terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O naufrágio do Costa Concordia e as agencias de rating

Agora que quase todos condenaram à pena máxima o comandante do Costa Concordia, que, na realidade, não parece estar inocente, mas sabe-se como a tradição de culpa na cultura ocidental gosta de prender bodes expiatórios no pelourinho, vou tentar chamar a atenção para algumas questões pouco ventiladas durante o julgamento que a opinião pública e os comentadores fizeram. 
Por se tratar de uma questão de transportes, em que o conceito básico deve ser o de transportar as pessoas com o menor incómodo e a máxima segurança possíveis.
1 – do historial do comandante fazem parte, entre outras, duas desobediências, uma por sair do porto de Marselha com mau tempo contra o parecer da autoridade marítima, e outra por o seu navio ter sido visto demasiado perto da costa (o limite mínimo dos mínimos é de 200 metros);
                  - a questão é se a companhia deveria entregar a responsabilidade de um navio com 5000 pessoas a um profissional destes; é flagrante a analogia de comportamento com o piloto do avião em que morreram Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa; 
2 – o navio naufragado tem quase 300m de comprimento, 30m de construção acima do nível da água e 8,5m de calado; do lado de bombordo do casco do navio naufragado é visível um rombo longitudinal de cerca de 50m, ficando incrustado um pedaço do rochedo em que bateu; esse e outros rochedos encontram-se na proximidade de um cabo que o comandante entendeu “rasar” segundo uma tradição; antes de atribuirmos as culpas todas ao comandante conviria esclarecer:
                  2.1 – será que a tradição era conhecida mas tolerada na companhia, ou havia consequências disciplinares quando praticada?
                  2.2 – as rochas estavam assinaladas nas cartas? Existiam balizas de sinalização à volta dos rochedos submersos? (existem sinais específicos para assinalar a presença de rochas submersas  com indicação de qual o lado seguro para as contornar; duvido que o navio estivesse em automático àquela distancia da costa; as rochas deveriam estar sinalizadas)
3 – o navio naufragado continuou a navegar depois do choque, tentando virar para bombordo (lado esquerdo) e entrar no porto que serve as linhas de ferries, a cerca de 1000 metros do ponto de embate; aparentemente, terá adornado nessa manobra até se deitar nas rochas onde se encontra, uma vez que a sua rota era sul-norte e se encontra agora no sentido norte-sul;
                  - conviria esclarecer se é admissível fazer projetos de navios que adornam até virarem quando entra água numa extensão de um sexto do seu comprimento; a maioria dos navios de cruzeiros baseia-se neste conceito: pequenos calados para entrarem em portos pequenos, largura inferior à de segurança, pela mesma razão, grande altura de construção acima da linha de água.
Evidentemente que os navios são seguros se os giroscópios funcionarem e se não houver entrada de água. Cascos duplos, compartimentos estanques nos sentidos longitudinal e transversal, e calados e larguras maiores encarecem obviamente a construção e a exploração, reduzindo a velocidade. A tendencia para o balanço transversal  ou para adornar combate-se com quilhas laterais a todo o comprimento do navio, os chamados robaletes; porém, isso diminui a velocidade do navio e portanto a sua produtividade (foi a adição de robaletes ao Atlantida, cujo projeto original estava incompleto do ponto de vista da segurança, que reduziu a velocidade contratual; no caso do Costa Concordia, os pequenos estabilizadores horizontais parecem insuficientes para contrariarem o adornamento em situação de emergência). E lá se iam os maravilhosos preços do negócio de cruzeiros.
Já no ano passado ficaram patentes algumas inconformidades na manutenção e exploração de cruzeiros (eventualmente consequência de simplificações de projeto) quando vários navios avariaram em alto  mar. Aliás, o elevado número de passageiros serve exatamente para baixar os preços unitários.
E a segurança.
Por isso digo que é uma questão de transportes, esta do custo mais baixo não dever ser o critério primordial.

E também falo nisto porque navios de cruzeiros com calado da ordem de 10m não têm condições de segurança a norte do terminal de cruzeiros de Santa Apolónia, se as manobras se alargarem ou se sobrevierem condições de tempestade com vento sudoeste.








Agora que quase todos condenaram à pena máxima a agencia de rating que baixou a classificação da França e de mais paises, a qual, na realidade, não parece estar inocente, mas sabe-se como a tradição de culpa na cultura ocidental gosta de prender bodes expiatórios no pelourinho, vou tentar chamar a atenção para algumas questões pouco ventiladas durante o julgamento que a opinião pública e os comentadores fizeram. 
1 -  no sistema financeiro internacional em vigor, as ditas agencias estão fazendo o seu papel, e se há diferenças entre os juros pagos pelos empréstimos à França e à Alemanha, é natural que as pobres agencias ajam em conformidade;
2 – talvez quem, Sarkozy e companhia, se sente muito ofendido com as agencias de notação, não queira reconhecer que as medidas que estão tomando não são muito eficazes do ponto de vista de rendimento nacional de cada país;
          2.1 -  qual é o mantra (ou bíblia sagrada, como dizem os economistas) do BCE e  
                  seus seguidores?
           2.2 -  conter os preços
           2.3 -  como é que se contêem os preços?
           2.4 - aumentando a taxa de desemprego (lei de Philips)
           2.5 - e como é que se compensa o efeito negativo que isto tem no crescimento?
           2.6 - baixando a taxa de juro para facilitar os empréstimos aos industriais
           2.7 - mas baixar as taxas de juro contribui para as pressões inflacionistas
           2.8 - e essas pressões inflacionistas combatem-se com mais taxa de desemprego
           2.9 – que fazer, consderando que há escassez de liquidez em muitos setores?
          2.10 – emissão de moeda, normalização dos financiamentos, politicas de
                     crescimento e emprego, controle mínimo dos off e in-shores...

Foi isto que as agencias de rating quiseram dizer, ou o que talvez quisessem dizer, que os governos europeus, enveredando pela austeridade depressiva e recessiva, deixam de ser parceiros de confiança.
É um problema também político, não só económico e financeiro (veja-se a "guerra" de Obama contra o tea-party, a tentar desenvolver políticas de emprego e os republicanos a oporem-se).
É isto que muito boa gente também acha, que a política do BCE tem de mudar, que o empresário de Angeiras, Matosinhos tem o direito, como cidadão europeu, de pagar por um empréstimo o mesmo juro que o seu homólogo de Russelsheim.
Infelizmente, parece que a maior parte dos eleitores portugueses ainda acha que a política do BCE está muito bem, porque permite o sucesso a alguns, e provavelmente esses eleitores acham que lhes sai a sorte grande, mantêm os seus empregos e não querem saber dos pontos 2.1 a 2.8.
É uma pena, esse egoísmo social.
Pode é dar no naufrágio à moda do comandante do Costa Concórdia.


Mais informação sobre agencias de rating em DN/Viriato Soromenho-Marques:
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=2242206&seccao=Viriato%20Soromenho%20Marques&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco

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