terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Cais das colunas - Recordação de 2008

As imagens bonitas do cais das colunas, os primeiros passageiros do dia e o poema "Quando a harmonia chega"  do programa Câmara Clara que referi no "post" de ontem fizeram-me lembrar um email que enviei ao senhor presidente da câmara de Lisboa, quando ele declarou publicamente que pretendia fechar a estação de Santa Apolónia e transformá-la em apoio ao terminal de cruzeiros.
Este já lá está, não na estação ferroviária, mas no cais.
O senhor presidente estaria provavelmente influenciado por um senhor ex-ministro da economia, que lamentava o dinheiro gasto na expansão do metro a Santa Apolónia (e na reconstrução do cais das colunas, acrescente-se), quando o transporte de passageiros poderia ser feito por barco (na verdade podia, mas o transporte fluvial de massas tem os inconvenientes da incomodidade, da rápida saturação de tráfego fluvial, da limitação da capacidade de transporte acima de 10 barcos por hora)
Felizmente a estação ferroviária ainda funciona, em correspondencia com a estação de metropolitano.

Eis o email que em 2008 enviei ao senhor presidente da câmara:






O martírio  de Santa Apolónia
                                                                 "O que nos une é uma mesma ignorância."
                                                      (Pedro Paixão, Rosa vermelha em quarto escuro)
  
Exmo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

O Senhor Presidente da Câmara participou, sorridente, na cerimónia de inauguração da chegada do metropolitano a Santa Apolónia.
No metro já desesperávamos, e por isso entregámo-nos aos trabalhos que deixamos que chamem “de acabamentos”, neste caso também conhecidos por “especialidades ferroviárias”, e que o senso comum  compreende que são os mais demorados, mas que aqui não foram e assim conseguimos que o senhor presidente da câmara estivesse sorridente naquele dia 14 de Dezembro de 2007 e que nós escapássemos ao castigo de inviabilizarmos tão esperada consagração, embora ainda agora continuemos nos trabalhos e ensaios finais.
Graves foram os erros cometidos em todo o processo construtivo.
Corrigimos os erros.
Pagámos (somos tanto Povo como o Povo).
Demolimos os tampões de betão que protegeram o metro enquanto o túnel era consolidado com as obras de reforço.
Fixámos os carris ao fundo do túnel.
Estendemos os cabos eléctricos  e os cabos de comunicações que aguardavam  a demolição do betão protector para prolongar a rede até Santa Apolónia.
Pusemos a funcionar o posto de ventilação do pátio do Arsenal da Marinha que devia ter começado a funcionar em 1998.
Enchemos  as estações novas com tudo o que nos habituámos nas outras estações.
Orgulhámo-nos de ver, finalmente, os comboios cheios de cidadãos e cidadãs que chegam da Azambuja, de Vila Franca, do Barreiro, do Lavradio, na sua caminhada diária para o PIB.
 E vem agora o Senhor Presidente propôr o martírio de Santa Apolónia, mandando parar os comboios no Oriente, vendendo terreno e aproveitando o convento da santa para terminal de cruzeiros.
Eu digo martírio porque para nós é doloroso ver quebrar-se o elo de ligação do metropolitano aos comboios da Azambuja.
 Felizmente os colegas da CP já vieram dizer que os terrenos são precisos (não digo que umas franjazinhas de terreno não se pudessem converter em euros…) para alojar infraestruturas; isto de comboios é uma maçada, não são só os comboios, há sempre necessidade de mais coisas para eles funcionarem, às vezes até um núcleo museológico para os colegas do estrangeiro, na reforma, cá virem deixar mais umas divisas, e que o serviço até Santa Apolónia se justifica também com a ligação ao metro.
Não terá estado o Senhor Presidente à altura do contributo que deu para a melhoria dos transportes colectivos quando venceu a corrida com o Ferrari, essa ficou o metro a dever-lhe, e a resposta correcta da CP não é suficiente para nos tranquilizar.
Terá havido um aconselhamento de economista.
Mas o Senhor Presidente sabe que o economista sabe quanto custam as coisas mas ignora quanto valem as coisas (definição dada por um economista).
Se ele soubesse, sabia que a chegada de comboio a Santa Apolónia daqueles cidadãos e cidadãs vale mais, muito mais do que as mais valias ganhas com a venda de terrenos para cobrir o deficit da REFER.
 E se lhe vierem dizer que o projecto da RAVE para a linha do Oriente já tem infraestruturas que chegam para dispensar todas as de Santa Apolónia, seja cartesiano, não acredite.
 E se mesmo assim o economista lhe disser que já há correspondência com o metro na estação Oriente, então diga-lhe calmamente que os transportes urbanos numa cidade não são linhas, são redes de linhas, para que os cidadãos e cidadãs possam distribuir-se por várias linhas e por vários nós de correspondência.
É por isso que esta missiva começa com aquela citação de Pedro Paixão.
Poderá parecer deselegante, mas o objectivo é chamar a atenção para a complexidade dos problemas dos transportes urbanos, a que corresponde uma grande ignorância das soluções, e que todos partilhamos.
Deixem-nos porém, já que temos obrigação de ser um bocadinho menos ignorantes em questões de transportes, continuar a transportar os passageiros da Azambuja pela cidade dentro.
 E não leve a mal pedir-lhe que acredite nos técnicos de transportes. Quando De Gaule pediu o helicóptero para ver as “embouteillages” em Paris, em 1956, deu apenas uma ordem: “Resolvam-me esta merda” . Não disse como, nem disse ao ministro dos transportes para lhe explicar como. E foi assim que nasceu o RER (suburbanos de Paris).
 E muito menos leve  a mal que chame a sua atenção para um problema gravíssimo, em termos de transportes, que se gerou em Alcântara, graças a governos e câmaras anteriores (recorda-se do disparate de um anterior Presidente de Câmara propondo a supressão do caminho de ferro entre Alcântara e o Cais do Sodré e a venda do terreno para urbanizações de luxo? Como pode a Democracia, como podem os cidadãos defender-se destes ataques?) – a natureza geológica dos terrenos em Alcântara e a proximidade do caneiro e da sua foz recomendam que as estações futuras do metro e da CP sejam em viaduto (não vale falar em agressões ambientais quando estiveram previstas as duas torres Siza, ainda se pensa nos blocos Jean Nouvel e os edifícios novos que lá estão têm 6 pisos) e que os cruzamentos rodoviários se lhes subordinem. 
Caso para dizer agora que terão de ser os técnicos da especialidade a descobrir como fazer um terminal de cruzeiros sem erguer um muro segregador de 6 m de altura nem violar o convento de Santa Apolónia.
 Mas, por favor, que não sejam técnicos só de uma entidade, para haver um bocadinho de diversidade (é a diversidade a mãe das grandes soluções, diria o Padre António Vieira se as técnicas de gestão já estivessem no tempo dele tão evoluídas como agora), e não acontecer  o que aconteceu com a Ota e com o TGV (ai as soluções sigilosas…).
 E que não venha assim a haver nenhum martírio, que seria histórico, de Santa Apolónia, a virgem alexandrina heroína de um martírio lendário no século III, precursora do martírio real de Hipátia de Alexandria, a matemática lapidada por fundamentalistas cristãos um século e meio depois.
E se chamo Apolónia (a cultura que emerge)  e Hipátia (a cultura que resiste), é porque são bons exemplos de que é fácil escrever a história quando se tem o poder; e fechar ou deixar a funcionar a estação ferroviária de Santa Apolónia será sempre a melhor solução se, quem o decidir, fôr quem tiver o poder de deixar escrito que terá sido a melhor solução, deixando porém a amargura em alguns:  como evitar uma má solução para os transportes colectivos em Lisboa?

Pedindo desculpa pelo tempo tomado, apresenta os melhores cumprimentos, o cidadão munícipe de Lisboa

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