segunda-feira, 7 de junho de 2010

Securitarium IV - os direitos das vítimas e o direito à segurança

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O tema é um dos que dão o caráter depressor às edições do DN de 3 e 4 de Junho de 2010.
Cito o comandante da GNR de Coimbra: “(existem) acentuadas desproporções entre os direitos das vítimas e o catálogo dos infindáveis direitos dilatórios dos agressores”.
Por outras palavras, as pessoas de bem são vítimas, mas os agressores encontram proteção na lei .
Do ponto de vista do direito romano, dir-se-ia que as leis devem existir, mas não para os agressores; a igualdade de direitos não deve ser invocada se dela resultar prejuízo para as vítimas inocentes.
Do ponto de vista da teoria económica, dir-se-á que a lei protetora dos agressores é uma externalidade que prejudica as suas vítimas (as vítimas não contribuíram para essa lei; os governos mantêm-se insensíveis aos protestos das vítimas, logo, é uma externalidade); ou que o equilíbrio de Pareto (recomendaram-me há dias um livro, “O prisioneiro, o amante e a sereia”; o equilíbrio de Pareto vem lá descrito) acaba quando se aplica a lei para proteger os agressores.
Por outras palavras, devia estar escrito em qualquer sítio, e haver a certeza que todos os candidatos a agressores o lessem, que agredir é proibido.
Havendo dúvidas sobre o que é uma agressão mental, pelo menos não há sobre o que é uma agressão física.
E onde podemos ver isso escrito?
A lei devia estar escrita em linguagem acessível.
E o comandante da GNR de Coimbra sabe mais disso do que os doutores que nunca conseguiram escrever uma lei assim.
Mas não parece considerarem o seu parecer.
Continuo a citar o comandante, sobre as agressões aos polícias: “é o próprio Estado que, no símbolo de uma farda, é agredido”.
Dramatização?
Talvez.
E como cereja em cima do bolo, a propósito do desalojamento do seu quartel: “entrámos diretamente no altar dos sacrifícios da venda de património para diminuição do défice público”.
Isto é, apesar de tudo, ainda vai havendo quem chame as coisas pelo nome.
Pouco se ganhará com isso, mas as coisas ficam ditas.
E no fundo, qualquer cidadão sabe o que significa, na sua vida particular, vender os anéis, vender o património, dar prioridade aos valores económicos quando comparados com os valores defendidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, um dos quais é o direito à paz e segurança, e outro o direito a uma justiça rápida.

Como diz Manuel Maria Carrilho, “vivemos assim – mas não devíamos”.


Mas, a propósito do direito à segurança, deixem-me transmitir-lhes o que o meu amigo me contou:
1 – uma vez por semana janta no Paço da Rainha, ali ao pé do Campo dos Mártires da Pátria; partiram-lhe o vidro do carro e roubaram um X-ato partido, uns óculos de sol desconchavados e uma esferográfica de oferta publicitária; não é grave; ou melhor, é apenas um indicador de uma grave doença social com origens conhecidas (poupem-me a lenga-lenga: insucesso escolar, desemprego, desorganização da estrutura social e produtiva, etc., etc.)
2 – a senhora a dias que lhe faz a limpeza de casa tem um filho que é motorista da Carris. São cabo-verdianos e moram na Amadora. Um vizinho desceu do 4º andar, entrou-lhes em casa, agrediu o moço e atirou-o do 3º andar para o quintal; depois atirou-se ele próprio; estão os dois no hospital, duvidando-se que o moço possa continuar a ser motorista da Carris. O que me interessa destacar: a polícia disse que o agressor já estava “referenciado”. Até por causa das declarações que transcrevi do comandante da GNR, não é a polícia que culpo. A polícia fez o que o médico faz: diagnosticou; se o doente não se tratar, as coisas acabam mal. Não há assistentes sociais porque o Estado tem de reduzir a despesa pública, não há tratamento psiquiátrico ao agressor porque o Estado tem de reduzir a despesa pública, as condições de habitação são insalubres porque o Estado tem de reduzir a despesa pública.
Custa a acreditar. Com tantos gestores da res pública tão competentes, com tantos comentadores e analistas políticos tão perspicazes, com tantos empreendedores e bancários de sucesso, custa a acreditar como chegámos aqui, como não nos soubemos organizar para evitar esta depressão.
Mas é um facto, não nos soubemos organizar.

Como diz Manuel Maria Carrilho, “vivemos assim – mas não devíamos”.

Art.3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Este artigo é incompatível com a liberdade dos agressores, isto é, com crimes de direito comum, nos termos do art.29º.




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2 comentários:

  1. Embora, num aprimeira análise, esteja tentado a concordar com o comandante da GNR não me deixo cair nessa tentação de eliminar garantias aos arguidos, até porque as leis que defendo para os outros são as mesmas leis que quero para mim, e portanto construo a lei numa óptica egoísta para depois estender a toda a gente...(manías de pseudo-anarquista). Assim, na eventualidade de vir ser arguído num qualquer processo, quero garantias de que não serei espancado, que me poderei defender e que terei direito a um julgamento justo... Contudo, não me parece, que embora existam na lei estas garantias, elas sejam, na maioria dos casos, aplicadas. Mas prosseguindo...
    O senhor guarda não refere que o problema não é da legislação, mas sim da polícia e de todo o sistema judicial. Essa é que é a verdade que ninguém quer aceitar. Nós vimos isso no caso Madie ou Joana, ou ainda, mais recentemente, no caso da rapariga que, agora se sabe, morreu após despiste na A24 (então a polícia precisou de um mês para ver nos vídeos da auto-estrada, com os quais eu não concordo, que o carro entrou mas não saiu?!?).
    Por outro lado o senhor guarda também não explicou que o primado do direito não é a justiça mas a segurança. Ou seja, as leis são elaboradas para garantir segurança e só depois justiça. E que, conseuentemente, a lei prevê formas de impedir a ocorrência do crime.
    I.e. se o senhor estava referenciado porque não tomou a polícia a vigilância desse indivíduo? Se a polícia suspeitava que esse senhor era um meliante porque não reuniu provas que permitissem a sua condenação? O que a polícia não pode querer é uma lei que lhe permita fazer a "sua" justiça, como tantas vezes acontece.

    PJP

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  2. Não quero desempenhar o papel de defensor das polícias, até porque não se podem negar os casos de espancamento e de incompetencia que referiu, mas parece que se se cortam meios a uma equipa, se se deixam na equipa os defensores dos raciocínios primários que se recusam a seguir a segunda pista, ficam os casos por resolver. Acontece o mesmo que nas empresas em que se privilegiam os defensores das estatísticas de marketing e do software de gestão virtual das ocorrências; se se cortam os meios para resolver as causas das avarias, e se se criam dificuldades burocráticas à sua resolução, é natural que elas permaneçam por resolver, à vista de toda a gente e com direito a notícias no jornal e tudo.
    Mas não perca o Securitarium V.

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