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Exmo Senhor Secretário de Estado dos Transportes
Peço desculpa por me dirigir a VExa.
Faço-o, porque pertenço à comunidade de quem trabalha em transportes, julgando ser legítima a preocupação, como cidadão e nos termos da legislação vigente, de aceder à informação de interesse público sobre a temática dos transportes.
Tendo sido anunciada no princípio de Fevereiro a apresentação “a muito curto prazo” do plano estratégico de transportes atualizado e sobrevindo o agravamento da crise financeira, com o seu cortejo de restrições drásticas nos planos de expansão dos transportes coletivos, é compreensível essa preocupação, aliada à indefinição da aprovação dos orçamentos das ações estratégicas das empresas.
Esperando assim relevada a minha falta, refiro-me em concreto ao caso da anulação do concurso para a Terceira Travessia do Tejo.
Perdoar-me-á que invoque pessoalmente alguns anos de experiência em concursos públicos no âmbito dos transportes públicos. Nunca geri um grande concurso para uma grande empreitada de construção civil. Mas tratei de concursos de equipamentos e sistemas com alguma expressão, se considerarmos a importância que tem a segurança de circulação dos comboios, que era o objeto desses concursos.
E a experiencia que eu adquiri leva-me a pensar que a última coisa que se deva fazer é a anulação de um concurso. Anulá-lo ou, sem o anular, alterar as especificações pedidas, como se verificou no caso dos submarinos.
Anular um concurso tem sempre o risco de, mais tarde, o consórcio perdedor no segundo concurso invocar uma eventual posição vencedora no primeiro concurso, anulado.
Existe ainda o risco de uma auditoria posterior não acolher os argumentos invocados para a anulação do concurso, a saber, de acordo com o novo código de contratação pública: surgimento de circunstâncias imprevistas que impliquem a alteração de peças fundamentais do concurso, ou de circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar.
Trata-se do famoso artigo 79 – causas de não adjudicação.
A questão, para tal auditoria, é que não houve circunstâncias imprevistas nem supervenientes, porque quando foi tomada a decisão de contratar, isto é, de lançar o concurso, já se sabia que a economia estava má (estou a recordar-me de uma entrevista do dr Vitor Bento: “Já era conhecido há tempo suficiente que íamos ter de fazer um esforço grande.”), até porque o peso negativo e excessivo das importações no PIB era de há muito insustentável. E porque já se sabia, como o provou o Prós e Contras de 2008, que não estavam bem o pilar norte da TTT nem o perfil longitudinal e a altura do tabuleiro da TTT , por não ter havido consulta técnica ao Instituto Hidrográfico.
Temos então que, à face da lei, se o motivo da não adjudicação é o surgimento de circunstâncias imprevistas que impliquem a alteração de peças fundamentais, então é obrigatório lançar novo concurso dentro de 6 meses (art.80).
Se o motivo foram circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar (será que o legislador mediu o grau de subjetividade desta frase?), terá de se extinguir a decisão de contratar.
Então, porque o concurso vai ser relançado dentro de 6 meses, admito que o motivo terá tido origem em circunstâncias imprevistas.
Permito-me sugerir o aproveitamento deste período refratário de 6 meses para refazer o projeto de traçados da ponte e do TGV Lisboa-Poceirão.
Tal como mostrado aos projetistas da RAVE há mais de dois anos num programa Prós e Contras, haverá vantagens em deslocar a ponte para montante, para facilitar o tráfego fluvial e a exploração portuária e reduzir custos: a ponte seria entre o Beato e a base aérea do Montijo, que infelizmente teria de ser desativada e teria menos 1,5 km, correspondendo a uma economia que poderemos estimar em 140 milhões de euros; estou ainda a considerar que as oficinas do TGV ficarão ou em Marvila ou no Poceirão e não como se falou primeiro, no Barreiro; a travessia por Beato-Montijo conduziria ainda a uma economia no percurso Oriente –Poceirão, por Montijo, da ordem de 1 km, o que se poderia estimar em mais uma economia de 14 milhões de euros.
Junto um pequeno esquema topológico, em que podemos ver as posições relativas das principais povoações da margem sul e a rede ferroviária existente, as novas linhas do TGV e suburbanas e de metro ligeiro complementar.
Evidencia-se a ligação ao NAL e as vantagens da ligação Oriente –Poceirão por Montijo/base aérea.
É claro que os projetistas da RAVE argumentarão que, nas acessibilidades e ligações na margem norte, a solução oblíqua da travessia Chelas-Barreiro exigirá menos túneis na margem norte do que a solução Beato – base aérea.
Realmente será verdade, mas porque a localização da estação central foi decidida, na gare do Oriente, unilateralmente e ao arrepio da consideração da área metropolitana de transportes no seu todo.
Igualmente dirão que será preciso fazer uma ponte de 2 km entre o Barreiro e a base área. Porém a contabilização dessa ponte poderá ser objeto de um financiamento de coesão diferente da linha do TGV.
Não foram acolhidas as sugestões da comunidade dos transportes para localização da estação central no vale de Chelas (onde integraria um centro intermodal TGV-linha do norte-suburbanos das margens norte e sul- metropolitano Olaias, mais perto do centro da cidade do que no Oriente) nem nos terrenos do atual aeroporto da Portela (local por excelência para a instalação de equipamentos sociais, dado que a sua rentabilização colide com a lei das expropriações, sendo certo que a permanência do aeroporto colide com as diretivas europeias sobre as rotas de aproximação das aeronaves).
E como não foram acolhidas, assistimos atualmente à preparação do concurso para a ampliação da estação do Oriente e viadutos adjacentes, com todo o cortejo de perturbações na pobre estação de metro que lhe fica mesmo por baixo.
(O projeto desta ampliação foi entregue por ajuste direto a Santiago Calatrava; não refiro isto por achar ilegal, porque as diretivas europeias que foram transpostas para o novo código de contratação pública prevêem exceções; o que me choca é que quando eu invoquei essas exceções rejeitaram os meus pedidos, mas este documento não é a apresentação de uma queixas).
Mas fica ainda por esclarecer como justificar a imprevisibilidade das circunstâncias que implicaram alterações de peças essenciais do concurso.
Não se tendo alterado as condições geradoras da penúria do nosso PIB, resta-me colocar a hipótese, como justificativo da anulação do concurso, de que as circunstâncias imprevistas tenham sido a realmente imprevista e súbita tomada de consciência, por parte dos projetistas, das deficiências de traçado da TTT que prejudicavam a exploração portuária.
Tenho assim esperança que tal tomada de consciência levá-los-á, porque ninguém põe em causa a sua competência técnica, a corrigir essas deficiências na nova versão do projeto da TTT que se aguarda para daqui a 6 meses.
Finalmente, gostaria de comentar, no meio das discussões a que assistimos ouvindo tantas vozes contra os investimentos públicos no TGV (e que ignoram, em percursos como Lisboa- Madrid e Lisbioa-Porto, a sua maior eficiência energética comparada com o avião e o automóvel), e com base na minha própria experiência, que não é preciso suspender os projetos.
Basta calmamente continuar a fazê-los, sem preocupações de atrasos, em ambiente de debate alargado, para, quando haja dinheiro, rapidamente aumentar o ritmo. As coisas atrasam-se por si.
Caso contrário, desmobilizando os meios, o arranque será sempre demorado e penoso.
Aqui lhe deixo as sugestões.
Com os meus melhores cumprimentos
fcsseratostenes@hotmail.com
http://fcsseratostenes.blogspot.com/
Fernando Silva
BI 1453978
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