segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Ópera no S.Carlos

Tarde de domingo de janeiro de 2012.
Terá sido, provavelmente, a última ópera apresentada no S.Carlos este ano.
E, se a política cultural do atual governo se mantiver, tão cedo não haverá ópera no S.Carlos.
Estão previstos concertos para ir ocupando os músicos, e rentabilização do espaço, como os economistas gostam, como restaurante, entre outros usos.
S.Carlos como restaurante

É verdade que existem dificuldades financeiras, mas as manifestações culturais de um povo são também um indicador importante.
Veja-se a imagem do camarote real/presidencial do S.Carlos.
Há muitos anos que não o vejo habitado.
Isso mostra bem a importância que os governos e os presidentes da República dão à cultura.
Os senhores governantes não gostam de ópera

Farão bem, do seu ponto de vista, em não irem à ópera.

Como já tenho dito, a ópera é subversiva, os compositores e os libretistas têm sempre segundas intenções.
Veja-se o caso desta ópera, Cosi fan tutte (assim fazem todas)  que se receia ser a última por muitos anos: Mozart pôs a empregada doméstica a cantar:
"Que vida maldita, a de criada!
de manhã à noite
sua-se, trabalha-se, faz-se e depois,
de tudo o que se faz, nada é para nós.
Há já meia hora que bato;
o chocolate está pronto, e a mim compete-me
cheirá-lo e ficar com a boca seca?
a minha boca não será, por acaso, igual à vossa, ó elegantes senhoras?"
Nada mal, para século XVIII, em Viena, capital do Império.
15 minutos antes do inicio. A sala encheu-se. A taxa de ocupação não justifica os cortes

Fazem bem, os senhores do governo, em não irem à ópera.
O primeiro ministro hungaro foi vaiado quando entrava na ópera de Budapeste.
Berlusconi, ainda primeiro ministro, teve de ouvir, logo a seguir ao coro dos hebreus, do Nabuco (Vai pensamento, sobre asas douradas...) o maestro Ricardo Muti a protestar contra os cortes na cultura "estou triste com o que se passa no meu país").
Os bárbaros tomaram o poder, mas ainda podemos chamar-lhes bárbaros.


Transcrevo um email recebido:
No último dia 12 de março a Itália festejava os 150 anos de sua criação, ocasião em que a Ópera de Roma apresentou a ópera Nabuco de Verdi, símbolo da unificação do país, que invocava a escravidão dos Judeus na Babilônia, uma obra não só musical mas também, política à época em que a Itália estava sujeita ao império dos Habsburgos (1840).
Sylvio Berlusconi assistia, pessoalmente, à apresentação, que era dirigida pelo maestro Ricardo Mutti. Antes da apresentação o prefeito de Roma, Gianni Alemanno - ex-ministro do governo Berlusconi, discursou, protestando contra os cortes nas verbas da cultura, o que contribuiu para politizar o evento.
 
Como Mutti declararia ao TIME, houve, já de início, uma incomum ovação, clima que se transformou numa verdadeira "noite de revolução" quando sentiu uma atmosfera de tensão ao se iniciar os acordes do coral "Va pensiero" o famoso hino contra a dominação. Há situações que não se podem descrever, mas apenas sentir; o silêncio absoluto do público, na expectativa do hino; clima que se transforma em fervor aos primeiros acordes do mesmo. A reação visceral do público quando o côro entoa - "Ó minha pátria, tão bela e perdida?"  Ao terminar o hino os aplausos da plateia interrompem a ópera e o público se manifesta com gritos de "bis", "viva Itália", "viva Verdi".
 
Não sendo usual dar bis durante uma ópera, e embora Mutti já o tenha feito uma vez em 1986, no teatro La Scala de Milão, o maestro hesitou pois, como ele depois disse: "não cabia um simples bis; havia de ter um propósito particular".
 
Dado que o público já havia revelado seu sentimento patriótico fez com que o maestro se voltasse no púlpito e encarasse o público, e com ele o próprio Berlusconi.
 
Fazendo-se silêncio, pronunciou-se da seguinte forma, e reagindo a um grito de "longa vida à Itália" disse RICCARDO MUTTI:
 
"Sim, longa vida à Itália mas... [aplausos]. Já não tenho 30 anos e já vivi a minha vida, mas como um italiano que percorreu o mundo, tenho vergonha do que se passa no meu país. Portanto aquiesço ao vosso pedido de bis para o Va Pensiero. Isto não se deve apenas à alegria patriótica que senti em todos, mas porque nesta noite, enquanto eu dirigia o côro que cantava "Ó meu pais, belo e perdido", eu pensava que a continuarmos assim mataremos a cultura sobre a qual assenta a história da Itália. Neste caso, nós, nossa pátria, será verdadeiramente "bela e perdida". [aplausos retumbantes, inclusive dos artistas da peça] Reina aqui um "clima italiano"; eu, Mutti, me calei por longos anos.
Gostaria agora...nós deveriamos dar sentido a este canto; como estamos em nossa casa, o teatro da capital, e com um côro que cantou magnificamente e que é magnificamente acompanhado, se for de vosso agrado, proponho que todos se juntem a nós para cantarmos juntos."

 
Foi assim que Mutti convidou o público a cantar o Côro dos Escravos.
Toda a ópera de Roma se levantou... O coral também se levantou. Vê-se, também, o pranto dos artistas.






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