quinta-feira, 5 de maio de 2011

A injunção e eu

Estive fora uns tempos e, quando regressei, tomei conhecimento de que a decisão dos meus representantes, em assembleia, tinha sido anulada pelo grupo de sábios do tribunal constitucional.
É verdade que são sábios e eu sou ignorante, embora alguns dos meus representantes também o sejam, sábios, o que de nada serviu porque a sua decisão foi anulada.
E são sábios e eu ignorante porque sabem o que é uma injunção.
Coisa que eu não sei, com a agravante de pensar que quem explica uma coisa aos ignorantes sem explicar o que é uma injunção, não deveria tomar decisões públicas.
Deveria limitar-se aos seus misteres, embora eu também pense que não devia haver misteres em que cidadãos ou cidadãs da República dizem coisas que não sabem explicar aos ignorantes como eu.
Mas, como dizia Marco António depois do assassínio de Julio Cesar, se os sábios decidiram assim é porque decidiram bem.
Embora a dúvida surja, entre todos os que não sabem o que é uma injunção, por que cargas de água é que a assembleia injungir o governo a iniciar até ao fim do ano letivo um processo negocial para novo sistema de avaliação é penetrar na esfera de competencias do governo e violar o princípio da separação dos poderes; e o tribunal constitucional injungir a assembleia a revogar o decreto não é.
Na impossibilidade de convocar Montesquieu, que foi quem primeiro se lembrou dessa coisa dos três poderes, eu diria que a ciência da gestão de empresas e do controle da qualidade e segurança de processos já descobriu que o princípio básico é haver dois orgãos independentes que se vigiem mutuamente e que desenvolvam o mesmo processo por dois caminhos diferentes, com a condição de as regras de desenvolvimento do processo serem respeitadas.
Se o resultado for o mesmo, temos que a solução tem elevadas probabilidades de estar correta.
Que não foi o que aconteceu, a assembleia chegou à conclusão que era melhor suspender o sistema de avaliação de professores para lhes deixar tempo e sossego para se dedicarem ao seu trabalho e definiu passos para se arranjar um sistema melhor, e o douto coletivo constitucional de pretores concluiu outra coisa.
Sim, é verdade que muitos cidadãos e cidadãs acham que os professores são uns preguiçosos que não querem nenhum sistema de avaliação, mas essa avaliação, de que os professores são preguiçosos, é uma generalização de natureza primária, e prescinde da análise de todos os parâmetros do processo.
Querem, sim, como quaisquer cidadãos; mas um sistema como este, semelhante aos sistemas que nas empresas por esse país fora têm prejudicado o ambiente de trabalho, que foi desenvolvido por consultores como abstração desligada da realidade dos professores que eu conheci, conhecedores da sua profissão e a ela dedicados, que se reformaram com antecipação para não terem de aturar esta e outras prepotencias, um sistema como este, como eu dizia, por ser prejudicial ao trabalho nas escolas, devia ser substituido.
O tribunal constitucional achou que era inconstitucional por a assembleia ter injungido o governo (a iniciar um processo negocial, devo recordar porque o assunto pode parecer confuso).
E é natural que um governo injungido se sinta muito contrariado por ter de fazer uma coisa que não quer, o que até é outra coisa que acontece frequentemente em democracia; não nos deviamos admirar.
Porém, devemos sempre pensar, exatamente para não nos ficarmos por uma análise primária, na hipótese do tribunal constitucional, apesar dos seus sábios serem eméritos e doutos, não terem seguido as regras corretas no desenvolvimento do seu processo de análise, pelo que, a verificar-se tal hipótese, o facto de concluirem de forma diversa da do decreto da assembleia apenas nos deixa a certeza de que o decreto da assembleia podia estar correto mas tambem podia estar incorreto.
Isto é, estamos como no princípio.
É que todos os doutos sábios do tribunal exibiram extensa e profunda sabedoria na análise formal dos entes jurídicos em presença, mas deixaram grandes dúvidas sobre o conhecimento do mundo real dos professores, das escolas e das técnicas de avaliação.
O que, a ser assim, não admira conduzir a uma conclusão diferente da do decreto da assembleia.
Até porque o que todos os doutos pretores condenaram à inconstitucionalidade foi a injunção da assembleia ao governo (a iniciar um processo negocial, devo recordar porque o assunto pode parecer confuso).
Mas o decreto da assembleia dizia mais coisas que não eram injunções, por exemplo, a revogação do pernicioso sistema de avaliação, o período transitório até o novo sistema, as condições de entrada em vigor do decreto, coisas assim.
E foram estas mais coisas, de que a principal era a revogação do sistema de avaliação, que não mereceram a condenação de inconstitucionalidade por unanimidade do coletivo dos sábios do tribunal.
Isto é, a maioria achou que a inconstitucionalidade dessas normas era "consequencial", isto é, era uma consequencia do chumbo da injunção.
E alguns acharam o mesmo que um ignorante como eu acha, que não há relação de causa e efeito entre uma injunção e o ato ou a coisa que se quer injungir, ou dito de outro modo, obrigar uma criança a comer verduras na escola tem consequencialmente  o efeito de declarar as verduras como comida imprópria por invasão das competencias do governo, perdão, dos pais?
O que mais uma vez me deixa a dúvida sobre os critérios de estabelecimento de relações de causa e efeito.
Será que a relação é entre a causa e o efeito, ou é entre a perceção que se tem da causa e a perceção que se tem do efeito? entre a perceção que se tem da causa e o efeito? entre a causa e a perceção que se tem do efeito?
Será que se analisa a realidade, toda, ou pequena parte? ou analisa-se a virtualidade, em maior ou menor grau?
E na impossibilidade de tirar uma conclusão sobre tão candente questão, só posso, consequencialmente, encolher os ombros, fazer votos para que os doutos pretores troquem umas impressões com um painel representativo de professores e pedir-lhes, aos doutos pretores, que me esclareçam outra dúvida que  me atormenta: há alguma lei que impeça a assembleia de sócios de uma coletividade de cultura e recreio de obrigar sem apelo nem agravo uma direção a corrigir um erro?
Pergunto porque penso que a assembleia de sócios  é o orgão supremo da coletividade.

Sem comentários:

Enviar um comentário