O nosso último almoço na esplanada da Gulbenkian foi nostálgico, no preciso dia seguinte ao do jantar de despedida do meu amigo.
Despedida porque está à espera da carta da Segurança Social para iniciar a sua reforma.
Ele ainda é da escola do antigamente, quando se pensava que os técnicos com profissões que exigem elevada especialização e que estão relacionadas com a segurança precisam de muitos anos numa empresa. Para apreender conceitos, o que demora muito mais do que aprender a dominar o funcionamento de equipamentos e de sistemas. Mas os gestores de agora (que não dominam conceitos, nem sistemas, nem equipamentos) acham que se deve mudar de emprego frequentemente. O que vale é que ainda há muita gente que não lhes faz a vontade.
O jantar foi o que a simpatia dos colegas é capaz de fazer, um ritual a que as pessoas se sentem obrigadas para homenagear a nostálgica passagem à reforma e para desejar felicidades, enquanto não chega a vez delas.
E eis que no meio do almoço na esplanada da Gulbenkian com espargos verdes, a eterna fatia de quiche lorraine , ovos verdes e tajine de ameixas, amendoas e pinhões, o meu amigo puxa de um papel e mostra-me o discurso que leu aos amigos e colegas, diz ele para lhes deixar umas pistas para a vida nas empresas:
O Discurso do Não em 8 de Dezembro de 2010
Sempre fui um mau aluno nas orais.
Sempre tentei dispensar na escrita.
Também por isso precisei de mais 2 anos para acabar o curso.
Assim, não admira que esteja a ler este discurso para vos agradecer a vossa presença em vez de fazer um agradecimento de improviso sem papel à vista.
Esta é a despedida, predita facilmente, de dois colegas que têm em comum um grande respeito pelos conceitos da engenharia, em oposição à facilidade das manobras de diversão e da fuga para o predomínio do virtual sobre o real, da ilusão da imagem sobre o conteúdo, e do acessório sobre o essencial.
Peço portanto desculpa por vos pedir a vossa atenção para um discurso que pretende transmitir a quem fica algumas ideias que possam beneficiar-vos, e que resultam da experiencia.
O discurso é sobre o Não
Não se preocupem com a ciência nem com a parte técnica – lembrem-se de que quem toma decisões também não as utiliza
Não percam tempo com a lógica das decisões; vejam antes donde sopra o vento
Não deixem o conteúdo sujar a imagem, porque é a imagem que convence quem não conhece o conteúdo
Não esperem que as razões do essencial predominem sobre o acessório, porque o acessório não cansa tanto a cabeça
Não se isolem do grupo mais bem posicionado porque assim poderão estabelecer melhor os vossos objetivos.
Ah! Mas reparem bem que este é um discurso do Não.
Por isso não façam o que estes 5 Nãos disseram.
Digam antes sim a estes sins:
Criem laços.
Criem laços entre vós.
Criem laços entre vós e aquilo que fazem.
Criem laços entre o que fazem e a comunidade e as pessoas da comunidade, cujo bem estar e o usufruto dos bens e serviços produzidos é o fim último daquilo que vocês fazem
Criem laços entre a ciência e o que fazem
Ponham hipóteses, recolham os dados e os factos
Criem laços entre uns e outros de vós e entre o que uns fazem e o que os outros fazem.
Criem laços.
Não se importem, os laços são a essência, a imagem é o acessório.
Os laços são a solidariedade, quer no sucesso, quer no insucesso.
E, para finalizar, como não consigo cantar, sugiro-vos que pesquisem no Google, escrevendo “youtube everytime we say goodbye I die a little”; basta escrever “everytime we say”, e oiçam, por exemplo, Ella Fitzgerald a dizer isso mesmo, que dizer adeus é morrer um pouco, por isso é melhor não dizer adeus.
Everytime we say goodbye, I die a little.
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