segunda-feira, 26 de maio de 2014

Recordando Asterix em tempo de Piketty

Às vezes passo os olhos por textos antigos deste blogue.
Eis um post de dezembro de 2009, que salvo melhor opinião, mantem a atualidade, numa altura em que se discute a tese de Thomas Piketty sobre o fosso entre ricos e pobres, pese embora poder ferir a sensibilidade de quem pense, ou acredite, de forma diferente:

A metáfora de Asterix


Imaginemos que existiu uma grande tribo celta cujos indicadores económicos tinham atingido, quase todos, um razoável nível para a época.
Os druidas (digo druidas e não o druida chefe, porque a direcção deles era colegial, sem um salvador único), que sabiam calcular a posição do sol nos solstícios, também sabiam que o progresso económico tinha trazido questões complexas que era preciso analisar na assembleia geral dos sócios, digo dos celtas daquela tribo.
A economia dos romanos, ali não muito longe, tinha-se desenvolvido de tal maneira que havia que colocar aos celtas a questão: por que tipo de economia optar?
Pela maneira celta, em que a preocupação era que cada um produzisse o que era capaz de produzir e que se acorresse aos doentes e velhos ou aos que por qualquer motivo tivessem as suas capacidades produtivas diminuídas? Era um bom programa, mas com os progressos que os druidas tinham feito com as suas poções, os celtas cada vez viviam mais tempo como velhos e os doentes também viam as suas vidas prolongadas.
Ou pela maneira romana, de maior sucesso, premiando os mais competitivos, mas gerando com isso grandes fossos entre os patrícios e os artesãos e entre estes e os escravos?
O druida de serviço à comunicação social bem pregou aos seus concidadãos que não se deixassem enganar pelos êxitos dos romanos, conseguidos com grande inteligência e capacidade de organização, mas à custa de factores de produção mantidos artificiosamente baratos pela força dos seus exércitos, à custa de fontes de energia e de mão de obra a custos insignificantes. Os generais, os centuriões e os soldados romanos colonizavam os outros povos de acordo com o que de melhor a cultura grega tinha desenvolvido e a própria Roma, pragmática, tinha aperfeiçoado; mas sugavam-lhes as riquezas e os melhores filhos.
Tentou em vão o druida precaver os seus irmãos contra as ilusões das religiões monoteístas que se espalhavam a partir do Médio Oriente, trazidas pelos soldados romanos desmobilizados, pelos marinheiros e pela diáspora judaica, todos prometendo uma vida para além da morte, orbitando uma única divindade, a que uns chamavam Mitra e outros Iavé, e que renegavam a suprema essência da Natureza.
Mas a todos os argumentos foram os celtas insensíveis.
Porque foram tomados pela esperança cega dos jogadores, mesmo sabendo que só uns poucos, muito poucos, poderiam ganhar o jogo.
Os druidas, humildemente, não quiseram contrariar os celtas, que abandonaram a assembleia e se dirigiram à paliçada que os separava do acampamento romano.
E derrubaram completamente a paliçada.
Os bardos e os pregoeiros celebraram o facto e isso ajudou a manter a ilusão de liberdade dos celtas.
Muitas gerações depois, celtas e romanos tinham-se transformado num povo só.
Mas, na verdade, só muito poucos tinham triunfado.
Os fossos entre os poderosos e os pacíficos, que os druidas tinham anunciado, foram-se alargando impiedosamente.
Grandes quantidades de celtas e romanos não conseguiam produzir aquilo de que eram capazes porque só alguns tinham a sorte de ter o seu trabalho remunerado.
Para a maioria, os poderosos garantiam apenas um pouco do muito pão que continuavam a conseguir com grande eficiência, à custa dos baixos custos de produção, e muito, muito circo.
Os agiotas tinham expandido o seu negócio, criavam falso valor com que enganavam compradores incautos, extorquiam juros superiores aos razoáveis de modo a poderem executar as hipotecas. Por vezes eram desmascarados, mas voltavam sempre.
Apesar de tudo, a sabedoria dos druidas conseguira passar através das gerações, e aqui e ali, ainda se viam druidas.
Como será o futuro?
Serão ouvidos os druidas?

Mobilidade urbana em Lisboa

Texto enviado à assembleia municipal da camara de Lisboa como contribuição para o debate sobre a mobilidade urbana em 27 de maio de 2014 (ver programa das sessões em
http://debaterlisboa.am-lisboa.pt/351000/1/index.htm )


Diagnóstico

1 – peso excessivo das deslocações em transporte individual na área metropolitana, em detrimento do transporte coletivo, nomeadamente ferroviário; dado que a eficiencia energética deste é superior, tal facto traduz-se em desperdício de energia primária sob a forma de combustíveis fósseis (cerca de 40% da energia importada por Portugal é consumida em transportes; estima-se que uma transferência de 10% de deslocações do TI para o TC ferroviário economizaria anualmente cerca de 15 milhões de  euros e 40.000 toneladas de CO2)
2 – desenvolvimento dos planos de expansão da rede de metro de forma desintegrada em relação às políticas de urbanismo, de combate à desertificação de Lisboa e de organização do território (é essencial articular a expansão da rede com o urbanismo (perdeu-se a oportunidade de construir de raiz uma linha de metro de superfície servindo a alta de Lisboa; não foram desenvolvido planos de expansão da rede de metro para Alcântara ou para Santos o Novo integrados nos planos de reurbanização dessas zonas) e alterações ao longo do tempo desses planos
3 – deficiente aproveitamento dos fundos comunitários (apesar da preocupação manifestada pela comissão europeia com o desperdício em TI, na recente listagem de investimentos a financiar por fundos comunitários, apenas aparece a conclusão da estação Reboleira do metro)
4 – deficiente utilização das soluções de metro ligeiro de superfície, de linhas de elétrico ou de transporte guiado automatizado de baixa capacidade e curtas distancias
5 -  não é visível uma gestão integrada dos transportes em todos os modos, incluindo o TI, e do urbanismo e da organização do território  entre as várias municipalidades da área metropolitana


Propostas de estratégias (transferencia do TI para o TC – fiscalização estacionamento e portagens – ligação indissociável transportes/urbanismo – tração elétrica/hidrogénio/ renováveis - projetos já para fundos comunitários 2021-2027 – manutenção na esfera pública com participação dos municípios)

1- intensificação da fiscalização do estacionamento indevido pela EMEL
2 - estabelecimento de portagens à entrada da coroa urbana do centro da cidade
3 – reposição de linhas de elétrico como a carreira 24 com transformação de ruas em zonas pedonais ou de transito automóvel autorizado com sentido único e limitaao de 30 km/h
4 – substituição de autocarros e veículos de serviço por autocarros (de baterias recarregáveis em andamento)  e veículos elétricos
5 – supressão da sobreposição de carreiras de autocarros e metro/comboios (exemplos: carreira 736 Cais do Sodré Senhor Roubado; carreiras rodoviárias entre o Areeiro e Almada)
6 – estabelecimento de redes de transporte guiado automatizado de baixa capacidade e curtas distancias do tipo “on demand” em viadutos desmontáveis para serviço de bairros com ligação entre estações de metro
7 – conclusão da ampliação dos cais das estações de metro da linha verde (Arroios e Areeiro) para composições de 6 carruagens, incluindo em Areeiro a ligação pedonal subterrânea de correspondência entre as estações de metro e da CP
8 – plano de equipamento das principais estações de metro, nomeadamente as de correspondência, com elevadores (quando inviável o recurso a rampas de 6%) e sanitários para pessoas com mobilidade reduzida  (notar que se trata de uma diretiva europeia, pelo que o recurso a fundos comunitários é possível)
9 – construção de um parque de estacionamento “park and ride” em Campolide, integrado na nova urbanização entre Campo de Ourique e as Amoreiras, para serviço dos automobilistas da A5, com prolongamento da linha vermelha até à linha de Cascais em Belém/Algés
10 - financiamento com recurso a:
      • multas de estacionamento
      • portagens à entrada do centro da cidade
      • mais valias de urbanizações, a exemplo de Hong Kong
      • contribuição de parte do IMI
      • contribuição de parte do imposto rodoviário sobre o combustível vendido na  área metropolitana
      • imposto do tipo “versement” francês (0,5 a 1% dos salários pago pelas empresas com mais de 9 funcionários) compensado com redução da atual carga fiscal sobre as empresas e benefícios fiscais às empresas sediadas em Lisboa, nomeadamente as que que paguem as deslocações em TC aos seus empregados ou clientes ou que emitam cartões de desconto associados ao TC
      • fundos comunitários do programa 2021-2027, exigindo que se comecem já os projetos
11 – limitação severa de velocidade em vias rápidas e em ambiente urbano, privilegiando as deslocações pedonais e em segunda prioridade em bicicleta
12 - desenvolvimento de redes de aluguer partilhado de bicicletas e pequenos automóveis elétricos em pontos de correspondencia com o TC
13 - criação de escalões de consumo de combustível
14 - politicas de reorganização urbanística e de reabilitação habitacional
15 - dinamização de estudos e colaboração em projetos internacionais de desenvolvimento de frotas de veículos de serviço e de autocarros elétricos movidos por hidrogénio produzido a partir de fontes primárias eólicas ou outras renováveis
16 – desenvolvimento integrado das urbanizações de Santos o Novo e Alcântara com extensões de metro e de metro ligeiro de superfície
17 – pedagogia junto do atual governo e dos técnicos da troika sobre os inconvenientes para a segurança, como consequencia da redução das despesas de manutenção e de pessoal das empresas de transporte e sobre os exemplos negativos da experiencia de privatização em Inglaterra (acidentes e falencia de uma companhia de infraestruturas do metro de Londres apesar da dispensa de realização de concursos públicos em benefício dos membros do consórcio)  e dos acidentes resultantes da partilha das infraestruturas ferroviárias na Bélgica e na Saxónia-Anhalt. Destacar a evidencia de que dificilmente uma alegada maior eficiencia de uma gestão privada relativamente à gestão pública gerará uma economia superior ao lucro pretendido pelos acionistas da operadora privada, e que as rendas a pagar pelo concessionário dificilmente serão superiores às indemnizações compensatórias que o privado exigirá para  assegurar o serviço público, pelo que economicamente não haverá vantagem relativamente à gestão pública.                                                                                                                             


sexta-feira, 23 de maio de 2014

Campanha eleitoral II

http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2010/10/economicomio-lxii-as-22-medidas-dos.html

Seguindo o  link acima, chega-se a um "post" deste blogue de 2010 que comentava 22 medidas de economistas europeus não enfeudados à politica neo-liberal do grupo dominante no parlamento europeu e no BCE.
Tal como as senhoras púdicas que criticam a roupa interior ousada mas que depois de um tempo razoável  vão comprá-la, os decisores europeus e os comentadores ilustres portugueses vão aos poucos aderindo às ideias atempadamente propostas e recusadas.
Como a taxa Tobin, por exemplo.
Na lista das 22  medidas, destaque para as 8b, 14, 15, 16, 21 e 22.
Vem isto a propósito do painel do DN sobre a dívida pública.
Interessantissimo ver:
- Nogueira Leite dizer que a fiscalização do BCE falhou e que ele só faz o que a Alemanha quer.
- João Duque a dizer que o BCE está demasiado preocupado com o controle da inflação e menos com o investimento e que indevidamente é o BCE que controla o poder politico.
- Ricardo Paes Mamede a criticar a ignorancia da União Europeia em lidar com paises de estruturas económicas muito diferentes e que há uma imperiosa urgencia em reestruturar a dívida (leiam o manoesto dos 22 economistas aterrados, há 4 anos que dizem isso, os 22 economistas e partidos como o BE e o PCP).
- Pedro Lains a dizer que divida portuguesa está a ser mal gerida, que os consultores dizem para nada fazer, que o governo está alucinado e que a magnitude do problema está inimamente relacionada com a falta de intervenção do BCE.
Parabens ao DN por esta iniciativa. Pena não ter maior divulgação.

Quando o atual governo baseia toda a sua propaganda em culpar os portugueses por viver acima das possibilidades, é interessante ver o que dizem estes comentadores, e as confissões de grandes banqueiros, como Ricardo Salgado, ("houve negligencia") e Fernando Ulrich ("cometemos erros na atribuição do crédito").
Dói ver que o mal principal do atual governo não é o enganar os eleitores, que a isso já estamos habituados, é a constante exibição da sua incompetencia como gestor, a sua ignorancia dos procedimentos em cada área de atividade produtiva (sabem lá se uma linha de alta velocidade para Madrid é mais eficiente ou não do que a "ponte aérea" das "low cost e o que custa parar um investimento e rearrancar 3 anos depois, nunca trabalharam em obras...), o papaguear sobre a aplicação dos fundos QREN esquecendo que no programa de 2007-2013 aplicaram quase 40% dos fundos em "formação" quando para infraestruturas foram 12% (lembram-se da Tecnoforma a fazer cursos para operadores de aeródromos municipais detetarem invasões terroristas? ou cursos para arquitetos assediando a ordem dos arquitetos?) e o recurso a expedientes, como o de aumentar a divida pública para "juntar" dinheiro (as taxas de juro baixam internacionalmente, não por causa de "almofadas", mas graças à incipiente intervenção do BCE, e mais baixariam se ele fizesse o que os 22 economistas aterrados recomendaram há 4 anos).
Enfim, aguardemos os resultados das eleições europeias, para vermos se a politica do BCE mudará.




Da coleção "Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos", o livro "Economia Paralela", de Nuno Gonçalves

Um livro a estudar, da coleção "Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos", a "Economia Paralela", de Nuno Gonçalves, da Universidade do Porto.
A problemática da economia paralela é estudada com exemplos, sem preconceitos e sem querer castigar os pequenos agentes, sem prejuizo de propor soluções.
Mas o grande problema é a grande fraude, e a necessidade dos governos a combaterem.
Se se conseguisse integrar na economia oficial, registada no PIB, grande parte da economia paralela (25% do PIB), o PIB subiria, assim como as despesas públicas veriam o seu teto aumentado.
Constituição da economia paralela:
- economia subterrânea: transação oculta ou não declarada de bens ou serviços legais (omissão de faturas, recurso a off-shores)
- economia ilegal: produção, venda ou distribuição de bens ou serviços proibidos por lei (branqueamento de capitais, tráfico de pessoas, de armas, de drogas)
- economia informal: transação de bens ou serviços legais (biscates)
- autoconsumo:  produção para uso próprio (trabalho doméstico)

Fácil verificar como é dificil combater as principais causas, sendo mais fácil perseguir os pequenos.
Politicas propostas:
- justiça rápida e eficaz
- gestão pública transparente e justificativa da sobrecarga fiscal
- fiscalidade simples e equitativo
- debate e informação públicos

O livro é fácil de encontrar, nos supermercados da respetiva cadeia:
"Economia paralela", ed. Fundação Francisco Manuel dos Santos, autor Nuno Gonçalves




quinta-feira, 22 de maio de 2014

Ainda a experiencia de Worgl, ou as moedas locais, ou o farisaismo dos bancos centrais


De vez em quando surgem umas referencias na internet a alguns temas tratados neste humilde blogue.
Ver http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/04/a-experiencia-de-worgl-rede-bitcoin.html

Vejam o que encontrei agora no blogue "informacaoincorrecta" sobre a experiencia de Worgl (e da moeda Wara):
http://informacaoincorrecta.blogspot.pt/2013/01/a-moeda-social.html

Citação de John Maynard Keynes, o pai da Modern Money Theory, sobre o economista teorizador da moeda Gesell, que chegou a mencionar na sua Teoria Geral:

"O futuro vai aprender mais com o espírito de Gesell do que daquele de Marx"

 E a referencia interessante num dos comentários:


"Em Portugal, (ainda) não há Moedas Locais. Mas num levantamento que fiz, detetei a implementação de 23 “Moedas de Trocas” (outro tipo destas “Moedas Comunitárias mais vocacionado para ações de trocas solidárias), com a pioneira a ser a “Granja”, implementada em 2006 na Granja do Ulmeiro (perto de Coimbra) e a última a “Estrela”, implementada o mês passado em Cantanhede.

Se estiverem interessados, disponibilizei alguma informação no Calameo... 
http://pt.calameo.com/accounts/991763

Lá tem o meu contato (que, aliás posso aqui divulgar... aapgarcia@gmail.com), para o caso de quererem comentar algo."

terça-feira, 20 de maio de 2014

Campanha eleitoral

Este blogue apela à participação nas eleições de 25 de maio para o parlamento europeu. Tem consciencia de que a inércia das sociedades, no fundo a defesa contra os riscos de uma mudança, se opõe a isso  mesmo, a uma mudança, mesmo que essa mudança fosse um progresso na capacidade interventiva e participativa dos cidadãos. A luta diária pela sobrevivencia dificulta aos cidadãos pensar no governo em causa própria. E os representantes não estarão interessados tambem em grandes mudanças, nem sequer em representar por lugares vazios a proporção de votos em branco ou as abstenções.
E contudo, continuaremos a tentar.
Especialmente porque cada vez mais cidadãos compreendem que o nosso pequeno país não pode, por si só, corrigir as suas economias e finanças (o saldo orçamental depende do investimento privado, dos fundos comunitários e das exportações).
Medina Carreira e João Ferreira do Amaral, no programa Olhos nos olhos, insistem que não há solução ou que vêem com receio o futuro. Que não nos sabemos governar e já falam em tutores, uma vez que saldos orçamentais negativos e impossibilidade de cumprir defices estruturais de 0,5% significa que se vive em protetorado. Descrêem  assim em quem trabalha duramente, e em quem não trabalha porque a moda é reduzir quadros de pessoal e cortar nas despesas de investimento. Insistem esses sábios que estando no euro não se pode controlar o cambio e o valor da moeda (podiam talvez analisar as experiencias das moedas locais, ver
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/04/a-experiencia-de-worgl-rede-bitcoin.html).

São uns ingratos para a senhora Albuquerque, que, desinibida e iludida consigo própria, veio recentemente vangloriar-se que tinham feito tudo bem feito e com muito exito (criar uma almofada financeira para pagar dividas futuras e conter o defice em troca da contração de mais dívidas enquanto as exportações de bens continuam a diminuir é um exito?). É bem verdade que os corredores do poder são uma turris eburnea que muda o discernimento de quem os habita.
Mas este blogue queria apenas participar na campanha eleitoral, apelando ao voto, e que ele seja crítico da subserviencia aos ditames da comissão europeia, à prepotencia e arrogancia dos não eleitos do BCE e do FMI. Ao menos ponham os olhos na reserva federal americana, vejam por exemplo o que o tesouro americano fez na Califórnia e nas injeções de liquidez que tem feito.
Não será prudente sair do euro, como propõem João Ferreira do Amaral e o partido comunista (através de um programa faseado, claro, mas programas faseados é coisa em que os portugueses costumam falhar), porque precisamos de regras e normativos e essa é a principal vantagem para nós do conceito de Europa unida. Mas podemos fazer força, apesar de pequeninos, para fazer a mudança nos proprios tratados de funcionamento da união europeia, tomando por base a Declaração universal dos direitos humanos, nomeadamente o direito ao trabalho e ao bem estar minimo .
O que obrigaria, como o candidato do partido comunista, tambem João Ferreira, disse que não lhe parece possível, mas este blogue entende que devemos comportar-nos como se fosse possível, a "A continuidade no euro não seria possível... a não ser num quadro que permitisse uma transferência massiva e regular de recursos, uma redistribuição, nomeadamente por via de um grande orçamento da União Europeia... a solução não é conformarmo-nos com as desigualdades que a União Económica e Monetária gerou, não é conformarmo-nos com uma situação em que há países produtores e outros consumidores. Pelo contrário. Importa dinamizarmos a economia do nosso País"
(isto é, este blogue pensa que, em vez de se dissolver a união económica e monetária europeia, ela deve ser transformada para servir os interesses das populações, o que sinceramente parece ser uma posição mais marxista, a transformação, do que a dissolução; que os ortodoxos do partido comunista me perdoem).





Bruxelas desconfia...

http://abola.pt/mundos/ver.aspx?id=478800

Bruxelas acusa três bancos de manipulação das taxas Euribor.
É natural, forçando as taxas de juro, os bancos podem obter condições de lucro nos seus contratos derivados, como os famosos swap, agredindo quem os contratou.
Na verdade, se as forças do mercado ou que dominam o mercado são deixadas sem regulação, é natural que isto suceda, beneficiando  mais uma vez, em condições de desigualdade, uma pequena faixa de cidadãos.
Só que o conceito de regulação é dificil de definir e de acordar entre os representantes dos cidadãos  e entre os cidadãos.
Resultará da acusação aos três bancos uma multa simbólica.
A essencia, salvo melhor opinião, a estrutura de propriedade dos  meios financeiros, continuará a não ser tratada.
Apenas mais um exemplo, a um nivel mais modesto, da agressão que os bancos, na melhor tradição do usurário do mercador de Veneza de Shakespeare, continuam a fazer aos cidadãos, de um empréstimo de 12.000 euros a 72 meses: para comprar um Mercedes, o banco pede uma taxa de juro de 10,2%; mas para fazer obras de conservação numa casa para aluguer a turistas, ou para fazer férias no Caribe, a taxa de juro será de 14,9%.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Caro concidadão, ou uma metodologia de debate

Caro concidadão

Mantemos uma discussão animada sobre um assunto que nos interessa aos dois e a muitos outros e não chegamos a uma conclusão.
Eu preferiria dizer um debate em vez de discussão, com recolha mútua de informação, análise dos dados e formulação de hipóteses justificativas, para posterior submissão destas à observação real.
Mas infelizmente é mesmo uma discussão que não nos permite concordar com uma posição a tomar e uma proposta de ação. Não seria necessário que mudássemos as nossas opiniões até as sintonizar, mas ao menos concordar, com concessões mútuas, no que nos pareceria ser o melhor a fazer.
Então adiemos a discussão sobre os meios e os objetivos e interroguemo-nos por que não nos entendemos.
Será porque é uma arte, a de ser português, como dizia Teixeira de Pascoais, mas essa arte é a da incapacidade de organização em equipa e de convergência de esforços, por insegurança crónica de quem acha que a opinião do outro é a demonstração da incompetência própria?
Antes que discorde desta hipótese, digo já que não lhe dou  muita importância.
Eu diria que não nos entendemos porque tanto o meu caro concidadão, como eu, tivemos, cada  um, duas avós.
Que foram senhoras deliciosas, amigas das suas filhas e dos seus filhos, que acompanharam em casa ou que mandaram à escola, enquanto os avôs passavam o dia na loja, na oficina ou no escritório, quando eram urbanas, ou no campo, quando eram rurais. Nisso, beneficiando do ambiente de libertação da mulher e da intensa propaganda politica da necessidade da instrução (recordo os primeiros decretos da I república portuguesa), foram mesmo senhoras deliciosas. E também porque, na sua função feminina que na natureza é a da conservação da espécie, eram exímias nas tarefas domésticas, desde a cozinha, às rendas, ao croché.
Porém, as nossas 4 avós eram analfabetas.
E porque é o elemento feminino que está mais perto dos filhos, sem prejuízo de os mandar à escola e beneficiando da tolerância dos avôs que deixavam que as avós levassem as filhas e os filhos à missa, muita da sabedoria e da não sabedoria das avós se transmitiu à geração seguinte, de uma forma consciente ou de uma forma subconsciente.
Não é ofensa à sua memória.
Ainda hoje há avós que não conseguiram aprender a ler e foram mães exemplares.
E, mais espantoso, utilizam iPads para se entreterem quando sozinhas ou para comunicar com irmãs.
E são analfabetas.
Mas por esse fenómeno de conservação e estabilização normativa e socializante entre indivíduos da mesma espécie e da  mesma família, nós não nos entendemos.
Era preciso existir mais uma série de gerações para se perder no tempo esse “gene social” que de forma subconsciente compensava o analfabetismo com procedimentos de defesa contra inovações como o método científico que punha em causa crenças de milénios.
É isso que mostra a observação histórica. Por um fenómeno de contraste com a Europa do sul, a Escandinávia atingiu no século XVI mais de metade da população alfabetizada. Mas na Alemanha, Inglaterra e Holanda, isso aconteceu um século mais tarde, curiosamente coincidindo com a emergência do método científico.
O indicador de 50% da população alfabetizada chegou a França no século das luzes e da revolução. A Espanha e Itália no século seguinte, o século da unificação italiana. E a Portugal no século XX, depois das escolas da I republica.
É por isso que não nos entendemos, caro concidadão.
Mas não desistimos.
Vamos continuar a tentar.
Ainda bem que não pensa como eu.
Digo ainda bem, por um lado, claro, que o assunto sobre que discordamos reflete-se na vida de todos nós, e se chegássemos a uma conclusão suscetível de aplicação, até podia ser que fosse melhor para todos, mas apesar de tudo há aspetos positivos da discordância.
Fica o debate mais rico e vai-me obrigar a analisar melhor os meus argumentos e os dados de que disponho, pese embora os dados serem insuficientes. Insuficientes por ser tradição em Portugal as estatísticas serem deficientes ou as partes que nelas se vêem serem indevidamente tomadas pelo todo, talvez como consequência do tardio atingir dos 50% de alfabetização.
Vai-me obrigar a tentar aplicar o método científico de observação, hipótese, experimentação, referendo das conclusões, repetição do ciclo até obter as provas, etc, etc.
Vai fazer o mesmo, não vai?

Vamos continuar a tentar.

Perguntas

1 - porque é a taxa TAEG de um empréstimo para compra de um Mercedes 0% e para um empréstimo para reabilitar uma casa para arrendamento a turistas 11%?
2 - porque coincidem os países da lista de maiores beneficiários dos fundos comunitários no fim do século XX e princípio do século XXI com os países da lista de paises sob resgate ou ameaçados de resgate?
3 - porque se acumulam as poupanças particulares enquanto diminui o investimento líquido em Portugal?
4 - porque não se utilizam os 7 mil milhões do empréstimo para resgate dos bancos que eles não quiseram para comprar dólares e reiminbis para estimular uma procura que provoque a sua revalorização e favoreça as exportações do euro?
5 - porque não se instalam caixas de esmolas nas ruas mais frequentadas por turistas e se distribui as chaves aos sem abrigo?

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Saí do comboio, poema de Fernando Pessoa

Poema de Fernando Pessoa, dedicado, nestes tempos em que tão sábios e preclaros relatórios dizem ao atual governo onde se devem investir os fundos comunitários, aos que acreditam no comboio como metáfora de vida e como meio de economizar energia primária.
Coisa dificil de entender pelos referidos preclaros e sábios.




Saí do comboio,
Disse adeus ao companheiro de viagem,
Tínhamos estado dezoito horas juntos.
A conversa agradável,
A fraternidade da viagem,
Tive pena de sair do comboio, de o deixar.

Amigo casual cujo nome nunca soube.
Meus olhos, senti-os, marejarem-se de lágrimas...
Toda despedida é uma morte...
Sim, toda despedida é uma morte.
Nós, no comboio a que chamamos a vida
Somos todos casuais uns para os outros,
E temos todos pena quando por fim desembarcamos.

Tudo que é humano me comove, porque sou homem.
Tudo me comove, porque tenho,
Não uma semelhança com ideias ou doutrinas,
Mas a vasta fraternidade com a humanidade verdadeira.

A criada que saiu com pena
A chorar de saudade
Da casa onde a não tratavam muito bem...

Tudo isso é no meu coração a morte e a tristeza do mundo,
Tudo isso vive, porque morre, dentro do meu coração.

E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro.


terça-feira, 13 de maio de 2014

Tração ecológica


Tração ecológica em tempos de gasolina e gasóleo caros, embora não isenta de emissão de gases com efeito de estufa, que o pobre cavalo produz muito metano nas suas digestões de matéria vegetal rica em moléculas de carbono e hidrogénio, associadas como combustíveis.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Os baritonos, a sedução e a mentira

Com a devida vénia ao Expresso,

http://expresso.sapo.pt/passos-a-voz-de-baritono-e-a-mentira=f869000#comentarios

Caro Henrique Monteiro

Felicitações pelo texto sobre o atual senhor primeiro ministro numa perspetiva de ópera.
A ópera permite realmente explicar muita coisa, mas permito-me uma pequena correção. Don Giovanni, o sedutor, é mais para o baixo do que baritono.
Eu diria que o atual senhor primeiro ministro é mais uma mistura de Scarpia, o detentor do poder na Roma reacionária aos ideiais da revolução francesa, tambem sedutor quando pedia a Tosca o que pedia em troca da felicidade ilusória futura, e do monge Atanael da Taís de Massenet, convicto da sua missão divina e salvífica, pois não ficou na história a frase do atual senhor primeiro ministro: "Pai, o que aconteceria ao país se eu o abandonasse?"
Enfim, quando poderemos dizer, como a Callas, guardadas as devidas distancias e a integridade física do atual senhor primeiro ministro, "avanti a lui tremava tutta Roma"?



domingo, 11 de maio de 2014

Thomas Piketty, o capital no século XXI

Este blogue já tinha reparado na referencia que Manuel Maria Carrilho tinha feito ao livro, chamando a atenção para a sua tese, fundamentada na análise de dados reais ao longo de séculos, que a desigualdade na distribuição de rendimentos aumenta sempre que a taxa de retorno do capital é superior à taxa de crescimento da economia, que em consequencia existe acumulação de capital no seio dos 1% mais ricos em detrimento da maioria, aumentando a desigualdade.

http://en.wikipedia.org/wiki/Capital_in_the_Twenty-First_Century

Os comentadores televisivos de direita e os propagandistas do atual governo andam em pânico com o sucesso internacional do livro, mas não conseguem contestar os dados e a interpretação dos dados.
Fundamentalmente porque ele diz e prova o mesmo que  livros como os donos de Portugal e como os sindicalistas e os não sindicalistas das manifestações contra os cortes vêm dizendo: que a economia desregulada (os mercados...) conduz ao pagamento das emergencias pelos salários e pelas pensões (até o senhor doutor Catroga, na entrevista ao DN de 10 de maio de 2014 o diz: "as pessoas, nos países endividados,...são quem tem de financiar os custos do ajustamento") e ao reforço da direção da economia pelas famílias ricas e suas dinastias e pelos super-assalariados que os servem, como os funcionários do FMI e do BCE (isto é, oligarquia e plutocracia, ao invés de democracia; não é possível ter simultaneamente desigualdade e democracia).

E mais em pânico ficam quando Piketty propõe uma medida mitigadora: a taxação progressiva sobre os rendimentos dos capitais (seria esta a ameaça do atual primeiro ministro no caso do chumbo de medidas pelo tribunal constitucional?).
Lá vão os comentadores e propagandistas do governo (aguarda-se a reação de João Cesar das Neves, embora o papa Francisco também não goste de fossos de desigualdade) ameaçar com a fuga dos capitais para a Holanda, Inglaterra e restantes off-shores (a menos que os respetivos governos e os eurocratas tenham lido o livro). Talvez achem que Piketty é marxista e contentam-se em mandá-lo para o inferno e pô-lo no index.
Podiamos começar pelo fim do sigilo bancário. Numa altura em que o comércio ilegal internacional de armas, droga, escravatura e matérias primas é feito de sangue, não seria mau começar por aí.
Que dirá Ban-ki-moon?
Ou podiamos ser mais modestos, em Portugal. Acelerar a taxa Tobin e, de forma inovadora, transformar, por exemplo, 40% da valorização bolsista dos donos de Portugal em propriedade do Estado com fins exclusivos de transação na bolsa e injeção dos proveitos na segurança social. Poupava nas transferencias, não se ia aos depósitos das grandes fortunas, cumpria-se a sugestão de Piketty, combatia-se a desigualdade, não era?
Podia-se discutir isto na campanha eleitoral para 25 de maio...

Curioso reparar na reação do senhor ex-ministro João Salgueiro quando se saiu no programa Olhos nos olhos, perante o espanto de Judite de Sousa e o silencio cumplice de Medina Carreira, que "os últimos dados não dizem que a desigualdade tenha aumentado". Cumplice porque os indicadores de pobreza e o coeficiente de Gini dão resultados diferentes se modificarmos os patamares definidores da pobreza (90 centimos por dia) e a paridade do poder de compra.
Devia mesmo discutir-se isto na campanha eleitoral.

Sinfonietta de Leos Janacek




Com surpresa, assisto na RTP2 à transmissão quase em direto (uns minutos em diferido) do concerto de encerramento dos dias da música no CCB.
Surpresa porque a estação pública tem transmitido poucos concertos.
Mas surpresa maior porque a sinfonietta de Leos Janacek, pela orquestra metropolitana sob a direção de Pedro Amaral, é transmitida numa reportagem primorosa, em que as câmaras seguem pela partitura os diferentes instrumentistas.
A sinfonietta começa com uma fanfarra extremamente jovem (o compositor tinha 72 anos quando a escreveu) que não deixa ninguem indiferente.
E prossegue com intervenções destacadas, da flauta, do oboé, até da harpa, que não costuma ouvir-se nestas transmissões.
Talvez o maestro tenha preparado a transmissão, talvez a RTP2 disponha de um programa que facilite a seleção das câmaras. Mas o facto é que uma fração de tempo antes da entrada já a câmara mostrava o instrumentista.
Uma maravilha. Não era costume. Pode vender-se a transmissão a estações estrangeiras e ao canal mezzo. Mais uma atividade transacionável para compensar o fraquejamento das exportações dos combustíveis refinados (ai o refinamento dos mercados...).
Fico a pensar que a recente reestruturação da RTP2 pode ter que ver com a qualidade da realização. Que esta não ficasse apenas para os artistas da bola.
Teria de ficar agradecido ao senhor ministro adjunto. Que até já pronuncia melhor as palavras.
Ou terá sido apenas coincidencia?
Infelizmente para mim, que sou descrente por natureza desde que a minha professora de filosofia do liceu, esposa de um ministro de Salazar mas de uma sólida cultura científica histórico-filosófica, me ensinou o cartesianismo, inclino-me para que tenha sido coincidencia,  a reestruturação e a qualidade da transmissão, com mérito para os profissionais envolvidos, da TV e da orquestra, claro, não para o governo.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Mais uma obra de génio

Com a devida vénia ao DN, reproduzo a fotografia da "casa de Manuel de Oliveira", de um arquiteto premiado internacionalmente. É mais um exemplo de que, apesar de ignorarmos a fundamentação do "criador", precisamos de trabalho conjunto de pessoas normais ou menos dotadas, não precisamos do trabalho de génios e de salvadores de pátrias.


Prossegue a construção da sede da EDP





Claro que devemos tirar o chapeu a algumas soluções tecnicas nesta construção.
Mas o mal do país manifesta-se mais uma vez. Tinha de ser o projeto de um grande arquiteto. Somos um país de adoradores de ilustres, quando deviamos desenvolver o trabalho conjunto de pessoas normais ou menos dotadas. Assim, com tanta criatividade de génios, vamos ter as vistas do miradouro de Santa Catarina truncadas. Não se poderia construir em largura? Há lá terrenos... E continuamos, no século da inteligencia distribuida e da velocidade de transmissão de dados, com a mania da concentração? E claro que a câmara de Lisboa não se rala com estas coisas. 

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Poema de Vasco Graça Moura, as musas são assim...

expo’98


“- você dá-me um cigarro?”, disse a musa
de repente a meu lado. os cabelos escorriam água.
e a testa e as faces, toda ela. olhei-a interrogativo. “- é.

estou muito ruisselante. desculpe o galicismo”.
e piscou-me o olho enquanto acendia o cigarro
no meu isqueiro lesto, a t-shirt encharcada

demorava-se nos seus contornos íntimos, acerava-lhe
os bicos dos peitos pelos meus olhos dentro.
rosetas de bronze húmido, enfim, suponho, os jeans e os

ténis deviam pesar imenso, tinha as ancas bem desenhadas.
expeliu uma baforada, o umbigo estava à mostra acima
da fivela do cinto, viu que eu olhava ainda, sorriu.

encolheu os ombros, apontou para a azinhaga das águas tumultuantes.
havia lá mais gente a espadanar sem ter tirado a roupa,
os pais, as mães, os querubins do lar.

tinha passado para este lado da imagem, estava ao pé de mim.
“foi ali”, disse, “agora preciso de uma corrente de ar”.
quando olhei, tinha desaparecido, as musas são assim,

lustrais, perladas, elásticas e jovens.
pedem-nos lume, dão-nos fumo e partem logo. ficam as
notas pessoais: expo. sol, água e vento, gazela do deserto.


Vasco Graça Moura, in giraldomachias –
onze poemas de circunstância e um labirinto
sobre imagens de Gérard Castello-Lopes,
Casa Fernando Pessoa/Quetzal editores, 1999)


terça-feira, 6 de maio de 2014

A colisão na linha 2 do metro de Seul em 2 de maio de 2014

Parece existir neste momento na Coreia do Sul uma cultura punitiva na sequencia dos acidentes.
Faz parte da ética dos transportes que as investigações sobre acidentes devem ter como principal objetivo o esclarecimento das causas e circunstancias e a emissão de recomendações cuja execução evite ou reduza a probabilidade da repetição do acidente.
Circularam imagens de polícias recolhendo no metro de Seul documentação e registos da marcha dos comboios e do sistema de sinalização.
Porém, alguns elementos são já do dominio público. O metro de Seul está a remodelar a sinalização da linha 2 para substituir o sistema de controle de velocidade pontual, baseado em balizas de train stop (ATS) por um sistema ATO (automatic train operation) de controle continuo da velocidade. Coexistirão lógica de relés e de estado sólido e circuitos de via de frequencia audio e de 50 Hz. Coexistem comboios de tração assíncrona com comboios de tração por chopper de corrente contínua. Nestas condições, especialmente por a sinalização se encontrar em remodelação, e porque os circuitos de 50Hz podem ser sensiveis a interferencias do controle chopper, é provável que tenha acontecido uma falha do sistema de sinalização, por exemplo através da omissão de introdução de uma condição (parece que o comboio embatido tinha iniciado o movimento de saida da estação e parou; o comboio seguinte travou de 65km/h até 15km/h, velocidade a que bateu, o que deveria ter feito na secção anterior de aproximadamente 200 metros (valor de uma distancia de segurança entre o ponto a proteger e o ponto que o comboio seguinte não deve ultrapassar; notar que o intervalo entre comboios é curto, da ordem de 2 minutos).
A conclusão a retirar, de acordo com estes elementos, é que a remodelação de instalações de segurança envolve sérios riscos se a sua execução coincide com a exploração, assim como a coexistencia de dispositivos de tecnologias distintas no tempo pode gerar perturbações.
Não parece portanto ser assunto de policias, nem, naturalmente, de economistas ou gestores mais preocupados em reduzir custos ou prazos do que garantir padrões de segurança.

Referencias:

http://www.seoulmetro.co.kr/eng/page.jsp?code=B010090000

http://en.wikipedia.org/wiki/2014_Seoul_subway_crash

http://english.yonhapnews.co.kr/full/2014/05/06/38/1200000000AEN20140506002651315F.html


PS em 7 de maio de 2014 - Há ainda uma hipótese explicativa. O comboio embatido ter iniciado a saida da estação e libertado a posição de paragem, mas em seguida ter parado e recuado. Nestas condições, o sistema de sinalização (balizas de travagem automática), se não previu distancia de segurança suficiente, como no caso de Alfarelos, pode não ser capaz de parar o outro comboio sem bater. Teria sido então um caso de falha humana (só pode fazer-se marcha atrás com autorização da central). É uma hipótese que convem relembrar para chamar a atenção para os perigos das marcha atrás.



Dinheiro, uma biografia não autorizada, de Felix Martin, ed.Temas e Debates

O livro já foi publicado em português há uns meses, mas tem-se falado muito pouco dele, o que como se sabe é condição necessária para ser importante para a maioria da população conhecê-lo.
Defino aqui importante como elemento esclarecedor para os eleitores votarem.

http://www.ft.com/cms/s/2/31a1573c-ceb4-11e2-ae25-00144feab7de.html#axzz2VI9lftSp

Os críticos podem não ter gostado da ideia de que a incompreensão da verdadeira natureza do dinheiro levou à crise internacional financeira, mas rendem-se ao rigor histórico.
Cita-se no livro uma afirmação de 2004, que os financeiros se comportam como enxames irresponsáveis e que a banca é fundamentalmente uma atividade parasita (os tais que "encostaram" o governo português à parede exigindo um resgate).
Que o objetivo das políticas económicas e financeiras não deveria ser a estabilidade, mas uma sociedade justa e próspera.
Que os economistas conhecem o preço do dinheiro, mas não o que ele vale...
Felix Martin trabalhou no FMI de 1998 a 2008, na economia do que sucedeu à antiga Jugoslávia.

sábado, 3 de maio de 2014

A napolitana, a água tónica e o café

Numa simpática pastelaria ao cimo da calçada do Combro, simpática porque ainda tem moradores que lá vão tomar refeições, sou servido de uma napolitana, uma água tónica e um café.
O empregado da caixa dá-me a fatura. São 3,55 euro.
Mas reparo na fatura que o programa certificado é o 1194/AT da iECR.
Horror.
Desde o dia 24 de abril (irónico o despacho do senhor secretário de estado ser de 24 de abril) que faturas destas são falsas por força do despacho.
Unilateralmente e sem ouvir a empresa iECR e os comerciantes que por imposição compraram um programa certificado pela AT, o despacho declara falsas as faturas e sujeita a coima  o estabelecimento que as emita.
Não digo que não haja indícios, há que anos que se sabe que as antigas máquinas registadoras tinham possibilidade de contabilizar as vendas de várias maneiras, sublinho que os comerciantes compraram um programa certificado que, para deixar de ser utilizado, deve ser negociado pelas partes um plano de transição.
Razão tinha a senhora ex-ministra Canavilhas, são um bando de alunos de contabilidade analítica embriagados pelo poder que detêm.
Não compreendem que a AT certificou, e que se o programa tinha fraudes, quem certifica está a partilhar responsabilidades que não podem ser imputadas, sem provas (provas, não indícios) aos comerciantes que gastaram dinheiro nesses programas.
 A fiscalidade deve ser partilhada, não imposta, não aplicada principalmente por repressão, além de que há outras formas sem ser a fatura individual.
Mas quem está no poder faz como o xerife de Nothingham, antes da Magna Carta.
Convenhamos que é um atraso de séculos, apesar do software em jogo.


O pato gordo

Graças à SIC Noticias e a um seu programa sobre a politica nacional, veo um comentador sair-se com esta imagem. Portugal terminará o programa de ajuda externa saindo como um pato gordo e desajeitado para o meios das aves de rapina.
Um outro comentador explica que "década perdida" era inevitável (isto é, a pequena economia portuguesa não podia resistir às adversidades, à emergencia da industria chinesa, à revalorização do euro, à entrada dos países do leste europeu na UE, à desindustrialização, às perdas na agricultura e nas pescas, à especulação financeira).
É bom que o diga, para que a propaganda do governo não engane tantos.
Mas a imagem do pato gordo é engraçada.
O pato gordo já tem 15 mil milhões de euros no banco, para além dos 7 mil milhões ou coisa que o valha que os bancos, apesar de descapitalizados, não quiseram. Como é desajeitado, arranjou esse dinheiro vendendo obrigações, isto é, pediu emprestado, aumentou a dívida. E está a pensar vender mais 13 mil milhões de obrigações em 2014, se não demitirem o governo. É obra e é a dívida a crescer (depois dizem que foram as empresas públicas).
Não fez como os patos mais habilidosos, que investem em negócios próprios para obter retorno (um dos comentadores explicou que após a reunificação alemã o Estado apoiou diretamente várias empresas; atualmente volta a falar-se em tratamentos excecionais na UE; em Portugal, sacrificam-se os estaleiros de Viana ao altar do ultraliberalismo; são opções).
Isto de a nação organizada, isto é, o Estado, ter de vender os negócios que lhe dão rendimento, isto é, de privatizar, pode dar nisto, o investimento líquido continuar a ser negativo e a contribuir para o saldo orçamental continuar negativo.
Não consegue resolver-se a equação cortando sucessivamente na despesa, tem de haver investimento.
Qualquer aluno de economia do primeiro ano sabe isso.

Integração de Portugal no mercado grossista de eletricidade europeu

A noticia do dia 2 de maio diz que Portugal entrou no mercado grossista europeu de eletricidade, e que por isso já pode vender eletricidade à Finlandia.
Na verdade, como já o professor Domingos Moura explicava aos seus alunos, em 1970, não é preciso transmitir a energia elétrica produzida em Portugal diretamente para a Europa. Através da interligação com Espanha, a rede desta distribui a eletricidade junto da fronteira com Portugal e transmite eletricidade produzida em Espnha, junto da fronteira francesa, para a França. é uma questão de gestão das redes.
Claro que é necessário haver capacidade nas interligações, mas já nesses tempos longínquos, quando estive um mês na barragem do Picote, era o que se fazia todos os dias, trocas de energia eletrica com Espanha, que ali ao lado tinha e tem a barragem de Saucelle.
Por isso felicito quem finalmente "integrou" Portugal no mercado grossista (eu preferiria dizer "integrou na rede europeia", mas os economistas que detêm o poder não gostam desse detalhe técnico, uma gestão integrada independente dos interesses das distribuidoras privadas, que põe o interesse geral conunitário acima destes interesses).
Mas interrogo-me como é possível que durante tantos anos tenha prevalecido a ignorancia dos decisores, a sua incompetencia e desconhecimento de como funciona a energia, a sua submissão a técnicos que não cumprem o equivalente ao juramento de Hipócrates que na engenharia será o de colocar o interesse dos cidadãos como consumidores de energia elétrica acima do interesse dos donos das centrais de gás que empolam os custos de disponibilidade e desmerecem sistematicamente no investimento em energias renováveis.
Enfim, parece ter sido um facto positivo para Portugal e Espanha, se isso permitir escoar a produção em excesso das renováveis.
Penso contudo que não dispensa a construção de uma linha especificamente para transmissão direta, em muito alta tensão continua, entre Portugal e França.Etiquetas
Mas não sei se o assunto está a ser bem estudado.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Viva o 1º de maio

Viva o 1º de maio


O dirigente sindical, numa pequena cidade do litoral, foi privado da participação no desfile na capital do distrito e encarregado de conduzir o espetáculo comemorativo.
Lista os casos pendentes com as empresas do concelho.
Recorda que o numero de sindicalizados está a subir.
Os teóricos das políticas ultra-liberais esqueceram-se desse pormenor quase biológico. Se provocamos o aumento do desemprego aumentamos o numero dos que não tem nada a perder.
Qualquer ação provoca uma reação de sinal contrário.
O dirigente sindical insiste que os dependentes do trabalho por conta de outrem estão a lutar pelos seus interesses.
Falta-lhe apenas um pouco para atualizar o discurso, para apelar à convergencia e à solução conjunta das coisas, um plano de pensões e um fundo de pensões são coisas de interesse comum, da parte do capital e da parte do trabalho.
Que a discussão não é apenas do repartir do rendimento, que também é importante, equilibrar a distribuição do rendimento entre o capital e o trabalho, de modo a  conter o monstro da desigualdade, mas também tem de se discutir como é isso dos rendimentos do capital serem superiores aos rendimentos do próprio crescimento económico (confesso que vi esta numa referencia de Manuela Maria Carrilho ao livro de Thomas Piketty, O capital no século XXI; tenho de pesquisar isto, que parece ser uma forma de dizer que os rendimentos do capital são atualmente principalmente especulativos, criados virtualmente e sem registo nos PIB, sabe-se lá em que off-shores, sem correspondencia com a produção de mais valias uteis às comunidades, ampliando sucessivamente as desigualdades e provando que, por mais regulação que os ideólogos preguem, "os mercados" estão a agravar o problema em vez de o resolverem).
Por isso aplaudo o espetáculo do 1º de maio numa pequena cidade de provincia, e discordo de limitarmos a discussão apenas aos nossos interesses, e discordo de limitarmos a nossa esperança à ilusão de um pensamento, ou um sentimento, únicos, como vi escrito nas costas do banco de jardim, em vez de juntarmos as nossas diversidades numa solução comum e de parceiros.





A insegurança

A insegurança limita-nos, condiciona-nos.
Freud explicou isso muito bem.
A insegurança torna-nos desconfiados e leva-nos a criar certezas que só existem dentro de nós.
A insegurança reforça as nossas convicções, independentemente de elas terem fundamento.
A insegurança reforça as forças policiais.
A insegurança é um dos males maiores do nosso país.
Faz-nos crer que somos bons, através da nossa autoestima, leva-nos a contentarmo-nos com o nosso umbigo, mas leva-nos a rejeitar um jovem válido, com medo de que nos roube o lugar, ou a rejeitar um bom negócio, com medo de que nos queiram vigarizar.
A insegurança leva a que dois partidos não se entendam para uma ação comum numas eleições, com medo que um esvazie o outro.
A insegurança é um caso de psiquiatria.
Quando um político diz que o país é ingovernável porque o sistema é proporcional, que é um sistema que dá voz às minorias, esse político devia reconhecer que está a precisar de uma análise psiquiátrica por insegurança.
Quando uma central sindical ou um partido que defende o Estado social dizem que há coisas que tornam impossível um entendimento com outra sindical sindical ou outro partido que defende o Estado social, é a insegurança que não os deixa ver a solução.
Quando um político pede uma maioria absoluta, devia reconhecer que está a evidenciar a fraqueza psicológica da insegurança.
Se houve coisa que o século XX ensinou em prática política, é que a diversidade é essencial. Não o governo de partido único, mesmo com maioria, nem de coligação, apenas do que agora chamam arco de governação.
É preciso mais do que isso, como provou a experiencia islandesa, com cidadãos a participar na revisão da Constituição.
A insegurança não nos deixa que todos trabalhemos na gestão da coisa pública.
A insegurança e outros males do nosso país.