está outra grande contribuição do banco alimentar como proposta para sair da crise (aliás, as cadernetas de racionamento, os vales de desconto, os cheques oferta, e as senhas de refeição são também, salvo melhor opinião, emissão de moeda).
Se o BCE não quer emitir moeda, então a sociedade civil poderá substitui-lo e emitir moeda particularmente (não haverá pressões inflacionistas nem se violaria nemhum rácio empréstimo/depósito se antes da emissão do vale se cativasse o dinheiro correspondente – trata-se da tese do economista Sílvio Gesselli, posta em prática com êxito em 1933 na vila austríaca de Worgl, mas proibida pelo banco central austríaco,como se pode confirmar em breve pesquisa na Internet).
Este blogue já tinha falado na criação duma moeda específica, conforme a sugestão dos economistas aterrados, o que até nem seria difícil com utilização não de cadernetas carimbadas, mas de cartões com circuito integrado (cartões sem contacto) e registo de débito.
Seria delicioso ver a cara irada dos burocratas do BCE a mandar avançar os exércitos nacionais a impedir que as populações locais criassem os seus próprios “vales” de dinamização da economia… e a resolver a crise (desde que não se importasse mais do que o que se produzisse).
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