Deixem-me pôr as coisas assim: as sociedades foram-se organizando segundo uma divisão do trabalho.
A evolução tecnológica foi provocando uma especialização cada vez maior.
Quer os remadores do Reno que combateram o vapor , os operários têxteis que combateram os primeiros teares mecânicos, ou os 62 desenhadores da sala de desenho de um fabricante automóvel que foram substituidos por 5 postos de computador, tenham tido ou não razão para as suas lutas, a verdade é que a evolução tecnológica conduziu a uma situação em que só uma pequena percentagem da população precisa de ser população ativa e só uma pequena percentagem desta necessita de estar empregada em atividades essenciais de sobrevivência e de lazer.
Isto é, o extraordinário aumento da capacidade de produção e de produtividade libertou a população da necessidade de produzir os meios necessários à sobrevivência e ao lazer.
O desenvolvimento da teoria económica e financeira permitiu que apenas uma pequena parte beneficiasse da maior fatia do rendimento, isto é, favoreceu a concentração da propriedade dos meios de produção e dos ativos.
Assim, na base do edifício temos a produção agrícola e depois a industrial, beneficiando da referida grande capacidade de produção e produtividade.
A seguir temos os serviços, em grande parte criando ativos virtuais sem correspondência com valores reais.
Karl Marx previu que os benefícios da evolução tecnológica seriam utilizados para o bem estar das sociedades.
As experiencias do Estado-providencia, relativamente bem sucedidas nos países escandinavos, pareceram dar alguma razão a essa previsão, e assim até se compreenderia o ataque encarniçado dos neo-liberais para redução do papel do Estado na garantia do bem estar.
Os anos recentes parecem configurar uma ameaça grave a esse conceito de bem estar e de Estado-providencia, ilustrada pelo desemprego elevado e expressa pela afirmação de que as despesas públicas são insustentáveis.
Serão ou não, mas o certo é que basta que uma parte minoritária da população produza os bens essenciais para que toda a população sobreviva.
Se se mantiver o atual modelo de propriedade dos meios de produção e de repartição dos rendimentos, uma pequeníssima parte da população concentrará a maior parte do rendimento, uma percentagem inferior a 50% terá as suas fontes de rendimento minimamente suficientes para uma vida digna, e a maioria viverá abaixo da dignidade, apenas com a garantia de programas assistenciais que impeçam, por exemplo, o crescimento excessivo da criminalidade ou a propagação de epidemias, uma vez que o código genético do 1% que detem os 80% do rendimento é rigorosamente o mesmo dos sem-abrigo.
Esses programas assistenciais beneficiam, igualmente, dos progressos tecnológicos e subsequente elevada produtividade.
Os preços anormalmente altos dos medicamentos para as doenças graves, como cancro e HIV, são exemplo da pressão dos grandes grupos químico-famaceuticos para reduzir o papel do Estado na assistência contribuindo para o aumento das despesas públicas, consideradas insustentáveis (assiste-se, no entanto, a curiosas experiencias em que o Estado, após o insucesso de negociações com os laboratórios, tomou a iniciativa de “violar” as patentes e produzir os medicamentos caros, a preços muito inferiores; caso do Brasil, África do Sul e Índia).
Nos anos 30 do século XX, um dos problemas de matemática nas escolas alemãs tinha no seu enunciado quando custava a educação de uma criança com deficiência mental (1800 marcos), uma criança média (350 marcos) e uma criança de coeficiente de inteligência elevado (150 marcos), perguntando capciosamente, em função do orçamento disponível, de quantas crianças deficientes poderia o Estado cuidar.
Esta pequena história recorda a recente interpretação do relatório sobre a ética do racionamento de medicamentos caros em função das caraterísticas do doente, ou a anterior discussão sobre a justificação de tratamentos de hemodiálise a reformados idosos sem rendimentos.
Independentemente das dificuldades financeiras de um Estado, estamos perante graves ameaças à declaração universal dos direitos humanos.
Por isso, deixem-me pôr o problema assim: antes da atual crise, ficou combinado que umas pessoas faziam umas coisas e outras outras; que uns trabalhavam num setor de serviços e outras num setor primário.
Privilegiou-se o setor de serviços não transacionável (concretamente em Portugal, desde as eleições de 1989) e reduziram-se as atividades nos setores agrícola/alimentar e industrial; agora, com o desemprego, existem demasiadas pessoas que são desprezadas e tratadas indignamente por governos que não colocam o combate ao desemprego como primeira prioridade, apenas porque não precisam de toda a população para a produção de bens e serviços, contentando-se com a pequena parte que tem emprego.
Privilegiou-se o setor de serviços não transacionável (concretamente em Portugal, desde as eleições de 1989) e reduziram-se as atividades nos setores agrícola/alimentar e industrial; agora, com o desemprego, existem demasiadas pessoas que são desprezadas e tratadas indignamente por governos que não colocam o combate ao desemprego como primeira prioridade, apenas porque não precisam de toda a população para a produção de bens e serviços, contentando-se com a pequena parte que tem emprego.
E só isso, essa ameaça de violação sistemática da declaração universal, já é suficiente para que se questione o atual modelo económico-financeiro, procurando medidas corretivas concretas.
Duvida-se que os simples procedimentos formais da democracia em vigor permitam, em países com limitada, no tempo, vivencia democrática, e com as limitações de vida cultural expressas pelos resultados do PISA, alterar no sentido positivo o referido sistema económico-financeiro, de modo a garantir à maioria da população um nível razoável de qualidade de vida.
De facto, a população desempregada tende a engrossar a abstenção sempre que há eleições, e a abstenção não é considerada na composição dos parlamentos.
Estimula-se assim a marginalidade e restringe-se a capacidade eleitoral dos cidadãos.
Poucos têm garantia de emprego, poucos votam, não há votos suficientes para mudar o sistema político, económico e financeiro.
Os cidadãos alemães dos anos trinta demonstraram grande falta de solidariedade entre os vários grupos sociais. Quem tinha rendimentos e quem acreditou nas suas mentiras, deu o poder a Hitler, primeiro por eleições, dando mais votos ao partido nazi, e depois por referendo, dando-lhe poderes absolutos.
Em escala diferente, guardando as devidas distancias, pode acontece o mesmo nas eleições em Portugal, falta de solidariedade para com os grupos marginalizados.
Os cidadãos alemães dos anos trinta demonstraram grande falta de solidariedade entre os vários grupos sociais. Quem tinha rendimentos e quem acreditou nas suas mentiras, deu o poder a Hitler, primeiro por eleições, dando mais votos ao partido nazi, e depois por referendo, dando-lhe poderes absolutos.
Em escala diferente, guardando as devidas distancias, pode acontece o mesmo nas eleições em Portugal, falta de solidariedade para com os grupos marginalizados.
Que não interpretem mal a falta de confiança na democracia para a resolução da crise atual.
Os problemas que lhe estão adstritos têm soluções técnicas que não dependem da ideologia dos técnicos (ou simples cidadãos) e por isso não pode haver exclusivos de partidos ou soluções unicas ou salvadores de pátrias.
Tampouco existem receitas universais (que ideológicas, quer técnicas) para resolver a crise porque as variáveis económicas não estão relacionadas entre si por leis deterministas. Numa dada conjuntura pode ser bom aumentar os impostos, mas noutra pode ser péssimo; o crescimento é normalmente bom, mas pode resultar de ações imorais (venda de armamento, tráfico de droga, estrangulamento do mercado por grupos oligopolistas). E infelizmente são pouco eficazes as armas de que democracia dispõe para enfrentar estes perigos.
Como dizia Churchill, a democracia é o pior sistema, mas os outros ainda são piores. Mais uma razão para o melhorarmos.
E para o melhorar, defende-se a implementação de mecanismos de participação ativa de cidadãos e a apresentação nesse âmbito, de sugestões de medidas corretivas concretas (um exemplo, não necessariamente a seguir, mas a estudar, sem duvida, para se retirar dele o que possa ser aplicado em Portugal, poderá ser o da Islândia após a crise financeira de 2008) .
Os problemas que lhe estão adstritos têm soluções técnicas que não dependem da ideologia dos técnicos (ou simples cidadãos) e por isso não pode haver exclusivos de partidos ou soluções unicas ou salvadores de pátrias.
Tampouco existem receitas universais (que ideológicas, quer técnicas) para resolver a crise porque as variáveis económicas não estão relacionadas entre si por leis deterministas. Numa dada conjuntura pode ser bom aumentar os impostos, mas noutra pode ser péssimo; o crescimento é normalmente bom, mas pode resultar de ações imorais (venda de armamento, tráfico de droga, estrangulamento do mercado por grupos oligopolistas). E infelizmente são pouco eficazes as armas de que democracia dispõe para enfrentar estes perigos.
Como dizia Churchill, a democracia é o pior sistema, mas os outros ainda são piores. Mais uma razão para o melhorarmos.
E para o melhorar, defende-se a implementação de mecanismos de participação ativa de cidadãos e a apresentação nesse âmbito, de sugestões de medidas corretivas concretas (um exemplo, não necessariamente a seguir, mas a estudar, sem duvida, para se retirar dele o que possa ser aplicado em Portugal, poderá ser o da Islândia após a crise financeira de 2008) .
O enunciado de medidas concretas é o objetivo de próximos “posts”, pretendendo-se em cada um apresentar uma medida de grande abrangência podendo envolver o relacionamento internacional, e outra de impacto mais concreto ou de aplicação mais imediata.
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