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A indignação impede-me de estar calado.
O atual ministério da Educação prossegue a ação destruidora dos anteriores ministérios.
Destruidora é a palavra que se aplica à capacidade da maioria dos cidadãos do futuro, que agora são crianças, apreenderem as causas e as circunstancias das coisas do que lhes diz respeito.
E isso acontece porque continua a privilegiar-se:
• o conceito idealista de Rousseau e de Piaget de centrar o método educativo na criança e no seu prazer na descoberta pela aprendizagem, desprezando a definição concreta dos programas e da sua execução (como diz o prof.Nuno Crato, é a ideologia do “eduquês” executada pelos burocratas das direções gerais invocando pretensiosas inovações)
• a aplicação de medidas que melhoram indicadores (especialmente económicos ou, sendo educacionais, aqueles que mais facilmente iludam as pessoas e mais se prestam a ser sobrevalorizados pelos escribas laudatórios da comunicação social) sem atender a todos os dados da realidade
O que escrevo não tem nada de político.
É apenas uma apreciação do ponto de vista técnico e de gestão de recursos.
• Do ponto de vista técnico, porque a recolha de dados que se faz não é completa.
Por exemplo, são apresentados powerpoints na Assembleia da Republica mostrando em gráfico a diminuição do insucesso escolar nas escolas primárias desde o fecho das escolas com menos de 10 alunos em 2005.
É verdade, existe uma correlação positiva entre o fecho das escolas com menos de 10 alunos e a diminuição do insucesso escolar.
Mas correlação entre duas variáveis significa que elas se movem no mesmo sentido, não quer dizer que uma cause a outra. O número de incêndios também diminuiu desde 2005 e não podemos dizer que o insucesso escolar diminuiu por ter diminuído o número de incêndios. Além disso, há muitas outras variáveis em jogo e algumas delas sim, influenciam mais fortemente a diminuição do insucesso escolar, como seja o aumento do nível escolar e económico dos pais (por outras palavras, o ambiente económico-social exterior à escola influencia mais fortemente o sucesso escolar do que as melhorias da própria escola; logo, se concentrarmos os esforços naquilo que menos contribui para o objetivo, estamos a desperdiçar, claramente, recursos). Tudo isto se estuda nas primeiras páginas dos manuais de análise estatística e é por isso que escrevo que a minha apreciação é fortemente negativa do ponto de vista técnico.
• Do ponto de vista de gestão de recursos, porque a via deliberada do facilitismo conduz inapelavelmente á desmotivação dos profissionais (os tais professores, de que os seniores já se reformaram, e de que alguns juniores já são vítimas da ação nefasta dos anteriores monistérios).
O que me leva a um grau elevado de indignação é a recente decisão, logo a seguir ao anúncio do fecho das escolas primárias com menos de 20 alunos, de estender aos alunos do 8º ano (antigo 4º ano do liceu) com mais de 15 anos, que reprovaram (agora diz-se que foram retidos) a possibilidade de, mediante a prestação de provas (e como são duvidosos os critérios de dificuldade de algumas provas…) passarem diretamente para o 10º ano.
É uma vergonha de facilitismo.
É dizer que vale zero o esforço de quem dá e de quem vai às aulas.
Ir às aulas é abrir as portas à capacidade de interpretação.
Custa-me ver a senhora ministra, que é uma pessoa de bem e sensível, anunciar estas medidas:
• Porque fechar as escolas com menos de 20 alunos não é combater as causas do insucesso; é comprar a diminuição do insucesso com o sacrifício das crianças que são transportadas para longe de casa e aumentar o abandono das povoações do interior
• Porque facilitar a passagem para o 10º ano de quem foi reprovado ao longo do ano vai permitir melhorar o indicador de retenção de alunos, não vai melhorar a sua capacidade de interpretação
Imagino o sofrimento interior desta senhora, ao defender estas medidas.
Como sei que sofre? Simples – porque numa entrevista, para justificar que os alunos das escolas que fecham iriam ficar melhor, utilizou na mesma frase, por duas vezes, o mesmo adjetivo, aplicado a dois substantivos diferentes: que as salas das escolas maiores eram mais adequadas e que os equipamentos eram mais adequados.
Não eram as palavras e o sentimento dela.
Nem de mim, que indignado estou.
Mas para que não se diga que protesto, critico e nada proponho como alternativa, sugiro que os serviços do ministério e os cidadãos estudem a viabilidade de aplicação:
• Dos ensinamentos retirados dos dados recolhidos pelo departamento federal de educação dos USA a propósito do No child left behind, cujo principal objetivo é reduzir as diferenças entre alunos; ver
http://en.wikipedia.org/wiki/No_Child_Left_Behind_Act
• Do sistema de ensino “Direct Instruction” (DI), baseado na rigorosa definição dos programas, minimizando as deficiências locais, e que, apesar de só estar aplicado em 1% das escolas públicas dos USA, foi avaliado publicamente da seguinte forma: "When the testing was over, students in DI classrooms had placed first in reading, first in math, first in spelling and first in language. No other model came close" ; ver
http://dreamcatcherlearning.com/index.php?option=com_content&view=article&id=3&Itemid=3
http://en.wikipedia.org/wiki/Direct_Instruction
PS - Ah! Fecham-se as escolas do interior por razões financeiras? Sugiro ás entidades competentes o estudo do programa oficial de empréstimos dos USA. Não posso recomendar porque não me debrucei sobre ele (além de não ser especialistas de finanças, claro). Mas sugiro que o estudem:
http://www2.ed.gov/offices/OSFAP/DirectLoan/index.html
E, num âmbito não oficial, será também interessante estudar as soluções para o ensino, privado ou púiblico, desta empresa inglesa:
http://www2.education.co.uk/about-us/
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Confesso que fiz um comentário sobre o post referente ao fecho das escolas sem antes ver V. Exa. a tomar o lugar de Marcus Tulius Cícero neste post.
ResponderEliminarPelo facto as minhas desculpas.
Concordo que fechar escolas não é combater o insucesso escolar, mas manter abertas as escolas também não combate o insucesso escolar. Não me parece que o fundamental desta questão seja a quantidade de escolas e número dos seus alunos.
Para combater o insucesso escolar é necessário ensinar às crianças o gosto por aprender... mesmo que elas não queiram. Este é que o ponto de combate ao insucesso escolar. Porque, quando um ser humano descobre o prazer do saber será mais fácil conseguir a sua cooperação na aprendizagem. Há, pois, um problema a dois níveis. O primeiro, o nível de ensinar, que compete aos professores prosseguir, não só de forma competente, mas de forma, digo eu, apaixonada, quer na matéria quer na forma de ensinar. O segundo nível, a aprendizagem, porque sem ensinar os alunos a aprender... bem podem os desgraçados dos professores (alguns, os muito competentes, os formadores de homens) gastarem o seu latim, porque será em vão. É preciso que professores e alunos metam a mão no barro, experimentem e exercitem a aprendizagem e a matéria aprendida.
Resolver o insucesso escolar é devolver à escola a sua nobre missão em que todos trocam experiências e conhecimentos e em que todos aprendem e todos ensinam, obviamente uns mais que outros.
Permita-me uma pequena achega sobre a correlação. A correlação mede, de facto, a relação linear entre variáveis. Concordo, no entanto, que só com base no neste indicador estatístico não se pode falar em variável explicativa e explicável, pois, é necessário conhecer outros indicadores como seja, por exemplo, o erro total ou o erro quadrático.
Vou confessar uma coisa. Dá gosto ter leitores assim. Sempre que quiser, avance na teoria das correlações e dos erros quadráticos, porque essa dispersão parece valer a pena.
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