domingo, 16 de dezembro de 2012

A propósito de Mario Draghi e das privatizações

Transcrevo declarações do senhor presidente do BCE, Mário Draghi neste dezembro de 2012:
“Desistir agora [das políticas de austeridade] como alguns sugerem seria estragar os imensos sacrifícios feitos pelos cidadãos europeus”
“Os países com dívidas e défices elevados devem compreender que perderam a sua soberania em detrimento das suas políticas económicas de um mundo globalizado. Trabalhando juntos numa união orientada para a estabilidade significa recuperar a soberania”
“O acordo sobre o mecanismo de supervisão bancário europeu único irá contribuir para uma união económica e monetária estável”.

Embora lamentando que o BCE não atenue as medidas de austeridade que afetam as vitimas da crise  e não os seus determinantes principais (as entidades financeiras que primeiro especularam e depois foram resgatadas com dinheiros públicos contribuindo para agravar  a recessão que fez diminuir as receitas fiscais), registo a evidencia da perda de soberania e congratulo-.me com “a união económica e monetária estável”.
Mas tenho de registar também que desde Setembro de 2010 o manifesto dos economistas aterrados  (ver em
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2010/10/economicomio-lxii-as-22-medidas-dos.html      )
vem defendendo o reforço da intervenção do BCE  para a estabilização da tal união económica, para o que propôs 22 medidas concretas.
È verdade que por razões ideológicas o poder politico da UE não quer aceitar muitas dessas medidas, e as que vai aceitando é a custo. Mantêm-se os fundamentalismos (embora não esteja aqui a usar o termo no mesmo sentido que o senhor ministro da Economia lhe atribui) da minimização das entidades púbicas e da subordinação à livre concorrência, mesmo quando tecnicamente do ponto de vista da engenharia, como no caso da produção e distribuição de eletricidade e dos transportes, haja contra-indicações.
Não me parece que o conceito de supervisão e de regulação seja adequado porque para isso é preciso “know-how” e este vai sendo retirado às entidades públicas pelos fundamentalistas, até ser insuportável a promiscuidade entre o poder politico e o poder económico-financeiro-bancário.
Talvez que se explicasse bem aos eleitores europeus a origem da crise e da recessão (europeias, uma vez que a pequena economia portuguesa e os disparates do senhor ex-primeiro ministro Sócrates nunca poderiam por si sós provocar uma crise tão grande), a facilidade com que o capital foge para as off-shores enquanto os pensionistas e os trabalhadores por conta de outrem não o podem fazer (ainda agora o presidente da Google veio gabar-se de ter economizado 1.500 milhões de euros de impostos por pagar impostos numa off-shore nos Barbados e não em Inglaterra), talvez que os eleitores deixassem de votar nos mesmo ideólogos que estiveram por trás da crise e da recessão e que agora aplicam as medidas de austeridade recessiva.
Talvez que se se voltasse a falar na gestão inteligente da linha de separação variável entre a atividade privada e a atividade pública de que Melo Antunes falava, sem fundamentalismos nem fé cega em teorias, com análises isentas de subordinações partidárias ou de subordinações aos lucros das off-shores, talvez que se pudessem ir aplicando mais medidas concretas para ir resolvendo as coisas.
Por isso Portugal deve continuar na UE e na zona euro, para defender os interesses das comunidades e não das entidades financeiras.
Analogamente ao que Melo Antunes fez: manteve-se como operacional , vigiado de  perto pela PIDE, num exército que fazia uma guerra colonial, até chegar a altura de acabar com a guerra colonial (ver “Biografia politica de Ernesto Melo Antunes”, de Maria Inácia Rezola, no suplemento Q do DN de 15 de dezembro de 2012).
Mas falo nisto apenas como analogia, comparando o obscurantismo de antes do 25 de Abril com o obscurantismo dos atuais governantes.
(Notas:
1 - a simples medida de taxação das transações financeiras continua sem avançar em Portugal, apesar de já adotada noutros países; é verdade que o volume de negócios da banca de Lisboa está a baixar (30% num ano) e que a adoção dessa taxa poderia agravar essa redução, mas se considerarmos a estimativa de 20 mil milhões de euros para 2012, uma taxa de 2,5% daria uma receita fiscal de 500 milhões de euros
2 – o fundamentalismo privatizador não se verifica apenas na TAP, na ANA e na RTP (não se deve vender em período de baixa, não se deve vender o que está a dar resultados positivos dizem os manuais; e não se deve vender o que é serviço público, dizem mais de 25% de eleitores). Vem agora a senhora ministra do Ambiente dizer que a Empresa Geral do Fomento, sub-holding do grupo Águas de Portugal, é para ser privatizada em 2013. O  objeto da empresa é a gestão dos resíduos sólidos urbanos. Pela sua importância para a gestão integrada e transversal da energia e da produção de energia por fontes renováveis em centrais de bio-massa, trata-se, de um ponto de vista técnico de engenharia, de um disparate. Mas com a desculpa do memorando feito à pressa sem considerar as razões técnicas de engenharia, provavelmente far-se-á. Será mais um exemplo de fundamentalismo obscurantista
3 – a propósito de privatizações, registo o ar triste, triste mesmo, com que o senhor ministro das finanças Vítor Gaspar apareceu na televisão a dizer, em cerimónia no ISEG de homenagem ao professor João Ferreira do Amaral, que o atual processo de privatizações era “um exemplo de sucesso” e que “não devemos procurar crescimento por si só; é preciso crescimento sustentado e criador de emprego”.  Serão pérolas de retórica mal sentida, como o comentário do senhor ministro Miguel Relvas sobre as privatizações: “transparentes e imaculadas”, talvez como virgens. Que pena me faz, terem de poupar em conselheiros de comunicação e  imagem)


 

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