Podem as palavras, que são uma realidade objetiva, descrever um facto (ou não facto) surrealista, que ultrapassa as regras de relacionamento entre pessoas ou entre pessoas e conceitos?
Não sei, mas vou tentar.
Recebemos como herança, meu irmão e eu, um prédio antigo em Coimbra arrendado à Direção de Finanças de Coimbra.
Por decisão unilateral do inquilino, os serviços que utilizam o prédio foram mudando, primeiro, para a Direção Regional de Agricultura da Região Centro e, depois, até à atualidade, para a delegação do Instituto Geográfico Português.
Caiu-se naquele equilibrio em que o senhorio não gasta dinheiro na conservação do prédio, que o inquilino , por interesse próprio, lá vai fazendo, mas também recebe uma renda contida.
Veio então a crise do IMI e da atualização das rendas (portaria 240 de 2012).
Veio também a diretiva implacável de cortar despesas ou obter receitas públicas.
Imaginemos Kafka numa repartição puxando pela inventiva para cumprir a diretiva.
E o esforço deu frutos.
Recebemos um oficio do MAMAOT (quando se formou este superministério, ninguém fez um teste simples, terá sido por ignorancia, de conformidade da sigla? é que pequenos pormenores, como o desenho de um símbolo ou a conjugação de letras de uma sigla podem revelar desadequação relativamente à realidade e, aplicando um corolário da lei de Murphy, se podem, certamente que revelarão) com um formulário para preenchimento.
Tratava-se do formulário de inscrição na lista de fornecedores do MAMAOT para satisfação dos requisitos da contratação pública e das boas práticas de gestão dos fundos públicos.
Mas tratava-se tambem de um pedido para nós, os chamados proprietários do prédio, nos constituirmos em fornecedores de serviços ao MAMAOT, com a obrigação implicita de abrirmos a respetiva atividade nos serviços de finanças e de fornecermos os elementos para investigação fiscal (!!! a base da política fiscal portuguesa é esta, já hámuitos anos: o contribuinte é um criminoso que dee apresentar provas de que não é criminoso).
Eis a componente surrealista.
Não queremos ser fornecedores.
Nunca tivemos vocação para atividade económica continuada visando o lucro.
É, há pessoas assim.
Que não precisam de vir para as caixas de comentários da internet discutir o que é e o que não é serviço público, e que durante a sua vida ativa fizeram isso, serviço público, em função das necessidades da comunidade.
Há um direito constitucional que diz que ninguém pode ser obrigado a desempenhar uma atividade que não quer.
Podemos aceitar uma relação contratual de arrendamento.
Declaramos anualmente no IRS as rendas recebidas, considerando a retenção na fonte e a contribuição autárquica paga.
Pagamos o IRS em conformidade.
Mas não queremos ser fornecedores de serviços.
Se quiserem denunciar o contrato de arrendamento, podem; eu até preferia que não, mas podem, não me oponho.
Se quiserem utilizar um coeficiente de valorização superior ao coeficiente justo para efeitos de atualização do IMI, podem, que eu aceito um pequeno aproveitamento dos senhores fiscais tributários, porque já está elaborado o meu plano B, contrariamente aos governantes financeiros do meu país (ao aumento de impostos sucederá uma redução dos seguros)
Assim como o sapateiro de Apeles não devia subir acima da sandália, não suba o MAMAOT acima do limiar da ameaça à dignidade do cidadão.
Não sejam surrealistas.
Acalmem essas mentes pesquisadoras de medidas punitivas.
Pensem antes nas medidas de financiamento (QREN, claro) e estímulo à reabilitação urbana.
Quando quiserem, podemos discutir medidas muito concretas.
Querem?
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