domingo, 15 de janeiro de 2012

Os pasteis de nata e os pasteis de feijão

A senhora pediu ao empregado da pastelaria que lhe embrulhasse meia dúzia de pasteis de feijão.
A televisão mostrava, entretanto, o senhor ministro da economia propondo a internacionalização dos pasteis de nata para melhoria das exportações portuguesas e da balança de pagamentos.
O empregado já tinha o embrulho dos pasteis de feijão quase pronto, mas a senhora, seduzida pela ideia dos pasteis de nata, e possivelmente ignorando que eles já se vendem em Macau e no Japão, perguntou se não podia trocar os pasteis de feijão por pasteis de nata.
- Ora essa minha senhora, não custa nada, num instante desfaço um embrulho e faço outro.
E assim foi.
A senhora agradeceu muito, pegou no embrulho dos pasteis de nata e dirigiu-se para a porta.
- Mas minha senhora, esqueceu-se de pagar, disse o empregado.
- Não esqueci, não, o senhor disse que podia trocar os pasteis de feijão por estes, e até disse que não custava nada.
- Mas então pague os pasteis de feijão que encomendou.
- Encomendei, sim, mas não os levei, pois não?
E saiu.

Evidentemente que o que ficou escrito é uma anedota, de uma ponta à outra, mas lembrei-me dela com a história da "meia hora", que há dias vem sendo discutida a propósito de negociações do senhor ministro da economia com os parceiros sociais para a reformulação das leis laborais.
Como os livros de economia dizem, uma certa flexibilidade das leis laborais pode ser um fator da famosa competitividade das empresas produtoras de bens transacionáveis.
Pelo menos em ambiente de concorrência não regulada por mecanismos anti-dumping.
E era para isso, para melhorar a competitividade, que os senhores governantes se lembraram, já há uns meses, de acrescentar meia hora ao horário de trabalho diário.
Isto é, se fizermos a analogia com os pasteis de feijão, encomendaram a medida da "meia-hora".
Na altura houve especialistas de economia e não especialistas que chamaram a atenção que cada caso é um caso, que não há panaceias universais, isto é, que se uma empresa tem excesso de encomendas é ótimo trabalhar mais horas, mas se não tem é péssimo, e que aumentar o fator de produção correndo o risco de não aumentar proporcionalmente a produção (ver a influencia dos fatores psicológicos na produção ou ver a teoria dos rendimentos decrescentes) significa diminuição da produtividade.
Mas a tudo os senhores governantes reagiram como os três macaquinhos japoneses, o cego, o mudo e o surdo.
Até que agora, em plena fase de negociação com os parceiros, se voltam para eles e perguntam se podem trocar a "meia hora" por outro embrulho, por exemplo, por considerar como dias de férias as pontes entre fim de semana e feriado (teria sido uma falta de desatenção, como dizia a minha sogra, porque as pontes já eram contabilizadas como dias de férias, exceto se o trabalhador pedia a sua classificação como desconto no vencimento) ou reduzir proporcionalmente o número de horas semanais e o salário (salta-se de um extremo ao outro, é que no caso das empresas que têm excesso de encomendas não dá mesmo jeito nenhum reduzir o horário, embora infelizmente pareça que essas empresas são uma minoria).
Esperemos que, a exemplo da senhora dos pasteis de nada, não seja preciso pagar.

Então que sugere este blogue?
Para já, o que sugeriu sobre "kurzarbeit" (trabalho encurtado, suscetível de obtenção de fundos QREN para fins de formação) em :
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2011/11/pitagoricamente-jogando-com-numeros-ii.html

E também que considerem que querer uma legislação muito perfeita não é o essencial para resolver um problema, é apenas uma manifestação do complexo messiânico ou sebastianista que em linguagem corrente se sintetiza na frase "o que era bom era..." e depois continua tudo na mesma.
Como escreveu Camilo Castelo Branco, de que serve o regente fazer uma lei perfeita, se depois os tabeliões a aplicam mal?
Até porque, afinal, as leis atuais já são flexíveis o suficiente para permitirem despedimentos.
Uma colega minha foi despedida após processo disciplinar sumário que me pareceu injusto, há mais de um ano. Tinha o julgamento do recurso que interpôs no tribunal do trabalho marcado para janeiro deste ano, mas foi adiado para Maio.
Difícil, despedir em Portugal?










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