terça-feira, 8 de junho de 2010

Educação XIII - os cálculos do fecho das pequenas escolas

Nota: os cálculos seguintes não são complexos; aliás, para eu próprio os fazer, não poderiam ser complexos; são também extensos; será um desafio ao leitor porque, depois de os seguir, poderá responder a um dilema simples: tenho os cálculos errados (ou assentes em dados insuficientes), ou os argumentos que lemos na comunicação social sobre o fecho das escolas com menos de 20 alunos constituem um objetivo engano aos cidadãos?


Seja um distrito escolar de topologia semelhante ao do problema da economia dos supermercados posto no blogue em 2010-01-02.
Seja A a povoação principal do distrito com:
20.000 habitantes
1.000 alunos de instrução primária (5% da população)
1 escola
50 turmas (20 alunos/turma)
67 professores (15 alunos/professor)
10 funcionários (5 turmas/funcionário)
5 administrativos

Seja AB um troço de auto-estrada de 20 km e C e D duas povoações rurais equidistantes 5 km de B e em que, em cada uma delas, existem:

200 habitantes
10 alunos
1 escola
1 turma
1 professor
2 funcionários

Temos que este distrito escolar tem ao todo:

20.400 habitantes
1.020 alunos
3 escolas
69 professores
14 funcionários
5 administrativos

Suponhamos agora que do exterior do distrito vem uma ordem de reorganização das escolas, fechando as duas pequenas escolas e enviando as crianças das duas povoações rurais para a escola da grande povoação.
Teremos então nesta única escola:

1.020 alunos
51 turmas (20 alunos/turma)
68 professores (15 alunos/professor)
11 funcionários (5 turmas/funcionário)
5 administrativos

Temos assim que a medida de “racionalização” permitiu a poupança de 1 professor e 3 funcionários.
Do outro lado da balança temos, excluindo preocupações pelo bem estar das populações (benefício da proximidade das crianças relativamente às famílias; benefício do estímulo ao emprego e às trocas nas pequenas povoações) o aumento de custo de transportes das crianças.
Admitindo que os 20 alunos das pequenas povoações têm de percorrer 2 vezes 25 km por dia, teremos 20x2x25 = 1000 alunos.km por dia.
Considerando 1 carrinha por 10 alunos, teremos um consumo diário de 0,08x1000/10 = 8 litros de combustível por dia, e, para 160 dias por ano, 1280 litros por ano (cerca de 1300 euro por ano).
Qualquer gestor com o ciclo básico concluirá então que a economia dos encargos remuneratórios de um professor e de 3 funcionários compensa amplamente os custos com combustível. Vamos complicar um pouco: cada carrinha faz um total de 2.000 km por mês, incluindo outros serviços, ficando cada km por 4,2 euros (3 euro para amortização em 6 anos, 0,2 euro para manutenção por km e 1 euro por km de lucro) .
Logo, os custos de transporte serão 100km x 160 dias x 4,2 euro/km = 67.200 euro
(e já agora, 16.000 x 0,2 = 3200 Kg de CO2 por ano)
Ainda assim, continua a não compensar pagar os ordenados ao professor e aos três funcionários (a menos que lhes baixássemos ainda mais os salários); então vamos mesmo fechar as 2 escolinhas das duas pequenas povoações.
Aliás o mais certo era os professores não serem da terra e todos os fins de semana andarem a gastar combustível nas deslocações, o que deveria deduzir-se daquele valor de 67.200 euro.
Isso, é benzinho fechar as escolinhas.
Faz lembrar daquela vez em que uma douta comissão mandou fechar as maternidades porque a taxa de mortalidade era muito grande quando nasciam menos de 500 bébés por ano (lá está outra correlação, entre o número de nascimentos e a taxa de mortalidade).
Esqueceu-se a douta comissão de que em hora de engarrafamento não havia acesso às maternidades centrais, e muito menos em dias de tempestade (é natural que dadas as doutas especialidades da douta comissão nunca tivessem ouvido falar em análise de riscos).
E para cúmulo, perguntado o douto presidente da comissão se já tinham comprado as ambulâncias para o “esquema”, foi respondido que “isso” era com outra comissão (sabe-se a frequência com que os bombeiros servem de parteiros nas estradas).
Julio Cesar, que reportou que os lusitanos não sabem governar-se nem deixam que os governem, nos perdoe a todos.

Mas voltemos aos cálculos.

Seja 470.000 o número de alunos do 1º ciclo em 3200 escolas deste nosso país abandonado (o adjetivo “abandonado” significa, aqui, desertificado no interior do país e no interior dos limites do município de Lisboa).
Admitindo neste momento que 3,5% dos alunos frequentam 900 escolas com menos de 20 alunos, isso quer dizer que em povoações com população suficiente, existirão 453550 alunos, enquanto em pequenas povoações existirão 16450 alunos.
Mantendo as relações acima (20 alunos/turma; 15 alunos/professor; 5 turmas/funcionário; 5 administrativos/escola), teremos nas povoações com população suficiente:

453550 alunos
9.650.000 habitantes
2300 escolas
22678 turmas
30237 professores
4535 funcionários
460 administrativos

E nas pequenas povoações:

16450 alunos
350000 habitantes
900 escolas
900 turmas
900 professores (desprezando reservas para substituição como no anterior caso)
1800 funcionários

Temos assim que neste nosso país teremos

470.000 alunos
10.000.000 habitantes
3200 escolas
23578 turmas
31137 professores
6335 funcionários
460 administrativos

Suponhamos agora que de Lisboa vem a confirmação da ordem de fecho das pequenas escolas, enviando as crianças das pequenas povoações rurais para as escolas das grandes povoações.
Teremos então nesta esquema, mantendo as relações:

470.000 alunos
10.000.000 habitantes
2300 escolas
23500 turmas
31333 professores
4700 funcionários
460 administrativos

Isto é, a “racionalização” do fecho das escolas prometeu uma economia de:
900 escolas (não é linear esta vantagem, uma vez que o afluxo de novos alunos às escolas exigem obras para a sua adaptação)
1635 funcionários
E um agravamento de:
196 professores (porque passou a aplicar-se a taxa de 1 professor para 15 alunos, para não fazer mentirosas, no sentido que Fernão Lopes dava ao termo, das pessoas que justificaram a medida com a melhoria das condições de ensino; ou então, como os valores acima de 3200 escolas, 470.000 alunos e 3,5% de alunos em escolas com menos de 20 alunos são números oficiais, talvez que a média de alunos por pequena escola seja mesmo superior a 15; ou então há mais do que um professor por pequena escola; ou …)

A estes benefícios decorrentes do fecho vamos somar os custos de combustível adicionais, relativamente à situação anterior (habitação média a 25 km da escola da grande povoação):
16450 alunos x 2 x 25 km x 160 dias = 13,6 milhões de alunos.km
ou:
900 (escolas fechadas) x 2x25 kmx160 dias = 7,2 milhões de km
ou:
7.200.000 km x 0,2 Kg CO2/km = 1440 ton CO2/ano
ou:
900 (escolas fechadas) x 2x25 kmx160 dias x 0,08 litros/km = 576.000 litros de combustível
ou:
7.200.000 km x 4,2 euro/km = 30,24 milhões de euro por ano

Dividindo este valor por 1635-196 = 1439 (número de funcionários e professores poupados) obteremos 21.015 euro por ano, que seriam os encargos remuneratórios por ano e por pessoa acima dos quais se justificaria, dum ponto de vista exclusivamente económico, o fecho das 900 escolas.

Mas enfim, serão discutíveis os pressupostos , embora eu fique na dúvida se serão os meus ou os dos proponentes do fecho, ou ambas as hipóteses.

Comentário final:

Ainda há bem pouco tempo se lia nos jornais, tão disponíveis para apoiar as políticas dos ministérios da Educação, que uma boa medida seria o mesmo professor dar várias disciplinas já no 2º ciclo (idades de 10 a 15 anos). Agora os mesmos meios anunciam como vantagem do fecho das escolas os meninos terem professores especializados nas disciplinas.
É apenas, para além de intoxicação informativa, um exemplo de falso problema. É fácil, havendo vontade e capacidade de organização, compensar a deficiente preparação dos professores (os mais jovens já eles próprios vítimas das políticas dos anteriores ministérios burocratizados e adeptos das alegrias e das facilidades da aprendizagem). Existem os meios televisivos e existem métodos de instrução privilegiando a definição e programação exaustivas dos programas e a sua execução quase automática (ver as referências ao método DI – Direct Instruction System for Teaching Arithmetic and Reading, de Zig Engelmann e seus seguidores, posto anteriormente neste blogue.
Considerar ainda uma questão extremamente importante. A realidade nacional é a de que grande percentagem de alunos necessita de escolas de ensino especial, com métodos próprios e professores especializados, fora do sistema normal de educação. Infelizmente assiste-se ao fecho dessas escolas, fundamentalmente vocacionadas para ensino profissional aplicado. Possivelmente para ocultar maus indicadores de reprovações (retenção).
Acho que ainda hei-de voltar à questão do ensino especial.

Enfim, como diz Manuel Maria Carrilho, “vivemos assim, mas não devíamos”.


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2 comentários:

  1. Admita-se que entre os 10 alunos das povoações mais pequenas apenas existe uma menina de 6 anos, e que todas as outras crianças são do sexo masculino e todas com idade superior a 7 anos. Neste caso não é melhor a escola na sede de concelho? Nas contas apresentadas é necessário modelarizar a ocorrência deste fenómeno. E, já agora, modelizar o custo com refeições, equipamento escolar, psicólogos, etc... Neste situação, se calhar, a melhor solução é dar negócio aos taxistas do concelho e efectuar um serviço à chamada pago com a massa dos contribuintes. Parece-me ser a solução mais barata, mais eficaz, mais eficiente e que deixava os taxitas e as crianças mais felizes...
    PJP

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  2. A questãso é precisamente essa. Deviamos modelizar. Mas não temos elementos suficientes, enm eu, nem o Ministério (confiança zero na sua, dele, capacidade para modelizar; não é um trabalho para burocratas, éum trabalho para analistas de dados.
    Mas repare, o modelo de escola de 10 alunos é um exercício meu, para fazer parelha com o modelo dos supermercados (a estratégia das grandes superfícies é concentrar, o interese dos consumidores e global é desconcentrar).
    Porque para criticar, devo basear-me na informação fornecida pelo Ministério. E esta, foi a de que 3,5% de alunos frequentam escolas com menos de 20 alunos cada. Mas 3,5% de alunos de 470.000 alunos, que foi o número fornecido pelo Ministério dá 16.450 alunos distribuidos por 900 escolas , que também foi um número dado pelo Ministério. Logo, a média nas escolas rurais é de 17 alunos por escola. Qual a probabilidade da menina de 6 anos estar sózinha no meio dos matulões? Pequena.
    Mas pôs o dedo na ferida. O Ministério quer, de forma ligeira , resolver tudo com o transporte, como no caso das maternidades. Ora, o transporte, por razões energéticas, deve ser minimizado. Por isso contabilizei 4,2 euro por km para o homem do taxi ou da carrinha de transporte. Por razões de vária ordem que não posso imputar ao Ministério, as minhas 2 netas fazem uma média de 30 km por dia de automóvel. Eu prefiriria quenão, inclusive por razões de risco rodoviário. Que deverá ser contabilizado também, se contabilizarmos, no outro prato da balança, as refeições e o apoio psicológico (tenha cuidado, não há apoio psicológico na escola em que a minha mulher dava aulas, na freguesia de S.João de Brito em Lisboa; acha que conseguiamos com um esquema ambulatório nas povoações rurais?).
    Insisto. Há uma grande incapacidade de tratar o problema como deve ser, começando pela incapacidade de modelizar.
    Agradecido pela colaboração, que permitiu melhor abordagem destas questões.

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