sexta-feira, 8 de abril de 2011

Guerra ao automóvel




Com alguma ironia e bonomia, o cronista do DN (Jorge Fiel, economista) chega, por outra via,  à mesma conclusão a que este aborrecido bloguista chegou há muitos anos (e não só este aborrecido bloguista, claro, que ele nunca inventou nada de novo).
Que não é sustentável assegurar a maior parte das deslocações das áreas metropolitanas com o transporte privado.
Porquê? porque o transporte privado é menos eficiente do ponto de vista do consumo específico de energia por passageiro.km e do ponto de vista de emissões de CO2 (gases com efeito de estufa) por passageiro.km. (Nota: passageiro.km - a unidade em que se expressa a produção de um sistema de transportes; o valor em passageiros.km equivale ao produto do numero de passageiros ou de viagens pelo percurso médio de cada passageiro ou viagem; alinhando em série todos os percursos em km de cada viagem de cada um dos passageiros obtem-se o valor dos passageiros.km)






Por outras palavras, continuar como estamos consome mais energia primária e emite mais gases com efeito de estufa do que tomar as medidas para transferir passageiros para o transporte ferroviário.
Como explicar isto aos jovens portugueses (20% dos quais compra carro novo contra 11% da média europeia!!!) e aos portugueses em geral (que têm 500 carros por mil habitantes, como os japoneses)?
Com a agravante dos vendedores de automóveis andarem a propagandear consumos impossíveis de alcançar de menos de 4 litros/100 km ( ou 360 Wh/km, consumos só possíveis em laboratório com motores de explosão), embora sejam notáveis os progressos das tecnologias common rail nos motores diesel e Multi air e injeção turbo (TSI) nos motores de gasolina.
(Nota: contabilizando os custos de extração, distribuição e construção e manutenção de infraestruturas e veículos,  os valores comparáveis de emissão de CO2 serão 150 gramas no transporte privado e  60 gramas por passageiro.km). 
Trata-se de uma externalidade evidente, isto é, quem não tem carro ou quem vai de comboio para o emprego sofre sem culpas o desequilíbrio da balança de pagamentos devida à importação de petróleo e o aumento da poluição e aquecimento da atmosfera.
Ora, vem nos livros de economia que, nos casos de externalidades, não é necessário respeitar as sacratíssimas regras de funcionamento do mercado. Não pode, nem deve a UE opor-se. Aliás será ela própria a impor as medidas a seguir referidas.
Então a conclusão de Jorge Fiel de declaração de guerra ao automóvel nas cidades está correta:
- lançamento de nova taxa sobre os combustiveis e aumento dos impostos sobre a venda e circulação automóvel, para financiamento do transporte publico energeticamente eficiente
- limitação da velocidade nas auto-estradas a 110 km/h e nas zonas urbanas com peões a 30 km/h, com reversão das receitas das multas para o transporte publico
E para que ninguém se antecipe a chamarem-nos fundamentalistas por "diabolizarmos" o automóvel privado, desde já declaro que o que está em causa é o indevido uso que dele se faz em cidades não preparadas para o seu tráfego intenso e para transporte de massas, quamdo ele não é o meio indicado para isso.
É claro que há uma infinidade de questões para resolver, algumas delas já analisadas neste blogue, como por exemplo a concentração da distribuição alimentar de retalho em grandes superficies comerciais onde o acesso só pode fazer-se por automóvel (aumentando assim os consumos e as emissões de CO2). Veja-se o caso do Continente ex-Carrefour de Telheiras e das Amoreiras, que não são servidos pelo metropolitano, contrastando com a boa localização do Colombo.
Outra questão é a eventual redução da receita fiscal por diminuição da circulação e da venda automóvel, o que pressionará no sentido da subida das taxas e impostos e do estímulo da utilização do automóvel para outros fins (interurbano) e para o modo elétrico. Tambem implica a reconversão dos empregados da venda automóvel para a reparação automóvel. Em resumo, há que reformular o uso que se dá ao automóvel, e parece que o conceito que existe dele atualmente, ou um objeto para exibir o luxo e a potencia, ou a funcionalidade associada tambem à potencia e à utilização universal, terá mesmo de ser mudado, pese embora a atual orientação dos grandes fabricantes.
Pena os decisores andarem tão avessos a gastar dinheiro no transporte coletivo ferroviário nas áreas metropolitanas.
Talvez porque, para alem de haver pouco dinheiro, não obstante existirem fundos europeus para o efeito, os decisores tenham percebido que se gastou muito dinheiro mal gasto com os metros de Lisboa e do Porto (em Portugal é assim, alguem diz que o que era bom era esta solução, e depois ficam os decisores muito descansados enquanto se gasta mal o dinheiro numa má versão dessa solução) e que ainda não tenham compreendido o conceito de consumo específico de energia e a diferença que existe entre o atrito da roda de ferro com ferro e o atrito da roda de borracha com o asfalto.
Mas pode ser que venham a perceber ou, pelo menos, que alguém de fora lhes explique (embora não se esteja à espera que as soluções de privatização de empresas de transportes que se anunciam sejam as melhores; mas enfim, sabemos que a  União Europeia gosta de arranjar trabalho para as grandes empresas do centro da Europa, o que numa época de crise se compreeende)

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