Fidalgos decadentes de ascendência visigótica nas Astúrias do tempo da “Reconquista”, imaginados por Eça de Queiroz no conto “O tesouro”, que o programa de Português no meu tempo nos obrigava a ler.
Não guardo recordações amigas do meu professor, embora com a distancia lhe tenha reconhecido o valor dos seus conhecimentos.
Mas no caso deste conto, só nos chamou a atenção para a elegância da escrita, a correção formal e o simbolismo implacável que até se poderia considerar moralista.
Difícil posição a dum professor de Português perante adolescentes de 13 anos.
Por um lado, havia que preparar as crianças para a economia da selva em que iriam trabalhar (sim, desde a instrução primária que ouvi dizer que o mundo é uma selva e por isso tínhamos de estudar para conseguir bem estar), mas por outro, havia que disseminar a mensagem que a ganância pode deitar tudo a perder.
Era a moral do conto: depois de descobrirem um tesouro na mata de Roquelanes, um dos irmãos é enviado à povoação para comprar comida e bebidas para celebrar, os outros dois matam-no no regresso para aumentarem o quinhão, e um deles mata o outro. O último irmão morre porem ao beber o vinho que o primeiro tinha envenenado para matar os outros dois. E Eça de Queiroz termina o conto, aguçando a nossa curiosidade: “O tesouro ainda lá está”.
Não ocorreu ao meu professor de Português dar-nos a lição de que a originalidade (ou em termos de “economês”), a inovação não é o essencial.
Que se deve desconfiar quando alguém aparece com uma inovação redentora e competitiva.
Mas ter-lhe-ia ficado bem informar-nos que a história não era mesmo original, que talvez Eça a tenha ouvido no Oriente, aonde foi para assistir à inauguração do canal do Suezm, perder-se de amores pela rainha de Sabá (As minas de Salomão) e escrever umas reportagens ferinas sobre o colonialismo britânico no Egito e no Afeganistão.
A história é uma das tradições islâmicas referidas ao magistério do profeta Jesus (é, para o Islão,Jesus Cristo e um profeta integrado na tradição de Abraão), precisamente para lutar contra a ganância.
Depois há referencia da mesma história nos Contos de Canterbury, de Chaucer, século XIV.
E ainda no reportório moralista do convento de Alcobaça no século XV, o Horto do Esposo, referindo claramente que a atração pelo dinheiro é a raiz de todos os males (“radix malorem est cupiditas”) – as coisas que se lêem na internet …
Goldman government Sachs não gostaria que os meninos lessem um conto assim durante a sua formação.
Nem tão pouco os ministros e os economistas que enchem a boca com a competitividade e a inovação.
De facto, não digo que se combata de modo fundamentalista a vontade dos acionistas e dos credores de obter lucro, mas uma discussão aberta e participada seria um bem para todos.
Para os que recebem os lucros, embora reduzidos, que estamos em crise, como para os produtores diretos ou beneficiários indiretos, a quem já se lhes reduziu muito.
Seria um bem debater as coisas com argumentos e cálculos fundamentados, em vez de querer envenená-las.
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