quinta-feira, 7 de abril de 2011
Carta a um colega, que no facebook manifestou e justificou o seu apoio às greves no metro
Meu caro colega
Não estou muito seguro de que tenha a sua aceitação, não das críticas que faça, que não quero criticá-lo, mas da troca de impressões que desejo apresentar como comentário à sua defesa das greves no metro.
Na verdade, considero que, embora haja motivos válidos para fazer greves, elas não são oportunas.
Esta discordância pode não ser simpática para si, nem para os colegas delegados sindicais e das comissões de trabalhadores, mas peço que continue a leitura.
Nunca rastejei debaixo de um comboio para ir buscar um cãozinho (espero que a energia estivesse desligada) mas já rastejei debaixo de um deles para poder dar uns tiros (calma, uns tiros com a pistola de fixação de cavilhas para esteiras de cabos) na parede da galeria. Houve um desencontro nos lugares de estacionamento que tínhamos pedido e quando lá chegámos tivemos de fazer umas habilidades para fixar o cabo de alimentação da baliza DTAV. Aos anos que isto foi, 36, mais precisamente. Era o tempo em que se faziam plenários nas oficinas, se discutiam os assuntos do metro em todas as oportunidades, em que seguíamos na televisão o movimento popular por todo o país, sem condutores de opinião (pelo menos, apesar dos grupos em que estávamos divididos, havia um pouco mais de respeito pela opinião das pessoas).
Um belo dia, depois de o ter passado a fazer umas contas sobre os diagramas de marcha dos comboios, ia eu encostado à porta da cabina do ML7 (sem espreitar pelo buraquinho porque podia sempre aparecer uma esferográfica) quando ouvi a conversa do colega maquinista com o colega inspetor, comentando o ultimo plenário: “A culpa do metro estar assim é de ter 100 engenheiros” (era o mesmo numero de maquinistas) – “Pá, não é bem assim, mas lá que deviam ser postos na ordem, deviam”. E eu, que tinha entrado para o metro, dois meses antes do 25 de Abril, muito caladinho.
Mas também não me preocupei muito. Vantagem da consciência tranquila e de ter recusado uma oferta de trabalho na EFACEC, em que me pagariam mais 40% do que no metro me pagavam como entrada e, depois do período experimental, mais 55%. Seria, naquela empresa privada de sucesso, um ordenado de 17 contos contra 10,9 no metro. A preços de hoje, qualquer coisa como 4.200 euros de um lado e 2.700 euros do outro, isto para um jovenzinho que, coitado, já naquela altura acreditava no serviço público.
É isso, o conceito de serviço público. Acusam-nos de ser uns oportunistas instalados, acomodados num emprego para toda a vida, amparados por acordos coletivos recheados de subsídios. Talvez me autorize a falar como falo, que as pessoas deviam ser remuneradas para fazerem as suas funções, dispensando os subsídios, porque nunca cobrei uma hora extraordinária e os subsídios não contam para a reforma (se é que se podem garantir as reformas no futuro).
Também nunca desci por um poço de ventilação desativado.
Apenas desci e subi por poços de ventilação para verificar como não tinham sido consideradas na obra as observações que atempadamente tínhamos oposto aos projetos.
Apenas empurrei comboios caídos no “buraco” das agulhas durante os ensaios de colocação em serviço de novos troços, mas nunca ajudei ninguém com dificuldades de mobilidade a fugir duma situação ameaçadora, antes pelo contrário, fui somando frustrações por ver rejeitadas as minhas propostas para facilitar o transporte de passageiros com cadeiras de rodas.
E não foram só os administradores interessados em poupar dinheiro que levantaram dificuldades.
Quer-me parecer que a adaptação das estações e dos comboios às pessoas com mobilidade reduzida deveria ser um objetivo explícito de toda a comunidade de trabalho do metro.
Mas como diz, trabalhar no metro é uma profissão de desgaste rápido.
Nos tempos que correm temos de ter cuidado com esta classificação.
Para não sermos acusados de oportunistas. É ver os senhores professores catedráticos de economia, com os seus empregos garantidos na universidade pública, os seus part-times nas universidades privadas, as suas reformas dos bancos, a dizerem na televisão que temos de cortar nas regalias dos trabalhadores do metro.
Se calhar, outras profissões também podiam reivindicar o estatuto. Professores, por exemplo, com os miúdos a darem-lhe cabo dos neurónios, mineiros por causa da silicose, operadores do clinker dos altos fornos das cimenteiras, pescadores sem colete de segurança em barcos não equipados com balsas nem balizas de rádio-localização.
Nunca se sabe se entre os passageiros que transportamos não estão profissionais de desgaste mais rápido.
E quanto às remunerações dos passageiros do metro?
Serão melhores ou piores do que as de quem os conduz?
É que, nos tempos que correm, a preocupação principal de todos os trabalhadores do metro deveria ser, salvo melhor opinião, defender os rendimentos dos seus passageiros, porque daí virão os rendimentos dos trabalhadores do metro.
Claro que, como consequência, terão de se abrir os olhos de muito boa gente para a necessidade de taxar as transações da bolsa (mesmo com uma taxa baixa), de aumentar um bocadinho os impostos sobre os lucros dos bancos, sobre os dividendos, sobre os depósitos e transferências “off-shore”, sobre os lucros das grandes empresas acima de um certo escalão, claro.
Se os cortes nos rendimentos forem distribuídos por todos, idealmente de forma proporcional, penso que a maioria dos cidadãos e cidadãs aceitaria isso.
Teríamos então todos nós, sem serem só os cidadãos e cidadãs de menores rendimentos, a limitar os nossos gastos, principalmente produtos importados.
Mas o importante era os trabalhadores do metro sentarem-se à mesa das negociações e inscrever a preocupação pelos passageiros no caderno de encargos.
Donde, parece difícil justificar uma greve que prejudica quem tambem tem profissões de desgaste rápido e quem tem menores rendimentos de trabalho e garantias de segurança social.
Zangado, por eu pensar assim? Por mais perto que me sinta de quem trabalha no metro, também me sinto igualmente perto de quem trabalha e é transportado pelo metro.
Então eu proponho greves, não de paralização, mas de zelo. Antes de mais, por respeito por quem trabalha, mesmo que os decisores políticos ou os gestores da empresa não o decretem, do alto das suas superiorissimas instancias, usar zelo em garantir serviços mínimos.
Podemos calcular assim: 10% dos passageiros são estudantes e 50% são pessoas que fazem trabalho útil (se estes números não estão certos, pode fazer-se uma sondagem).
Então os serviços mínimos serão 60% dos comboios dos horários normais.
O zelo será publicitar com antecedência que não vale a pena procurar o metro no dia de greve quem não for trabalhar ou estudar e esclarecer isso mesmo nos acessos ao metro, por mais escandalizados que possam ficar os membros da comissão de proteção dos dados.
Mais duas questões: uma, sobre estar de serviço na Páscoa, no Natal e no Ano Novo. Já há uns anos largos que não elaboro horários de turnos e esquemas de rotação de pessoal por eles, mas no meu tempo, havia maneiras de evitar isso; a menos que a redução do quadro de pessoal tenha sido de tal ordem que chegámos a esse ponto, não sei.
A outra, sobre as derrapagens e a dívida do metro. Deixe-me que lhe diga que a principal causa das derrapagens é fazerem-se orçamentos muito baixos antes de lançar os concursos. É uma forma de ajudar à aprovação dos novos empreendimentos. Não podemos esquecer-nos de que quem aprova os orçamentos raramente conhece a estrutura de custos das obras. Depois de ganhar o concurso, é muito grande a tentação para o empreiteiro em pôr os seus advogados a detetar os pontos fracos do contrato, sendo certo que não é possível prever todas as situações no caderno de encargos elaborado pelo metro e num contrato; e a outra tentação é ir-se aproveitando das deficiências de coordenação da obra como, por exemplo, não colocação do local da obra ao seu dispor por atrasos nas expropriações, ou descoberta de melhores soluções técnicas, para acumular trabalhos adicionais e assim recuperar do baixo preço com que ganhou o concurso.
Difícil, o mundo dos grandes empreiteiros, e grande a disparidade entre o volume dos seus negócios e o volume de negócios do metro. Infelizmente, o novo código de contratação publica não veio resolver os problemas dos concursos públicos.
Nem sempre a melhor proposta é a mais barata, nem sempre a melhor solução é executar estritamente o que está no projeto ou no contrato.
Por outro lado, parece extremamente injusto estar a atribuir os custos e dívida das obras de estações e galeria ao metro. São custos de infra-estrutura que pesarão sempre demasiadamente na exploração do metro. Por isso esta deveria ter uma contabilidade independente. Se se lembrarem de privatizar a exploração do metro logo verão que a divida sai da empresa.
Mais uns assuntos a pôr nas mesas de negociações, penso eu.
Os melhores votos de saúde e bem-estar pessoal e profissional.
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Meu Caro Engenheiro Santos Silva
ResponderEliminarDe facto concordo, que esta onda sucessiva de greves nos transportes públicos não são oportunas de acordo com actual conjuntura que o País está no momento a viver. Penso também que no momento não serve os interesses dos trabalhadores.
Pois... como se costuma dizer. Terão de ser os trabalhadores do metro e os seus orgãos representativos a debater isto muito bem, sem se hostilizarem nem se entrincheirarem em preconceitos ou clubismos... É dificil, mas o unico caminho para a espécie humana é entendermo-nos todos, com argumentos bem estrurados. Penso eu... como se costuma dizer.
ResponderEliminarMeu caro,
ResponderEliminarUm dos dois está a ficar velho! Começo a concordar contigo várias vezes.
Não é de facto agradável ver o salário reduzido. Muito menos quando são apenas alguns a contribuir!
Saberão os trabalhadores do Metro que, quando estão de greve, estarão a prejudicar cidadãos que também sofreram cortes nos vencimentos?
Saberão os trabalhadores do Metro que, com o contrato de trabalho que têm, era possível contratar licenciados ou mestres ( designação de Bolonha) para uma grande parte das profissões que lá trabalham?
Pois é, marretas como nós somos assim. Bom argumento, o ordenado dos licenciados, até já temos alguns. Mas insisto, gostava de ver isto debatido abertamente, com argumentos... e argumentos que ajudassem a arranjar mais passageiros (precisamos de receitas) e umas boas contra-propostas ao que os senhores de Bruxelas nos vêm impingir, de modo ao tal coeficiente de desigualdade não ser tão grande.
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