Observo, sentado à mesa do café-bar-restaurante, o pequeno camião-reboque duma empresa de catering e distribuição de produtos para restaurantes.
Está estacionado na faixa prevista para a paragem dos autocarros da Carris.
São 11 horas da manhã.
Não está a ser seguida a determinação dos edis de Pompeia, que fixava horas mais matinais para descarga de bens alimentares, e definia o período em que a rua tinha o sentido de chegada dos bens para descarga e depois o sentido de saida dos carroções.
O veículo trator é um chassis cabinado do tipo Ford Transit; o reboque é uma caixa frigorífica com cerca de 8 metros de comprimento, decorada de forma atrativa e publicitando as qualidades da empresa, com sucursais do Algarve ao Minho.
O trator é claramente uma adaptação do modelo série da carrinha.
As rodas do reboque são pequenas, como as de qualquer carrinha deste tipo.
Duvido da estabilidade dinâmica do conjunto a mais de 80 km/h.
Do local onde me encontro não vejo se existe placa de limitação de velocidade.
Não vislumbro dispositivos amortecedores de movimentos de lacete horizontais.
Imagino que se a porta se abrir por acidente durante a viagem poderá desestabilizar o reboque.
Ou simplesmente uma manobra brusca.
O funcionário descarrega uma série de caixotes térmicos.
Entretenho-me a imaginar: tartes pré-congeladas, pita-shoamas, quiches-lorraines, bolos de chocolate, hamburgueres.
Volta à viatura com o carrinho de duas rodas, para o encher com produtos de limpeza que deposita no restaurante.
Chove quando regressa à cabina.
Interrogo-me se a cena se passasse há 10 anos, talvez contasse com a presença de um auxiliar.
Ajudava na manobra do pequeno camião, na descarga, reduzia a fadiga do motorista...embora reduzisse as margens de lucro, ou aumentasse os custos de produção.
O funcionário consulta os duplicados das guias de entrega.
Possivelmente ainda lavará o veículo quando terminar o turno.
Agora deve estar a verificar a próxima paragem.
A rapariga do bar vai a correr e grita-lhe qualquer coisa pela janela.
Ele abre o vidro.
Faltava pôr um visto numa das guias de entrega.
O funcionário desce da cabina.
Não precisou de tirar o cinto de segurança porque os motoristas de distribuição estão dispensados(!?).
Acena, desculpando-se, para o motorista da Carris que pára o seu autocarro mais afastado do passeio do que normalmente.
Corre para o restaurante para resolver o problema.
Interrompe a corrida e volta para trás para recolher os degraus de um dos acessos laterais do reboque frigorífico (como?, o projetista previu uns degraus que se projetam obliquamente para o exterior do contorno da secção do veículo? em riscos de magoar um peão que se aproxime demasiado se o motorista se esquecer de o recolher?).
Tudo resolvido ali.
O motorista interroga um casal de reformados sobre o caminho a seguir até ao próximo restaurante.
Não parece fácil a explicação.
Mas finalmente parece esclarecido.
O pequeno camião arranca.
Tem bom poder de aceleração.
Não tem placa limitadora de velocidade.
Mundo cão, este.
A empresa de catering orgulha-se de ser bem gerida e de ser um sucesso, com indicadores de qualidade certificados, como se diz agora, e com distribuição de dividendos aos acionistas.
O motorista andará satisfeito porque tem emprego e deve achar cómoda a condução.
O restaurante tem os custos reduzidos com este tipo de distribuição.
Haverá mesmo necessidade de alterar as leis laborais para melhorar a produtividade e a competitividade?
Aqueles senhores engravatados que vão à TV explicar como os outros devem trabalhar acharão que o motorista precisa de aumentar a produtividade?
A entidade homologadora dos veículos rodoviários e a entidade reguladora das condições de segurança do trabalho nas estradas e ruas não vão preocupar-se com as reflexões pessimistas de nenhum cliente do café-bar-restaurante do meu bairro.
Mundo cão, segundo o cliente do café-bar-restaurante.
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