terça-feira, 22 de novembro de 2011

Pitagoricamente jogando com numeros II - civitas iniquitatis

Jogando com numeros poder-se-á chegar à definição dos limites e do conteúdo da cidade da equidade.
Se já se definiu internacionalmente a forma de cálculo do coeficiente da desigualdade de Gini, também pitagoricamente poderiamos chegar à cidade da equidade.

Mas ainda não o fizemos.
Vivemos ainda na civitas iniquitatis, apesar do senhor ministro das finanças garantir que a distribuição dos sacrificios é equitativa.
Como aliás diz o senhor primeiro ministro, sem admitir contestação e garantindo professoralmente que não muda o orçamento porque é sagrada a partilha de 1/3 para as receitas e 2/3 para o corte de despesas e afinal  não há gorduras do estado suficientes para cortar .
E como argumento demonstrativo da equidade dos sacrificios, disse o senhor primeiro ministro que os funcionários publicos são amputados de dois subsidios mensais e os trabalhadores do setor privado poderão ser sujeitos a trabalhar mais duas horas e meia por semana, reduzindo assim o valor do seu salário horário.
Vem a troica e diz que é óbvio que a redução salarial dos funcionários públicos se repercutirá no setor privado.
Em sentido contrário funcionou o aumento salarial dos funcionários publicos em 1972, através da concessão de um subsidio de férias.
É que na altura não havia duvidas, o salário médio do setor privado era claramente superior ao setor público.

Mas deixemos isso e joguemos um pouco com os numeros, não para encontrar a solução para a equidade, que essa só se conseguiria com estudos estatísticos e sociológicos sobre dados que me parece não existirem (em Portugal costuma-se decidir sem recolher e tratar dados em quantidade suficiente), mas para tentar outras perspetivas.

Haverá 900.000 funcionários publicos e trabalhadores de empresas publicas?
E 3.600.000 trabalhadores do setor privado?
Como o senhor primeiro ministro diz, o salário médio no setor publico será 15% superior à média nacional? (seria interessante a tal auditoria à divida externa, identificando os credores e os devedores por classe, explicando por que sendo a divida privada superior à publica, são os salários do setor privado tão inferiores aos do setor publico; provavelmente Medina Carreira explicaria que tanto os assalariados publicos como privados se empenharam a aumentar a divida ao estrangeiro).
Excluindo os escalões superiores, teve o cuidado de acrescentar, provavelmente por ter lido o email que circulou com os vencimentos  de antigos ministros que ocupam lugares de administração em empresas mais ou menos ligadas às áreas dos seus anteriores ministérios.
Mas admitamos que o salário médio publico, considerando o peso de médicos, professores, quadros técnicos licenciados, é 20% superior ao do setor privado.
No quadro seguinte aplica-se o critério de equidade defendido pelos senhores governantes, da equivalencia entre o corte de subsidios e o aumento do numero de horas semanais (repete-se que o interesse é meramente de jogo com numeros, porque a equidade não se mede assim, apenas com estas variáveis) chegando-se a resultados diferentes.

Concluiu-se que mesmo depois de cortar 2 subsidios o salário publico ainda é superior 2,86% ao sala´rio privado de 40 horas. E que passar de 40 para 42,5 horas semanais corresponde a uma redução de 5,88% no salário horário privado.
Para que os salários horários ficassem iguais depois do corte de subsidios no publico e da variação das horas por semanas dos privados, seria necessário que estas fossem reduzidas para 39 horas, isto é, uma diminuição de 13 minutos por dia.
E se quiserem supor que  a produtividade do privado é superior em 10% à do setor publico (não estou a pôr setores contra setores, o que desviaria a atenção das causas a montante, mas as obrigações de serviço público, como por exemplo transportar menos pessoas por veículo em horas de pouco movimento, implicam naturalmente perdas de produtividade, não por insuficiencia dos seus trabalhadores, mas pelas obrigações sociais em si), então o horário semanal privado teria de baixar para  35 horas e a diminuição diária seria de 5 minutos.
Não parece portanto ser este o caminho para definir equidade entre o setor publico e o privado, até porque as variáveis que devem ser consideradas são muitas.


1 - Imaginemos agora que uma empresa com 10 trabalhadores tinha uma produção semanal P=1000 (por exemplo, 1000 peças de mobiliário) com um horário de 40 horas semanais.
A sua produtividade era 2,5 peças por homem.hora.
Quando passou a 42,5 horas semanais, recebeu encomendas adicionais e passou a ter uma produção 5% maior. Mantendo o quadro, a produção aumentou para 1050 peças, mas a produtividade baixou para 2,47 peças por homem.hora.

2 - Imaginemos que a procura baixava e a produção semanal reduzia-se 10% , de 1000 para 900.
Com o mesmo quadro de pessoal a produtividade baixaria de 2,5 para 2,24.
A tentação seria grande para despedir um trabalhador.Mesmo assim a produtividade baixaria de 2,5 para 2,48. Pelo que a tentação de um segundo despedimento conduziria a um aumento da produtividade de 2,5 para 2,79.
No entanto, baixando as horas semanais para 36, manter-se-ia a produtividade em 2,5 o que parece indiciar que cada caso é um caso.

Estas e outras variações estão no seguinte quadro:

Conclui-se assim que aumentar o numero de horas semanais, quer com aumento da produção, quer com diminuição da produção , conduz a diminuição da produtividade.
Isso mesmo se poderia ver a partir da fórmula da produtividade, aumentando os homens.hora ou diminuindo a produção a produtividade baixa:

produtividade =produção/fator de produção   (p=P/(hom.h) )




Nestas condições, é admissível discutir a proposta da CIP de criar uma bolsa de  horas (depósito de acumulação durante a baixa da procura para descarga em período de aumento da procura) para absorver as flutuações da procura e da produção, garantindo a manutenção do quadro de pessoal e as remunerações globais anteriores ao aumento do numero de horas (baixando portanto o salário horário). Esta opção significa a supressão das horas extraordinárias (outra forma de suprimir as horas extraordinárias em dias uteis é a isenção de horário de trabalho).
Outra hipótese seria as remunerações dependerem de uma parcela proporcional à produção, somada a uma parcela proporcional ao numero de horas trabalhadas (princípio da parceria ou participação dos trabalhadores nos resultados).
Ou então, considerando os resultados razoáveis obtidos, e não querendo inventar o que já está inventado, a aplicação do regime de "kurzarbeit" (trabalho encurtado) a todo ou parte do quadro de  pessoal.
Este regime evita o despedimento ou a dispensa, mediante o desvio de trabalhadores, em períodos de menor procura, para cursos de formação financiados por fundos públicos (dado que o sistema nasceu na Alemanha, será de esperar que a UE possa colaborar).
Ver:



O segundo endereço contem uma reflexão interessantissima sobre a natureza da crise atual, na qual poderá estar a desempenhar um dos lugares principais o problema do desemprego com origem no desenvolvimeto tecnológico (teriam razão os barqueiros do Reno que queimaram barcos de vapor, ou o médico do tempo dos primeiros comboios que afirmava que o cérebro humano, por não ter sido desenvolvido para isso, começava a funcionar mal acima de 20 km/h?).

No entanto, numa altura em que a UE sobe a comparticipação de 85 para 95% nos fundos QREN, dotados para o nosso país com 21 mil milhões de euros (têm é de se fazer corretamente os projetos e o seu planeamento para se obterem os financiamentos), custa a compreender algumas afirmações anti-investimento dos senhores governantes, quando esses fundos poderiam combater o desemprego.

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