"Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
- Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos, assentámos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma.
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
-Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...
A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
- Ainda o apanhamos!
- Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o «americano», os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia."
Este é o texto final de Os Maias, de Eça de Queirós.
Depois de encontrada a solução para os males do mundo, e decretada solenemente a inutilidade de qualquer esforço de correr atrás seja do que for, o grito libertador ecoa para os lados das escadinhas da praia em Santos, onde o aterro ganhava espaço ao rio em obra pública mais consistente do que o pífio arranjo estético da zona ribeirinha a que assistimos encolhidos, tolhidos pelo peso da dívida maior do que a de Fontes Pereira de Melo, e os dois burgueses, sem preocupações financeiras e atrasados para a ceia na Baixa, correm desalmadamente para apanhar o "americano" da linha para Santa Apolónia.
Dir-se-ia hoje que correriam para apanhar o comboio europeu.
Que ainda o podemos apanhar, apesar do atual governo contribuir com grande esforço e incontestável eficácia, para a persistencia da divergencia dos indicadores principais, entre Portugal e a Europa.
"Ainda o apanhamos, ainda o apanhamos".
Com este primeiro ministro e este ministro das finanças é claro que não, mas há que correr mais um bocadinho e, quanto à opinião pública, deixem-me recordar a propósito que, se na Austrália vigorassem os métodos fechados de tomada de decisão, a propósito dos arranjos pífios da frente ribeirinha, nunca a ópera de Sidney teria visto a luz do dia (conceito arquitetónico diferente do geralmente aceite), nem tampouco, quando se fala em investimento público em época de crise , a ponte Brisbane (deuses, os senhores governantes não saberão como foi comprado o Afonso de Albuquerque na bancarrota do fim de século?).
Mas coragem, "ainda o apanhamos".
campaínha para o sinal de pedido de paragem |
A rampa de Santos, junto das escadinhas da praia, nos dias que correm, com o largo de Santos o Velho ao fundo |
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