segunda-feira, 10 de junho de 2013

Corrupção

Honra a Paulo Morais, que publicou o seu livro sobre a corrupção em Portugal ("Da corrupção à crise", ed. gradiva) e organizou a reunião da Transparencia internacional a decorrer em Lisboa.
Segundo as suas contas, a contribuição das despesas dos particulares para o endividamento externo, isto é, o "viver acima das possibilidades", foi apenas de 15%. À corrupção terá cabido uma fatia de 70% (por exemplo inflacionando o valor dos terrenos agrícolas que uma câmara de repente classifica como passível de  construção e que se desvaloriza depois do empréstimo concedido). Sobrarão 15% da responsabilidade da crise externa. Conviria divulgar bem isto, agora que os senhores governantes só falam da dívida pública (interna e externa).
Como Paulo Morais diz, a acusação de que os particulares, comuns dos mortais, viveram acima das possibilidades comprando casas, carros e telemóveis, é um embuste porque não é a componente principal do endividamento.
No nosso caso, terá sido principalmente o grande volume de especulação imobiliária (valorização artificial de terrenos que fatalmente foram depois desvalorizados).
E realmente, bate certo com a experiencia de cada um, por exemplo, aquele terreno no Algarve, entre Altura e a Praia Verde, que um holandês (ou sueco) acabou por vender barato porque a câmara não lhe autorizava a construção de um aldeamento. Quem comprou, por acaso ligado à construção civil e ao futebol, em 6 meses obteve da câmara a autorização. Mas veio a crise e o projeto encontra-se à espera de melhores dias.
Se corrupção para isto é uma palavra muito feia, embora seja exatamente o que o latim queria significar, degradação, deterioração, enfraquecimento, aviltamento, prejuizo para o bem comum, podemos usar o eufemismo dos economistas, informação e poder de iniciativa assimétricos.
Que é um dos critérios de que o mercado está a funcionar deficientemente, não gerando portanto a prosperidade desejada.
Compreende-se assim a conclusão de Paulo Morais, de que a corrupção é o principal responsável pela crise.
E continuará, enquanto os gabinetes de advogados dominarem o grupo de deputados do Parlamento e os grupos financeiros e bancos continuarem a absorver os dinheiros das parcerias (únicas no mundo em termos de prejudicar o Estado e o bem comum) e ex-ministros como Ferreira do Amaral, Valente de Oliveira, Jorge Coelho e Pina Moura encontrem abrigo em grandes construtoras ou grandes empresas como a Mota-Engil, a Lusoponte ou a Iberdrola. Pois se até o "défice tarifário" da eletricidade já foi titularizado (isto é, já há bancos à espera de cobrar).
E que são os pobres "swaps" CDS que o metropolitano de Lisboa irrefletidamente contratou comparados com isto? (por exemplo, a ponte Vasco  da Gama custou cerca de 900 milhões de euros, podia ter ficado por  metade, teve uma comparticipação privada de 200 milhões e os privados já receberam 900 milhões).
Infelizmente a corrupção só se combate eficazmente na escola com uma mudança de mentalidade em relação a ela, com condenação publica mas aceitação da necessidade de divulgação e informação da gestão da coisa pública. E a escola não o tem feito (não por deficiência interna, mas porque o insucesso escolar depende principalmente da falta de capacidade educacional e financeira das famílias), apesar da interessante iniciativa que levou uma das crianças a escrever: "a corrupção é como o açúcar: sabe bem mas faz mal".
Portanto vamos continuar assim.
Recordando alguns casos, mais ou menos pitorescos, como o do colega encarregado da venda dos andares excedentários, quando o metropolitano concentrou serviços. O agente imobiliário que tratou da venda, ao fechar o negócio deu-lhe uma valente palmada nas costas e disse-lhe: "e para o senhor engenheiro, os habituais 3%"  (claro que não houve nenhuns habituais 3%).
Ou o jovem técnico que, aflito, perguntou ao pai o que fazer com um envelope que o empreiteiro lhe deixou fechado em cima da mesa de café e que continha 200 contos (foi pedido ao empreiteiro que passasse pelo gabinete para lhe entregar uma coisa de que se tinha esquecido).
Ou o administrador, zeloso militante do partido, que pedia aos empreiteiros que ganhavam concursos, depois de ter anulado os anteriores que eles não tinham ganho, uma pequena contribuição para o partido.
Essas coisas aconteciam por vezes numa fase de contencioso com o empreiteiro por dúvidas de trabalhos a mais e omissões e, de repente, chegava-se a acordo.
Eu costumava dizer que deviamos desconfiar dos empreiteiros que, naquele período de dúvidas no fim das empreitadas, se os trabalhos estão ou não completos, se tudo funciona bem e se se pode dar o contrato por terminado por estarem cumpridas as obrigações do empreiteiro, exigiam a rápida libertação da garantia bancária (uma verba de 5% que o banco cativava ao empreiteiro até o metropolitano lhe dizer que estava em bom fim, o contrato). É que a pressa podia ser consequencia do empreiteiro ter utilizado para ganhar o concurso aquela margem de luvas que se prevê, mas que pode não ser utilizada. E a verdade é que muitas vezes o empreiteiro preferia não receber os 5% a gastar dinheiro a completar e corrigir o fornecimento final. O que me deixava desconfiado de que não tinha pago luvas, apenas desconfiado, porque nada podia provar. Este tema é muito interessante, especialmente quando muitas empresas privadas fazem o papel de vítimas de atrasos do pagamento pelo Estado ou empresas públicas (o que na verdade ocorre  mais do que o conveniente), quando nalguns casos se recusam a completar ou corrigir os fornecimentos
Felizmente que  pessoalmente não tive tentações de suborno. O mais próximo que tive foi uma frase sibilina do administrador de uma multinacional, num concurso de 5 milhões de euros : "Lembre-se de nós, senhor engenheiro, que nós nos lembraremos de si depois".  Mas perdeu o concurso, o senhor, e por pouco, que o concorrente tinha apresentado melhor proposta. Um senhor administrador ainda ralhou comigo, explicando-me que a proposta preterida tinha uns equipamentos inovadores que funcionavam com maior rendimento. Era verdade, mas exigiam mais manutenção; o melhor rendimento era apenas funcional, não económico. Falo nisto apenas para ilustrar o perigo de decisões de gestores em questões técnicas, como vi acontecer com a anulação de um concurso porque o senhor administrador queria adjudicar os equipamentos a outra  empresa. E curiosamente, a lei da contratação pública, elaborada por um escritório de advogados que ganha dinheiro a explicá-la às entidades públicas que contratam,como denuncia Paulo Morais e eu testemunhei, permite fazer um ajuste direto (à empresa que se deseja) depois de anular um concurso (ganho pela empresa que apresentou a melhor proposta técnico-económica).
O livro de Paulo Morais pode ser considerado uma novela de terror pela sordidez das histórias de suborno, clientelismo e promiscuidade entre politicos, financeiros, advogados e empresários, e pela impossibilidade física do país recuperar sem combater a corrupção. Propõe soluções, como a renegociação (honrada, como diz Miguel Cadilhe) dos juros dos empréstimos (nenhum país consegue diminuir a dívida se a taxa de crescimento for inferior à taxa de juro) e como a declaração de dívida ilegítima de parte substancial das rendas dos contratos das PPP. Reduzindo a rentabilidade de 14% para 7%, seguindo o raciocínio de que o custo da obra poderia ter ficado por metade do custo que figura nos contratos.

Dificil, muito dificil combater a corrupção em Portugal. Por isso achei interessantissima a referencia no livro já citado de Tim Harford, "Adapte-se", ed. Presença, ao artigo de Benjamin Olken sobre a corrupção na construção de estradas na Indonésia, medida experimentalmente - ver
http://www.povertyactionlab.org/publication/monitoring-corruption-evidence-field-experiment-indonesia.

A conclusão, ancorada no conhecimento de consultores de engenharia dos custos de construção (exatamente o mesmo princípio seguido por Pompeu Santos ao calcular que a ponte Vasco da Gama poderia ter custado metade) foi a de que em 600 estradas, entre subornos, expropriações por preços empolados (um dos cancros a que se recorre muitas vezes em Portugal, atrasando e encarecendo as obras públicas) ou desvios de quantidades de material e de mão de obra, mais de um quarto do custo das estradas foi desviado.

Enfim, pode parecer aos senhores governantes e aos politicos de maior destaque que este é um assunto exagerado por uma pequena parte da opinião pública, uma espécie de teoria da conspiração.

Infelizmente parece que não, que não é exagerado.

PS em 15 de junho de 2013 - Utilizemos uma imagem literária: sente-se um frio agressivo quando se vê um risco de corrupção (recorda-se que corrupção significa enfraquecimento, deterioração, degradação; só por sentido figurativo ela significa suborno, dado que uma instituição enfraquecida tem um risco maior de ser subornada), como por exemplo a perseguição doentia e precipitada (porque ignorando que os próprios bancos propuseram ao atual governo, há dois anos, a prevenção dos riscos dos contratos swap) decorrente duma análise sob a supervisão de um membro do atual governo que participou em contratos desse tip; ou o ajuste direto à JPMorgan da assessoria financeira da privatização dos CTT , depois da ameaça de a processar, e sabendo-se que o diretor do crédito público já foi seu funcionário; ou que outro membro do governo desempenhou anteriormente as suas funções noutra financeira que tambem vai participar na privatização dos CTT e que desempenhou um papel central nas negociações originais de muitas das nocivas PPP (agra sob sua supervisão indireta) . Tudo isto faz frio, porque sente-se a fraqueza das instituições perante o assalto da alcateia financeira, de um grupo forte e restrito; de um lado a fraqueza do Estado perante os fortes, e do outro a força do Estado perante os fracos.
Mas sente-se uma corrente de ar quente e agradável quando se vê o diretor da agencia de apoio à exportação recusar por conflito de interesses a nomeação para um cargo de administrador da CGD. Até porque revela mais uma incapacidade do atual ministério das finanças em compreender uma natureza das coisas diferente do lucro como essencia dos grupos.





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