quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Uma noite na ópera - Portugal e a Hungria

Como já se disse neste blogue, a ópera, para alem de criar mecanismos injustificados de rejeição junto de alguns cidadãos e cidadãs, tem uma forte componente interventiva e está intimamente ligada à forma como a sociedade se organiza.
Além de que, apesar de tudo, é um espetáculo popular.

Em Portugal

Em Portugal criou-se a ideia de que não é, o que só ilustra um dos aspetos do pensamento português, de deixar que um grupo restrito dite o que todos devem pensar.
Ora, já é possivel ir ao S.Carlos à ópera, sem gravata.
Verdade que raramente lá se vê o senhor presidente da Republica e nunca o senhor primeiro ministro.
Este é tambem um sintoma do nivel cultural dos cidadãos que desempenham esses cargos e não deve portanto escandalizar ninguem.
As pessoas que não têm cultura são cidadãos como os outros e podem desempenhar esses cargos, sujeitos naturalmente ao juízo e à classificação na história em função da ausencia de nivel cultural nas suas decisões.

Em Portugal, o ataque cerrado dos bárbaros que tomaram conta do poder sobre questões de cultura de âmbito nacional, insistindo na tecla de que "não há dinheiro" (pode ser verdade, mas não de forma absoluta; além de que, sendo verdade, esperar-se-ia a declaração do estado de emergencia, porque um país sem cultura é uma situação de emergencia, salvo melhor opinião, que será talvez a dos governantes), conseguiu anular a apresentação de 3 espetáculos de ópera já programados para o S.Carlos (a programação de ópera é contratada com 2 anos de antecedencia, e os economistas queriam forçar os produtores estrangeiros a reduzir custos, dentro daquela velha máxima de fazer mais com menos, que evidentemente não foi aceite pelos produtores).
E o curioso desta história é que as pessoas do S.Carlos reagiram como eu costumo dizer aos meus jovens colegas que continuaram no ativo: não baixem os braços e criem estratégias de recuo, como o quadrado do condotieri Nuno Álvares.
E assim vamos ter ópera em janeiro: Cosi fan tutte, já programada, e outra em maio, La rondine de Puccini.
Perderam-se as outras, mas ainda temos ópera no S.Carlos, pode ser que os bárbaros tropecem ao longo da temporada, como os inimigos do condotieri em Aljubarrota.
A orquestra, o coro e o cantores vão ainda realizar alguns espetáculos para manter a atividade e não faltará o festival do largo, no verão, para espanto dos turistas que nos visitarem nessa altura, e que estarão à espera de que a cultura tenha desaparecido pelos fundos do orçamento.

O programa que recebi em casa, em carta que começa assim: "Caro assinante: Perante as contingencias provocadas pela delicada situação financeira e económica do país, e na sequencia das indicações do ministério das finanças referentes ao orçamento de 2012 ..."  (eu que pensava que o S.Carlos recebia indicações da secretaria da cultura ou da presidencia do conselho de ministros ...) leva-me portanto a aplaudir quem toma decisões e quem trabalha no S.Carlos, e a não ir já este ano ao teatro da Zarzuela em Madrid ou ao da Bastilha em Paris, para ver ópera, o que é bom para a balança de pagamentos.

Na Hungria


Na Hungria, a tradição musical tem outra implantação na classe politica, e o primeiro ministro dirigiu-se ao teatro de ópera para assistir a um espetáculo.
Tenho pena de não saber que ópera era. Talvez o "crepusculo dos deuses", não sei.
Mas o facto é que os manifestantes aguardavam-no à entrada e eram muitos, com cartazes a dizer "eleg volt", que em bom hungaro significa "basta".
"Basta" porque o senhor primeiro ministro quer alterar a constituição para controlar melhor o banco central hungaro,  para controlar melhor os meios de comunicação social incluindo a inernet, e para evitar a representação proporcional dos partidos menores que possam opor-se-lhe, numa prática que em Portugal tambem há quem defenda: alterar as regras eleitorais ao arrepio da matemática para conservar o poder.
Engraçado que a comissão europeia tambem não gostou das medidas do senhor primeiro ministro hungaro, embora não tenha autoridade moral para o fazer porque os dirigentes do BCE tambem não submeteram a sua politica a discussão e sufrágio universal.

Aguarda-se a evolução da ópera em Portugal e na Hungria.

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