do DN de 29 de janeiro de 2012: "...as leis do trabalho são importantes, mas são um terço das medidas do acordo... a legislação laboral não é a panaceia dos problemas da economia portuguesa"
de uma entrevista na RTP2 em 25 de janeiro de 2012: "a rigidez da legislaçao laboral portuguesa terminou, segundo critérios da OCDE, em 2003"
Escrevo-vos por causa da nossa civitas iniquitatis, da nossa comunidade de desigualdade.
Dirijo-me especialmente ao primeiro ministro do governo do meu país e aos seus ministros das finanças e da economia.
É verdade que vocês dizem sistematicamente que a politica de sacrifícios é para todos por igual, que existe equidade nas decisões que vocês tomaram.
Recordo-me de que na minha infancia pensei como vocês.
Razão tinha Freud, a infancia condiciona o resto da vida.
Eu estudava, cumpria o meu programa de educação.
Não compreendia como podia haver quem não tivesse sucesso na vida que não fosse por preguiça ou por culpa própria.
Felizmente, para a minha consciencia, a minha família explicou-me a tempo que havia desigualdade na sociedade portuguesa, e que eu estava no grupo dos privilegiados.
E se era desigual, a sociedade portuguesa nos anos 50 do século XX...
Tenho com vocês em comum o ter tido uma família que me pôde proporcionar um curso superior.
Nunca vos ocorreu que a probabilidade de um cidadão ou uma cidadã ter um sucesso semelhante ao vosso na vida profissional é muito menor no grupo de quem não teve pais a facultar-lhe um curso superior ou um curso de qualificação profissional?
Essa diferença de probabilidade tem um nome, é a desigualdade.
Não gosto da desigualdade.
A desigualdade penaliza quem não tem acesso a uma educação continuada até à qualificação profissional.
E os resultados dessa penalização surgem com uma constante de tempo, ou atraso geracional, sob a forma de insucesso escolar, vandalismo, desemprego, criminalidade, impreparação profissional.
E são medidos pelo coeficiente de Gini e pelos inquéritos do PISA.
O que comprova, salvo melhor opinião, que não são as leis do mercado que os neo adam smithistas defendem, que vão corrigir este atraso em que nos encontramos.
Donde, impor medidas de austeridade a quem foi vítima dessa desigualdade, dificultando o desenvolvimento global da sociedade, vai agravar essa desigualdade, digamos, estrutural, quer as vítimas, trabalhadores por conta de outrem, tenham ou não a sorte de manter os seus empregos.
Nem sequer seria suficiente, embora necessário, estender essa austeridade aos escalões sociais mais ligados aos rendimentos de capital para diminuir a desigualdade, porque estou falando de uma desigualdade dinamica, que se agrava cada vez mais com a diferença de tratamento na educação entre os jovens cujos pais têm capacidade económica e os que não os têm.
O cabeçalho deste blogue manter-se-á negro enquanto vocês favorecerem a desigualdade.
Vocês falam como os sacerdotes que prometem o paraíso a quem não recebe, empregado ou desempregado, o suficiente para pagar a casa, a alimentação, a escola, os transportes, a saúde.
Vocês prometem o crescimento económico depois de um ou dois anos de austeridade, e que esse crescimento será assegurado pelo mercado livre, pela livre iniciativa, que produzirão riqueza donde se poderão derivar impostos para a saúde e educação.
Certamente que apresentarão estatísticas, dentro de um ou dois anos, dizendo que demonstram que tinham razão e que a culpa era, como diz o senhor ministro da economia, dos trabalhadores por conta de outrem que tinham excesso de regalias através dos seus acordos coletivos de trabalho.
Mas eu já não quero saber se vocês têm razão ou não, quer se trate das vossas pequenas questiúnculas que enchem jornais e caixas de comentários na internet, quer se trate de grandes opções em horizonte temporal de dois anos ou mais.
Porque tenho apenas um padrão para aferir o sucesso de uma política, e que é o de que se está ou não a cumprir, ou se está ou não a tender para o seu cumprimento, da declaração universal dos direitos humanos.
Vocês dirão que não há dinheiro para cumprir a declaração, e eu direi que se não existe dinheiro para isso é porque as instituições não estão a funcionar regularmente, e que se justificam assim medidas excecionais.
Não propriamente de austeridade, mas de acesso a fontes de financiamento que viabilizem esse cumprimento (juros a 20%, depois do senhor ministro das finanças dizer com aquele ar pausado e candido que "os mercados" já acreditavam outra vez em Portugal?!).
Mesmo que se vá buscar o financiamento também aos rendimentos de capital, apesar dos detentores desses rendimentos ameaçarem exportar os seus capitais.
Seria outra forma de austeridade, mais no sentido da deslocação, mais para o lado do trabalho, da linha de separação entre os rendimentos do trabalho e os rendimentos do capital.
Mas duvido que vocês façam o que estou a pedir.
Ou que se sentem à mesa com quem não pensa como vocês, com quem representa sensibilidades políticas que não as vossas, para combinar o que se deve fazer.
Duvido que abdiquem, por vontade própria, do monopólio de decisões em que se acastelaram.
Não querem saber de governos de coligação alargada extravazando o quadro partidário, como se fez na Islandia.
Aliás não querem ouvir falar na Islandia, esse tão mau exemplo.
Pena, porque Adam Smith era um homem sério e de formação científica, que punha o interesse social à frente do interesse egoista do empreendedor ou da empáfia dos governantes.
Releiam os textos, a ver se não é como eu digo.
PS em 31 de janeiro de 2012 - Pobre ministro da voz pausada; como aumenta o contraste entre o seu otimismo e a realidade; os juros a 3 anos ultrapassaram 24%; não é sustentável, não é possível pagar as dívidas assim; o BCE tem de poder emprestar diretamente aos governos, não são "os mercados" que podem resolver isto. Como diz o ditado castelhano, "de enero a enero, el dinero es del banquero". E pobre secretário de estado, tão convencido que estava que bastava um partido de orientação neo liberal subir ao poder para os juros baixarem. Eu até acredito que eles acreditem em si próprios. Santa ingenuidade. Se calhar minha, também.
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